No próximo dia 10
de dezembro comemora-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Em 1948, há
exatos 75 anos, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH) pela Assembleia Geral da ONU, como um “ideal a atingir por todos os
povos e todas as nações” (ONU, 1948). Trata-se, portanto, de um
marco significativo, elaborado no contexto histórico da Segunda Guerra Mundial
e das severas violações ocorridas dentre as quais: o Holocausto (que levou à
morte mais de seis milhões de judeus) e o lançamento de bombas atômicas em
Hiroshima e Nagasaki (cidades Japonesas).
A Declaração
Universal dos Direitos Humanos contempla um extenso rol de direitos, dentre os
quais destacam-se: (i) o direito à liberdade,
igualdade em dignidade e direitos (artigo 1); (ii) o
direito à igualdade e a vedação ao tratamento discriminatório (artigo 2 e
VII); (iii) o direito à à vida, à liberdade e à
segurança pessoal (artigo 3); (iv) a proibição à
escravidão - em todas as suas formas (artigo 4); (v) a
vedação à tortura (artigo 5); (vi) o direito de ser
considerado como “pessoa” perante a lei em todos os lugares (artigo 6), dentre
outros.
Por essa razão, o
documento inspirou a elaboração de Constituições e Leis, em diversos países,
que contemplam os direitos humanos em uma lógica universalista, que atendem a
todos os seres humanos. Entretanto, questiona-se: Os direitos humanos são
universais?
Os
“Direitos Universais”
Conforme
mencionado anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos pautou-se
em uma abordagem “universal” dos direitos humanos, que seriam inerentes a todos
os seres humanos independente da sua cor, gênero, religião, classe social,
nacionalidade, dentre outros. Trata-se, portanto, da visão tradicional sobre o
tema, relacionada a um viés jusnaturalista (que compreende os direitos humanos
como inerentes à essência humana) e juspositivista (que compreende que os direitos
humanos advém das previsões legais - no âmbito nacional ou internacional -
Constituição, Leis e Tratados Internacionais).
Ocorre que, para
alguns estudiosos sobre o tema, a visão tradicional e universalista passou a
não ser suficiente. Isso porque, além de apresentar-se como “utópica”, ainda
inobserva a complexidade da implementação dos direitos humanos.
Conforme a “Teoria
Crítica dos Direitos Humanos” (cujo principal autor é Joaquín Herrera
Flores), os direitos humanos não podem ser confundidos com os direitos
positivados, uma vez que a “maioria da população mundial não pode exercê-los
por falta de condições materiais para isso” (FLORES, p. 27).
Nas palavras do
referido autor a principal tensão não é transformar um direito em um direito
humano, mas transformar um direito humano em direito, bem como promover a “melhor
implantação e efetividade aos direitos humanos” (FLORES, 27). Isso
significa: proporcionar a concretização dos direitos e garantias por meio das
práticas sociais, do exercício efetivo dos direitos.
Avanços
na implementação dos direitos humanos no Brasil
Os direitos
humanos podem ser definidos como o “conjunto de lutas pela dignidade”,
cujos resultados serão alçados por meio de normas e políticas públicas
adequadas, capazes de proporcionar a compreensão e aplicação por meio dos
contextos históricos concretos, tal como uma produção cultural (FLORES, 34).
Nesse sentido, os avanços sobre a implementação dos direitos humanos, pelos
diversos países, são notórios.
No Brasil, o marco
do processo de redemocratização foi a Constituição Federal de 1988, a qual
apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil a “dignidade da
pessoa humana” (artigo 1º, IV - BRASIL, 1988). Além disso, contempla um rol
extenso (e meramente exemplificativo) de direitos e garantias fundamentais no
artigo 5º, dentre os quais: igualdade de tratamento, vedação à tortura,
liberdade de manifestação e de expressão (vedado anonimato), proteção da
privacidade (inviolabilidade do domicílio, de correspondência, proteção a
imagem e honra), acesso à justiça, ampla defesa e devido processo legal,
etc.
No âmbito
infraconstitucional, em observância às subjetividades e necessidades de
determinados grupos sobre direitos e proteções, destaca-se: o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº
10.741/2003); da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006 - que cria
mecanismos para coibir a violência de gênero contra as mulheres), o Estatuto da
Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015).
Entretanto,
conforme mencionado anteriormente, as disposições legais - per si -
não são suficientes para trazer efetividade aos direitos. Por essa razão,
analisar as políticas públicas sobre o tema é um fator determinante sobre os
avanços em direitos humanos. Isso porque, conforme Maria Paula Dallari Bucci,
as políticas públicas são um campo mais “concreto” do direito e “[...] o fim
da ação governamental, as metas nas quais
se desdobra esse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua realização
”(2001, p. 13).
Embora ainda
enfrentemos índices alarmantes sobre desigualdade social, insegurança
alimentar, acesso à educação, desmatamento, etc., observa-se como exemplos de
políticas públicas relevantes: (i) Programa Universidade para Todos; (ii)
Política Nacional de Alfabetização; (iii) Educação para Jovens e Adultos; (iv)
políticas de distribuição de renda e redução de desigualdades (Bolsa Família);
(v) Política Nacional do Meio Ambiente; (vi) Programa Criança Feliz; (vii) Casa
da Mulher Brasileira; (viii) Plano Amazônia Sustentável.
Portanto, apesar
de todos os avanços, ainda há um grande caminho a ser percorrido para que
alcancemos o respeito à dignidade humana e a todos os direitos dispostos nos
tratados internacionais e nos ordenamentos pátrios. Contudo, antes de
finalizar, em referência a um trecho da tese do professor Eduardo Xavier Lemos,
ressaltamos que “
[...]
acreditamos nos direitos humanos como resultado do processo de emancipação da
humanidade e, por esse motivo, acreditamos que são o caminho para a Justiça
Social
” (2023, p. 422).
Mayra Cardozo - advogada e sócia do Martins Cardozo Advogados, especialista em Direitos Humanos e Penal, mentora de Feminismo e Inclusão e líder de empoderamento
Thaís
Marques - advogada de família do escritório Martins Cardozo Advogados
Associados.
REFERÊNCIAS
BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um Conceito de
Políticas Públicas para a Concretização
dos Direitos Humanos. (p. 5-16).
In
Direitos humanos e políticas públicas
. São Paulo, Pólis, 2001.
FLORES, Joaquín Herrera.
A reinvenção
dos direitos humanos
. Tradução de: Carlos Roberto Diogo
Garcia; Antônio
Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2009.
LEMOS, Eduardo Xavier.
Teoria crítica dos direitos humanos desde América Latina
: a teoria e práxis do coletivo O Direito Achado na Rua.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.
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