Uso excessivo de
telas compromete desenvolvimento infantil, socialização e aprendizado escolar,
afirmam especialistas
Cada vez mais expostos ao uso de todos os tipos de
telas, crianças e adolescentes estão sujeitos a uma hiperestimulação que pode
trazer consequências imediatas e de longo prazo para o desenvolvimento
cognitivo e emocional. Para a psicóloga educacional do Colégio Positivo,
Karoline Keller, o uso excessivo de telas desde a primeira infância compromete
ou até substitui etapas e práticas fundamentais para o ciclo de desenvolvimento
da criança. "O consumo de telas por um tempo acima do recomendado tende a
substituir atividades como brincar, conversas presenciais, contato físico e
práticas de socialização, que são de grande importância para um desenvolvimento
pleno da criança", explica Karoline.
Complementando esse raciocínio, a coordenadora da
Educação Infantil do Colégio Positivo, professora Kaline Mazur, explica que a
criança que fica diante de uma tela recebe uma quantidade enorme de estímulos
que dificilmente podem ser igualados por outras atividades. "É exatamente
por isso que as telas criam facilmente uma dependência. Elas oferecem tantos
estímulos que nenhuma outra atividade consegue competir. A produção de dopamina
no cérebro de uma criança quando ela está em frente à tela atinge o ápice.
Quando a criança sai da frente da tela, é difícil alcançar esse mesmo nível de
dopamina em alguma outra prática. A partir daí, a criança passa a achar tudo
menos interessante, fica desestimulada, com dificuldade de concentração e
frequentemente ansiosa ou irritada. A tela proporciona um prazer que se
torna difícil de comparar com outras atividades. Por exemplo, você convida a
criança para jogar bola, e ela não quer, acha chato", alerta Kaline.
Ansiedade e excesso de
frustração
Kaline explica ainda que esse excesso de estímulos
pode gerar ansiedade e frustração na criança: "Há tanta cor, música e ação
na tela que quando a criança se afasta, ela quer que o mundo real se movimente
na mesma velocidade e com a mesma intensidade de estímulos quanto o mundo
virtual. Por exemplo, se a criança está assistindo a um desenho e, de repente, sai
da frente da televisão e encontra um móbile ou algum outro brinquedo no quarto,
ela percebe que esse brinquedo não oferece a mesma quantidade de estímulos que
o desenho da televisão. Essa mudança gera frustração e ansiedade. A criança
ainda não é capaz de diferenciar o mundo real do digital, o que sempre resulta
em expectativas irreais na cabecinha dos pequenos".
Socialização comprometida
A partir de experiências e observações no ambiente
escolar, Karoline também destaca a diferença na capacidade de socialização
entre crianças que fazem pouco ou nenhum contato com telas e aquelas que estão
expostas a equipamentos eletrônicos com frequência. "As crianças que
passam mais tempo diante das telas acabam tendo mais dificuldades em situações
sociais. Elas podem não saber como lidar com seus pares, apresentando
dificuldade em iniciar conversas e realizar as interações e trocas sociais tão
comuns para a idade. Muitas vezes, essas crianças tornam-se mais inibidas e
isoladas, o que certamente compromete sua socialização atual e, provavelmente,
no futuro. Isso prejudica até mesmo sua participação em sala de aula",
alerta a psicóloga. No caso dos adolescentes, a situação se agrava ainda mais,
já que muitos levam seus smartphones para a escola e se isolam
dos colegas, sem demonstrar interesse pela interação.
Prejuízos para o sono
O uso prolongado e sem limites de celulares,
tablets e outros dispositivos eletrônicos impacta não apenas as questões
emocionais como também fatores diretamente ligados ao bem-estar e à saúde.
"É muito comum tomarmos conhecimento de casos nos quais crianças ou
adolescentes excedem o tempo de tela, comprometendo momentos importantes de sua
rotina, como o período de descanso. Por exemplo, uma criança que estuda de
manhã, tem que acordar cedo para ir à escola. Se os pais não controlam o tempo
que essa criança - ou adolescente - passa no celular e permitem que ela use o
dispositivo até tarde, o sono e o descanso são reduzidos, resultando em
prejuízos para a saúde e também para o desempenho pedagógico. A criança pode
chegar à escola cansada, com sono e sem condições de render pedagogicamente o
esperado para a idade. Isso sem falar na irritabilidade, que é tão comum em
crianças que não dormem as horas mínimas recomendadas", completa Karoline.
Imediatismo exacerbado
O consumo de conteúdo sob demanda, a qualquer
momento e lugar, com apenas um clique, sem precisar esperar até o dia seguinte
para assistir ao próximo episódio do desenho favorito, está tornando as
crianças de hoje acostumadas com a realização de seus desejos num ritmo
acelerado. Kaline explica que esse imediatismo, que se tornou característico
das novas gerações, acaba tornando-as mais impacientes e irritadas. "A
criança ainda está em processo de desenvolvimento, ainda está estabelecendo
suas conexões neurais, e ela não sabe ao certo como lidar com a frustração de
não conseguir imediatamente o que deseja. Isso pode levar a choros e birras
quando ela não pode assistir ao desenho ou jogar no celular no exato momento em
que quer. E, caso o conteúdo consumido não esteja agradando, ela já se
acostumou a trocar rapidamente de conteúdo ou atração com um simples toque, até
encontrar algo que a agrade novamente. Essa impaciência tem impactos negativos
na formação e desenvolvimento da criança", completa a coordenadora.
Desenvolvimento motor
prejudicado
Acostumadas com telas sensíveis ao toque ou com
botões que respondem a um simples pressionar, as crianças atualmente estão cada
vez menos engajadas em atividades que favoreçam o desenvolvimento motor de
forma plena. "Hoje em dia, tudo é touch, as crianças brincam cada vez
menos com massinhas, construção de objetos, desenho e pintura, e até mesmo a
escrita manual está se tornando menos comum devido ao uso de computadores e
teclados digitais. Isso, sem dúvida, impacta a construção da percepção espacial
e o desenvolvimento motor das crianças. Se compararmos desenhos de uma criança
de 5 anos que não usa telas com os de outra criança que passa muito tempo
diante delas, a diferença é evidente", afirma Kaline.
Karoline Keller e Kaline Mazur - convidadas do 13.º
episódio da temporada “Conexões”, do Posicast, um podcast produzido pelos
colégios do Grupo Positivo. O tema deste episódio é Os impactos do superestímulo
na infância e na adolescência. Todos os episódios estão disponíveis
no YouTube do colégio (https://www.youtube.com/@colegiopositivo).
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