O tema, que está na programação do XXVII Congresso da ABEAD, vai reunir pesquisadores nacionais e internacionais para o debate
A expansão das drogas sintéticas é, hoje, uma das
maiores preocupações mundiais na área da saúde. Com efeitos muito mais potentes
que as drogas “naturais”, elas são rápidas, baratas e fáceis de produzir,
porém, mais difíceis de combater e tratar. O rastreamento da composição dos
sintéticos, que está sendo feito em laboratório, no Brasil, é a informação mais
aguardada atualmente pelos profissionais que atuam na área de transtornos por
substâncias psicoativas no país.
Os canabinoides sintéticos, também conhecidos como
“drogas K” - “K2, K4, K9” ou “Spice” -, são potentes agonistas
(moléculas que podem se ligar e ativar um receptor para induzir uma reação
biológica) dos receptores canabinoides no cérebro. No geral, o mecanismo de
ação e os efeitos adversos das drogas sintéticas são semelhantes às drogas
tradicionais de abuso.
No Brasil, a coordenadora do Levantamento de Cenas
de Uso em Capitais (Lecuca) da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), Clarice Sandi Madruga, é um dos profissionais que aguardam
ansiosamente a conclusão do rastreamento de substâncias. A expectativa dela é
divulgar os dados inéditos no XXVII Congresso da ABEAD, que acontece de 03 a 06
de setembro, em São Paulo.
“A avaliação dos canabinoides do K9 ainda está no laboratório. Os dados de Fortaleza, Brasília e São Paulo vão ser liberados em breve e eu gostaria de apresentar em primeira mão, no Congresso da ABEAD, mas não depende de mim. É um trabalho técnico do laboratório para conseguir validar os padrões dessas novas drogas que até agora não foram identificados. Estamos esperando há mais de seis meses”, explica Clarice Madruga.
O Lecuca monitora, desde 2016, as
cenas de uso em São Paulo. Há sete anos, o estudo das dimensões e do perfil dos
frequentadores foi feito na Cena de Uso da Luz, região que, até então, tinha a
maior concentração de dependentes, e, em 2022, acompanhou a movimentação na
Praça Princesa Isabel, antes da dispersão para outros pontos da capital
paulista. O último Lecuca, que compreende os anos de
2021 e 2022, foi ampliado para Recife (PE) e Brasília (DF).
NBome: mais potente que LSD
Os efeitos de drogas sintéticas como o NBome
(N-Benzilfenetilaminas), alucinógena derivada do grupo da fenetilamina,
assustam a população dos grandes centros do Brasil, principalmente, na cidade
de São Paulo.
Os dependentes químicos que antes se concentravam
em um só local, conhecido como Cracolândia, hoje se espalham por vários pontos
da cidade e transitam sob o efeito da droga como se fossem “zumbis”, definição
de quem assiste a cenas impressionantes de degradação do ser humano.
A psiquiatra e escritora Fernanda de Paula Ramos
explica que as drogas NBome têm efeitos similares ao LSD,
sigla de dietilamida do ácido lisérgico, que tem ação estimulante e
alucinógena. “No entanto, sua potência é cerca de 10 vezes maior do que a do
LSD, sendo, portanto, mais tóxico. Os quadros de intoxicação são, geralmente,
mais graves”, destaca a psiquiatra, uma das especialistas que vão participar do Congresso da ABEAD.
Fernanda Ramos ressalta que a droga sintética age
por um período de 3h a 13h. “O consumo de NBome pode gerar alucinações,
agitação psicomotora, comportamento violento, convulsões, pressão alta, coma e
até morte. Não há ainda tratamentos específicos para a dependência dessa
droga”, alerta.
O consumo tem sido crescente desde 2013 e, de
acordo com o levantamento da UNODC (Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), publicado em junho deste ano, o grupo
das fenetilaminas foi o segundo maior grupo de consumo entre as novas
substâncias psicoativas. “Ficou atrás apenas dos canabinoides sintéticos”,
aponta.
CONSUMO MUNDIAL
Os dados do Relatório Mundial sobre Drogas
registram que o número acumulado de novas substâncias psicoativas identificadas
nos últimos 15 anos atingiu 1.165 substâncias em 2021 e, segundo dados
preliminares, 1.184 substâncias em 2022. Das 618 substâncias relatadas para
estar no mercado global em 2021, 87 foram recentemente identificadas.
Mais de 296 milhões de pessoas usaram drogas, em
2021, um aumento de 23% em relação à década anterior. Já o número de pessoas
que sofrem de Transtornos por Uso de Substâncias (TUS), enquanto isso, disparou
para 39,5 milhões, um aumento de 45% em 10 anos.
Ainda de acordo com o relatório, “a produção de
baixo custo, fácil e rápida de drogas sintéticas transformou radicalmente
muitos mercados de drogas ilícitas. Os grupos criminosos que produzem
metanfetamina - a droga sintética fabricada ilegalmente mais difundida do mundo
- estão tentando descumprir as leis e as respostas regulatórias por meio de
novas rotas de produção, bases de operação e precursores não controlados”.
ALUCINÓGENOS POTENTES NO
CONGRESSO ABEAD
A psiquiatra Fernanda de Paula Ramos apresentará, no congresso, o tema NOVOS
ALUCINÓGENOS POTENTES DA FARMACOLOGIA, MÉTODOS ANALÍTICOS, TOXICIDADES,
FATALIDADES”
A coordenadora do Lecuca, Clarice Madruga, além dos
dados do estudo vai apresentar dados sobre a EPIDEMIOLOGIA DE DROGAS E
GÊNERO: PERSPECTIVA NACIONAL E MUNDIAL EM DADOS E INFORMAÇÕES.
Segundo a doutora em psiquiatria, as mulheres são mais vulneráveis e, além da
dependência química, estão mais sujeitas às doenças mentais.
“Em uma cena de uso, as mulheres têm mais chances
de estarem expostas a todos os fatores de riscos. Elas sempre estão em uma
situação pior do que a dos homens, têm mais transtornos comórbidos, mais
indicação de quadro psicótico, suicídio, tentativa de suicídio, além de doenças
infecto contagiosas”, ressalta Madruga que vai apresentar números exclusivos para
compreender o perfil das mulheres nas cenas de uso.
O XXVII Congresso da ABEAD será realizado no Centro
de Convenções Rebouças, em São Paulo, capital. A cerimônia de abertura e
palestra magna acontecem na segunda-feira (04/09), a partir das 19h.
No total, no Congresso da ABEAD serão realizadas
176 palestras com profissionais especialistas e renomados de várias regiões do
Brasil, referências dos setores público e privado, universidades, organizações
não governamentais, organizações de assistência social, do direito, da educação
e de saúde. Participam também palestrantes de organizações internacionais dos
Estados Unidos, Canadá, Portugal, Argentina, México e Chile.
SOBRE A ABEAD
Com sede em Porto Alegre (RS), a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) reúne psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, advogados, líderes comunitários, conselheiros, professores, entre outros profissionais, que trabalham com Transtornos por uso de substâncias e dependências comportamentais no Brasil e no exterior.
Criada oficialmente em 1989, a preocupação dos profissionais da área da saúde em relação ao álcool surgiu no final dos anos 1970, em São Paulo, como um grupo interdisciplinar. Já no início da década de 1980 realizou o primeiro encontro nacional e, em seguida, ampliou o foco de estudos para outras drogas e as dependências comportamentais. Hoje a ABEAD é referência na discussão e implementação de políticas de prevenção e tratamento do uso de drogas no Brasil e na América Latina. O Congresso, maior evento da associação, é realizado a cada dois anos.
https://abead.com.br/site
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