Psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD)
Nas últimas semanas, os noticiários deram conta de
novos episódios de depredação de ônibus, pagamento de pedágio para as pessoas
transitarem pelo local e reiteradas e sistemáticas cenas de violência na região
da Cracolândia, no centro de São Paulo. No entanto, os avanços quase diários
das Polícias e órgãos públicos não conseguem conter a retomada do espaço e
muito menos trazer a normalidade que a população espera.
Será preciso mais que ação policial para coibir a
Cracolândia. As cenas abertas de uso de drogas representam importantes desafios
para profissionais de saúde, gestores e formuladores de políticas públicas,
especialmente em países de baixa e média renda. No entanto, essas cenas abertas
também podem ser encontradas na maioria das grandes cidades da Europa assim
como na América do Norte: a Downtown Eastside de Vancouver abriga a maior cena
aberta de consumo drogas do Canadá.
Parece haver forças que mantêm essas comunidades
unidas, independentemente das substâncias usadas, causando problemas de ordem
pública, levando ao recrutamento de e marginalização de jovens para consumo ou
venda de drogas e induzindo a sensação crescente da população de sentimento de
insegurança.
De acordo com dados da Associação Brasileira de
Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD), a Cracolândia de São Paulo é a mais antiga
(1989) e a mais densamente povoada, com 500 moradores e mais de 2.000
visitantes regulares. São praticamente 33 anos de existência e, apesar de
várias estratégias utilizadas ao longo deste período, segue resistindo. O
Brasil tem o maior mercado de crack do mundo já que mais de 1 milhão de brasileiros
consomem esta droga. Existem 370 mil usuários regulares de crack vivendo nas 26
capitais e no Distrito Federal e, aproximadamente, 80% deles usam drogas em
locais públicos.
Embora alguns estudos internacionais tenham
descrito várias maneiras de gerenciar cenas abertas de drogas, como aplicação
da lei e intervenções sociais, há conhecimento limitado sobre os facilitadores
e barreiras que promovem ou impedem a implementação de tais intervenções. Os
estudos em cenas abertas mostram que os usuários de drogas tendem a se unir
como um grupo e resistirem ao que chamam de ‘pessoas normais’ que passam, assim
como demonstram a importância de compartilhar drogas e serviços e aderir às
regras de conduta criadas nos locais.
A experiência de estar à margem da sociedade e a
necessidade de ocultar algumas de suas atividades promovem criação de regras e
rituais próprios para quem consome drogas em cenas abertas. Essas regras e
rituais podem ser considerados como ‘rituais de interação’. Eles fornecem aos
participantes os símbolos de associação ao grupo, energia emocional e
solidariedade grupal. Isso torna difícil sair de cena e pode explicar por que
aqueles que o fazem voltam com frequência.
Para aumentar a possibilidade de implementação
bem-sucedida de intervenções para combater o tráfico aberto de drogas,
políticos e autoridades devem prestar atenção à colaboração entre atores-chave,
alocação de recursos suficientes, possível modificação da política que rege os
deveres profissionais e fornecimento de medicamentos para a vulnerabilidade de
indivíduos sem residência que circulam nestes locais. Além disso, instalações
de tratamento suficientes devem ser fornecidas quando atividades de aplicação
da lei contra as cenas de drogas abertas forem planejadas.
Porém, a falta de políticas públicas para o
tratamento da saúde mental e drogadição no país é um dos grandes gargalos
apontados pela ABEAD. Sem recursos, os serviços, na maioria dos Estados, estão
sucateados.
As políticas públicas de saúde mental no Brasil
seguem tendo um subfinanciamento. E, sem saúde mental, não há saúde. Os
serviços que não estão sucateados na área, estão respirando por meio de bombas
de oxigênio para tentar sobreviver com o baixo repasse de verbas.
Outro fator que afeta o setor é a fragilidade das
ações em andamento diante das mudanças na gestão do setor. Temos uma certa
instabilidade, por vezes, das políticas de Estado que não têm garantia de
continuidade a cada novo governo que entra.
De modo geral, a rede de atenção psicossocial que
dá suporte ao tratamento carece de organização. Embora o trabalho exista em
determinados territórios deste imenso Brasil, a rede de atenção psicossocial
ainda é frágil e muitas vezes desunida.
O XXVII Congresso Brasileiro da ABEAD,
de acontece de 03 a 06 de setembro, em São Paulo, tem, entre os desafios,
ampliar a oferta de boas práticas clínicas com base em evidências por equipes
qualificadas. Existe uma carência imensa de treinamento em adições no nosso
país. Precisamos garantir acesso mais rápido a cuidados, consultas
ambulatoriais e leitos para uma demanda de pacientes cada vez mais crescente.
Alessandra
Diehl
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