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terça-feira, 15 de agosto de 2023

Cracolândia: a maior cena aberta de consumo de drogas do Brasil resiste e quem poderá resolver essa situação?

Psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD)

 

Nas últimas semanas, os noticiários deram conta de novos episódios de depredação de ônibus, pagamento de pedágio para as pessoas transitarem pelo local e reiteradas e sistemáticas cenas de violência na região da Cracolândia, no centro de São Paulo. No entanto, os avanços quase diários das Polícias e órgãos públicos não conseguem conter a retomada do espaço e muito menos trazer a normalidade que a população espera.

Será preciso mais que ação policial para coibir a Cracolândia. As cenas abertas de uso de drogas representam importantes desafios para profissionais de saúde, gestores e formuladores de políticas públicas, especialmente em países de baixa e média renda. No entanto, essas cenas abertas também podem ser encontradas na maioria das grandes cidades da Europa assim como na América do Norte: a Downtown Eastside de Vancouver abriga a maior cena aberta de consumo drogas do Canadá.

Parece haver forças que mantêm essas comunidades unidas, independentemente das substâncias usadas, causando problemas de ordem pública, levando ao recrutamento de e marginalização de jovens para consumo ou venda de drogas e induzindo a sensação crescente da população de sentimento de insegurança.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD), a Cracolândia de São Paulo é a mais antiga (1989) e a mais densamente povoada, com 500 moradores e mais de 2.000 visitantes regulares. São praticamente 33 anos de existência e, apesar de várias estratégias utilizadas ao longo deste período, segue resistindo. O Brasil tem o maior mercado de crack do mundo já que mais de 1 milhão de brasileiros consomem esta droga. Existem 370 mil usuários regulares de crack vivendo nas 26 capitais e no Distrito Federal e, aproximadamente, 80% deles usam drogas em locais públicos.

Embora alguns estudos internacionais tenham descrito várias maneiras de gerenciar cenas abertas de drogas, como aplicação da lei e intervenções sociais, há conhecimento limitado sobre os facilitadores e barreiras que promovem ou impedem a implementação de tais intervenções. Os estudos em cenas abertas mostram que os usuários de drogas tendem a se unir como um grupo e resistirem ao que chamam de ‘pessoas normais’ que passam, assim como demonstram a importância de compartilhar drogas e serviços e aderir às regras de conduta criadas nos locais.

A experiência de estar à margem da sociedade e a necessidade de ocultar algumas de suas atividades promovem criação de regras e rituais próprios para quem consome drogas em cenas abertas. Essas regras e rituais podem ser considerados como ‘rituais de interação’. Eles fornecem aos participantes os símbolos de associação ao grupo, energia emocional e solidariedade grupal. Isso torna difícil sair de cena e pode explicar por que aqueles que o fazem voltam com frequência. 

Para aumentar a possibilidade de implementação bem-sucedida de intervenções para combater o tráfico aberto de drogas, políticos e autoridades devem prestar atenção à colaboração entre atores-chave, alocação de recursos suficientes, possível modificação da política que rege os deveres profissionais e fornecimento de medicamentos para a vulnerabilidade de indivíduos sem residência que circulam nestes locais. Além disso, instalações de tratamento suficientes devem ser fornecidas quando atividades de aplicação da lei contra as cenas de drogas abertas forem planejadas.

Porém, a falta de políticas públicas para o tratamento da saúde mental e drogadição no país é um dos grandes gargalos apontados pela ABEAD. Sem recursos, os serviços, na maioria dos Estados, estão sucateados.                                                                                                                            

As políticas públicas de saúde mental no Brasil seguem tendo um subfinanciamento. E, sem saúde mental, não há saúde. Os serviços que não estão sucateados na área, estão respirando por meio de bombas de oxigênio para tentar sobreviver com o baixo repasse de verbas.

Outro fator que afeta o setor é a fragilidade das ações em andamento diante das mudanças na gestão do setor. Temos uma certa instabilidade, por vezes, das políticas de Estado que não têm garantia de continuidade a cada novo governo que entra.                                          

De modo geral, a rede de atenção psicossocial que dá suporte ao tratamento carece de organização. Embora o trabalho exista em determinados territórios deste imenso Brasil, a rede de atenção psicossocial ainda é frágil e muitas vezes desunida.

O XXVII Congresso Brasileiro da ABEAD,  de acontece de 03 a 06 de setembro, em São Paulo, tem, entre os desafios, ampliar a oferta de boas práticas clínicas com base em evidências por equipes qualificadas. Existe uma carência imensa de treinamento em adições no nosso país. Precisamos garantir acesso mais rápido a cuidados, consultas ambulatoriais e leitos para uma demanda de pacientes cada vez mais crescente.

 

Alessandra Diehl


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