Sempre que um caso de grande repercussão ganha espaço na mídia e chama a atenção da sociedade, analiso como o desdobramento dos acontecimentos pode contribuir de alguma forma para aprimorar leis, respaldar as vítimas, garantir punição exemplar e dentro dos limites da legalidade, e até evitar condenação de inocentes - que na minha opinião é o que de pior pode acontecer no mundo jurídico. E é exatamente o que faço nos últimos dias em meio aos trâmites jurídicos que envolvem a prisão do jogador Daniel Alves, na Espanha, e a acusação de estupro que o mundo acompanha.
Penso que episódios polêmicos sempre podem
contribuir para uma reflexão e até mesmo como divisor de águas, pois eles
acabam fomentando a proposição de novas leis e códigos de conduta em situações
correlatas. E, nesse quesito, a Espanha está dando uma lição, especialmente ao
Brasil. Me refiro ao "protocolo de atuação" seguido
pelos funcionários da casa noturna e pelos demais envolvidos desde o momento da
denúncia feita pela (suposta) vítima.
Nos últimos sete anos, depois que manifestações
tomaram todo o país em razão do polêmico caso de estupro apelidado de "La
Manada", a Espanha alterou partes de sua legislação com a aprovação da Lei
de Garantia Integral da Liberdade Sexual, também conhecida como Lei do "só o sim é
sim".
Essas mudanças facilitaram o desencadeamento de uma
série de medidas protocolares para agir, investigar e punir com rigor quem
comete crimes sexuais. E Barcelona, cidade das suspeitas que recaem sobre
Daniel Alves, foi além. O município catalão criou em 2018 um protocolo de
atendimento, garantia e segurança batizado de “No calem” (não se
cale), que consiste em um conjunto de regras de conduta que devem ser adotadas
por funcionários de bares, casas noturnas, autoridades, médicos e demais envolvidos
no atendimento imediato à vítima do crime sexual, logo após ela relatar a
agressão sofrida.
De todo o protocolo, o que mais chama a atenção, já
de início, é que ele é um protocolo de adesão, o que demonstra engajamento e
consciência por parte dos donos e funcionários dos estabelecimentos locais.
Outro ponto importante é o cuidado com o atendimento, proteção e isolamento
imediato da vítima e do autor, sem qualquer tipo de comentário ou
prejulgamento, seja em relação ao fato, seja sobre as narrativas ou até acerca
da relação de ambos. Por isso está dando tão certo: pois não há imposição do
Estado e há respeito integral do direito dos envolvidos. Diferentemente do que
vez ou outra acontece aqui no Brasil, pois basta lembrarmos de emblemático caso
ocorrido em Santa Cataria há alguns anos, no qual o "estupro culposo"
praticado contra a vítima acabou por gerar a absolvição de seu suposto algoz.
De tão acertado, o protocolo criado em Barcelona já
se espalhou por grande parte da Catalunha e também está sendo adotado na
capital Madri. E o Brasil não deve ficar para trás. Tem que rapidamente buscar
formas de copiar e viabilizar esse tipo de mecanismo, que facilita não apenas a
punição de possíveis culpados, como garante que inocentes e vítimas sejam
preservados de acusações falsas e ataques desconfiados e preconceituosos. Para
mim, a Justiça só se concretiza se isso for garantido.
Ponto positivo a se destacar: ao que parece temos
um ou dois legisladores brasileiros que já estão manifestando publicamente a
intenção de apresentar projetos de lei com o tema. Mas resta saber se isso
realmente vai acontecer ou se será apenas mais uma das muitas "caronas de
momento" que depois acabam esquecidas em uma gaveta qualquer.
É preciso celeridade. Espero que a criação e
utilização de um protocolo de instruções e procedimentos a ser seguido após um
apelo por socorro de uma vítima de crime sexual tenha, pelo menos desta vez,
diante de toda a repercussão midiática, prioridade nas discussões legislativas
e governamentais de 2023, e não se arraste por anos, como ocorre com o projeto
que objetiva tornar a pedofilia crime hediondo, em discussão há quase uma
década no Congresso Nacional.
Leonardo Watermann – advogado
e sócio fundador do escritório Watermann Sociedade de Advogados
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