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terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Crianças e telas: tempo deve ser limitado a uma hora por dia e evitar sedentarismo

Exposição sedentária às telas piora as funções executivas das crianças, como lembrar, prestar atenção, regular emoções e comportamentos, além de atrasar a fala e deixar pais estressados

 

“Eu sei que errei e acabei liberando muito cedo o uso das telas”. Essa é a frase dos pais modernos que mais tem se repetido no consultório da fonoaudióloga e diretora da BabyKids Especialidades, Daniella Sales Brom. Ela tem recebido casais cada vez mais pais preocupados com o desenvolvimento das crianças e, alerta que, o tempo de tela pode ser um dos vilões para que as crianças demorem a desenvolver a fala e outras habilidades cruciais para o seu desenvolvimento. 

Muitos estudos já mostravam o impacto negativo do uso excessivo de eletrônicos e da falta de atividades físicas e ao ar livre. Mas, um artigo publicado no “The Journal of Pediatrics” provou que crianças pequenas fisicamente ativas que passam, no máximo, uma hora por dia em frente às telas têm melhor desempenho em funções como memória, atenção e controle das emoções. A pesquisa avaliou a influência desses fatores no desenvolvimento das “funções executivas” (capacidade de memória, planejamento, atenção, regulação de pensamentos, comportamentos e emoções). 

“O momento das refeições é quando os pais mais corridos usam muito as telas porque a criança come mais rápido e sem reclamar porque não presta atenção. Mas isso impacta diretamente no desenvolvimento da fala, no desempenho da fluência e na intenção do diálogo. A comunicação é uma via de mão dupla, mas com telas acaba sendo uma via de mão única e, quando a criança não desenvolve de maneira adequada essas habilidades de comunicação, interação social e das funções executivas na infância, pode ter impactos nas próximas fases da vida”, explica Daniella.

 

Crianças mais sedentárias e pais mais estressados 

A grande exposição das crianças às telas também inclui maior exposição aos anúncios de brinquedos e outros produtos de consumo, causando maior frequência de pedidos das crianças e negativa dos pais, que acabam se sentindo frustrados. Um estudo feito na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, mostrou que quanto maior o tempo de exposição dos filhos às telas, mais irritados eram os pais. 

“Apesar de dar um pouco de descanso para os pais, o momento em que a criança está em frente às telas inclui um bombardeio sensorial com o barulho dos vídeos e a superestimulação de compra. Outra coisa que causa ansiedade e irritação nos pais é saber que precisam deixar a criança com o celular, ter que abrir mão de assistir noticiários ou outras coisas para deixar a criança assistir algo na TV em troca de momentos para si. Com mais tarefas em casa, e com pais mais envolvidos na educação das crianças, o estresse realmente aumenta”, finaliza Daniella.

 

João Lucas, autista de 4 anos, está sem telas 

Na casa do João Lucas, de 4 anos, os pais aceitaram o desafio de retirar as telas no final de 2022. Diagnosticado com autismo aos 2 anos, no meio da pandemia, ele sempre gostou de assistir desenhos e as telas eram aliadas para distrai-lo, enquanto o pai trabalhava e a mãe cuidava de tudo em casa. “O João Lucas sempre foi uma criança muito esperta, muito ativa, aliás hiperativa, e desde muito novo a gente colocava ele para assistir televisão, assistir desenhos e tudo. Como eu não tinha ninguém em casa para me ajudar, ele acabava ficando o tempo todo em frente à televisão”, explica a mãe Fabíola Costa. 

A primeira tentativa durou 15 dias e foi um desafio para os pais. Segundo Fabíola, sempre que o filho tinha uma crise de ansiedade ou se desregulava, eles acabavam cedendo. A essa altura, ele já estava na escola e iniciado a terapia, então o tempo de tela era menor, mas ainda em excesso. E, no final do ano passado, os pais decidiram se manter firmes e tirar o celular do pequeno, o que exigia também disciplina para ficarem longe do celular e dar exemplo. 

“Na primeira semana foi muito difícil porque ele buscava o celular nos bolsos porque a gente não tinha celular à vista, mas aos poucos ele foi entendendo que não podia e a gente não deixava nenhum pouquinho porque ele poderia não entender isso. Já estamos completando quase três meses sem telas de celular e só deixamos ele ficar entre 20 e 30 minutos na TV na hora do almoço e do jantar vendo um desenho que ele gosta muito”, conta Fabíola. 

A mãe diz que os benefícios foram enormes e João Lucas hoje não pede e nem pega mais os celulares, mesmo ao alcance dele e é uma criança completamente diferente. “Ele faz muito mais contato visual com todo mundo, presta mais atenção, está bem mais fora do espectro do que antes. Ele não se interessava por quase nada. Era sempre o mesmo brinquedo, não gostava de escrever ou desenhar, não prestava atenção na hora da história na escola. E hoje ele consegue se concentrar, assistir, entender e rir das histórias. Não tenho nem como explicar. Quando o médico neuropediatra falou para tirar a tela a gente resiste porque acha muito difícil, e realmente é, mas vale muito a pena. Tudo que eu percebi de mudanças nele foram apenas coisas boas. Se os pais soubessem de tudo isso não deixariam as crianças nas telas, ou deixariam menos, com horários combinados”, pontua Fabíola.

 

Como equilibrar o uso das telas na prática? 

Segundo orientações da Academia Americana de Pediatria, bebês com menos de dois anos não deveriam ter acesso aos eletrônicos (TVs, telas ou jogos de videogames e computadores); entre dois e cinco anos o tempo máximo de telas deve ser uma hora por dia, minimizando o uso deles sempre que possível. O prejuízo causado pelos joguinhos são frustração, irritabilidade e agitação e O vício nas telas também causa maior disposição à problemas de atenção e hiperatividade, sono, baixo rendimento escolar, obesidade e dificuldade de interação social. Nem os desenhos animados “educativos” têm benefícios para ganho de habilidades cognitivas e de linguagem. 

Em seus atendimentos, o que Daniella sugere para as famílias - principalmente crianças atípicas ou com interesse restrito, que ficam mais tempo ainda nas telas ou com dificuldades de interação ou comunicação - é que os pais criem um quadro de rotina com hora marcada. “As telas podem estar incluídas, mas é preciso outras atividades, como ler um livro ou brincar juntos. A família é que dá o exemplo. Então, quanto mais tempo os pais ficam no celular, mais eles dão a oportunidade para que essa criança também queira ficar”, explica a fonoaudióloga. 

Outro ponto bem interessante levantado por Daniella é que a criança gosta de viver no mundo real o que ela vive nas telas. “Se ela assiste alguma coisa sobre fazer bichinhos com massinha, tente fazer essa atividade com massinha com ela, envolva seu filho nas atividades de vida diária (AVDs), como o preparo de um bolo, leve a criança para a cozinha para que ela ajude nisso. Assim, a criança vai se acostumando a ter essa rotina fora das telas. Além disso, é sempre interessante incluir atividades físicas para ganho de habilidades motoras, além de estimular a interação social, melhorar o bem-estar, atividades de concentração e de relaxamento”, finaliza Daniella.


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