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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

As perguntas sem repostas sobre o caso Americanas

O caso Americanas pode ser considerado um divisor de águas no mercado brasileiro. Já tivemos outros escândalos corporativos, mas não desta magnitude e com tantas perguntas ainda sem respostas. Estamos diante de uma caixa de pandora, onde tudo pode aparecer dependendo do resultado das investigações, principalmente da apuração da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Os principais credores, bancos, entraram com diversas ações tentando bloquear créditos ou, então, tentar a antecipação de provas. A Americanas criou um comitê independente, que do ponto de vista ético, pode ser questionável, afinal milhões de reais estão sendo gastos para pagar os honorários dos membros e escritórios contratados, enquanto a Americanas pede na Justiça para não ter a luz, energia e internet cortadas por falta de pagamento, além dos aluguéis, que não tem sido efetuado os pagamentos, e as demissões dos terceirizados, que também é uma realidade, e isto tudo aparenta ser apenas o começo.

Aparentemente, a Americanas está tentando de todas as formas jurídicas proteger seus acionistas de referência. Por qual motivo? As respostas podem ser diversas, entretanto, como a cultura do grupo do qual estes acionistas atuam diz: lucro em primeiro lugar. Então, podemos inferir, e não afirmar, que a resposta seria proteger o patrimônio bilionário destes três senhores, que eram considerados referência no mundo dos negócios, empreendedores brasileiros que ganharam o mundo.

Uma das empresas do grupo, já sofreu uma penalização por inconsistências contábeis nos EUA, a organização teve que pagar uma indenização considerável para a SEC. Agora, de repente, o mesmo acontece no Brasil. Como uma inconsistência contábil não foi verificada nos últimos 10 anos? Como uma empresa que fala tanto em ESG não focou em uma governança efetiva mantendo um presidente por 20 anos? A alternância na presidência ajuda, e muito, a evitar situações com a que está acontecendo agora.

A Americanas conseguiu a recuperação judicial, mas será que de fato querem manter a empresa ativa? Existem muitas dúvidas em relação a isso. Os altos executivos, que recebiam como bonificação ações da empresa, venderam suas ações antes do escândalo, o que gerou um processo de insider trading contra a Americanas, pois acionistas de referência receberam, ao longo de 10 anos, seus dividendos que eram irreais devido as inconsistências contábeis. E agora?

Agora, temos colaboradores desempregados, e outros que estão com medo de perder seus empregos; fornecedores que não estão sendo pagos; taxas e tributos em atraso; bancos que acreditaram nos semideuses do capitalismo e emprestaram dinheiro para a Americanas, agora e estão desesperados em recuperar os valores; o mercado de varejo em descredito; e ainda veremos a economia ser afetada, porque, aparentemente, a governança não funcionou na Americanas.

Muitos condenam a CVM por não ter fiscalizado a Americanas anteriormente, mas poucos sabem que esta autarquia sofreu um processo de esvaziamento e falta de orçamento no último governo, ou seja, se o Brasil quer um órgão regulatório forte, o mesmo tem que ter estrutura e investimentos para poder atuar.

Podemos apontar vários culpados individualmente, entretanto, a responsabilidade, pensando em um capitalismo de stakeholders, podemos considerar que seria dos acionistas de referência, que desde o início de sua atuação como empresários se esqueceram da máxima da Constituição Federal, toda a empresa tem uma função social. Não que o lucro seja algo errado ou condenável, mas, não basta dar lucro, é essencial perguntar como o lucro ou as metas foram atingidas. Por ação ou omissão, as responsabilidades e penalizações existem, e devem ser aplicadas.


Patricia Punder - advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020. Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil). www.punder.adv.br

 

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