Cachorros que passeiam diariamente com seus donos são menos agressivos.
Cães cujas tutoras são mulheres supostamente latem menos para estranhos. Já os
caninos mais pesados tendem a ser menos insolentes com seus donos do que os
peso-leves. Pugs, buldogues, shih-tzus e outros animais com o focinho encurtado
podem ser mais afrontosos com humanos do que os cachorros de focinho médio e
longo, como é o caso do golden retriever e do popular vira-lata caramelo.
Foi o que mostrou um estudo feito por pesquisadores da Universidade de
São Paulo (USP) com 665 cães de estimação de diferentes raças, inclusive
vira-latas (sem raça definida). Na pesquisa, publicada na
revista Applied Animal Behaviour Science, foram relacionados
fatores morfológicos, ambientais e sociais com perfis de agressividade dos cães
de estimação. O cruzamento de dados mostrou que não apenas condições como peso,
altura e tamanho do focinho estão associadas a maior ou menor incidência de
agressividade, como também questões relacionadas às histórias de vida dos
animais e às características do tutor.
De acordo com o artigo, os resultados confirmam a hipótese de que o
comportamento dos cachorros não é algo definido apenas pelo aprendizado, nem só
pela genética. Trata-se do efeito de uma interação constante com tudo o que
cerca a vida do animal. O estudo teve apoio da
FAPESP por meio de um projeto sobre a abordagem etológica da comunicação social
entre diversas espécies, entre elas a humana (leia mais: agencia.fapesp.br/37136/).
“Os resultados ressaltam algo que estamos estudando já há algum tempo: O
comportamento emerge da interação do animal com o seu contexto, ou seja, o
ambiente e o convívio com o tutor, por exemplo, além é claro da morfologia do
cachorro. Todos esses fatores têm impacto na forma como o cachorro interage com
o ambiente e também na maneira como a gente interage com ele”, explica Briseida de Resende,
professora do Instituto de Psicologia (IP-USP) e coautora do artigo.
No estudo, realizado durante a pandemia de COVID-19, 665 tutores de cães
responderam a três questionários on-line, que forneciam informações sobre
características do animal, seu ambiente, tutor e comportamentos agressivos,
como latir para estranhos e até atacar. Ao cruzar essas informações com o grau
de agressividade dos cães, os pesquisadores identificaram alguns padrões
interessantes. Os questionários foram desenvolvidos pela pesquisadora do
IP-USP Natália Albuquerque e
a professora Carine Savalli,
da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“Apenas o
gênero do tutor se mostrou um fator capaz de predizer o comportamento com
estranhos: a ausência de agressividade foi uma característica 73% mais
frequente entre os cães de mulheres”, conta Flávio Ayrosa, primeiro autor do
artigo.
O sexo do
animal também parece influenciar o grau de agressividade. “A chance de o animal
ser hostil com o dono foi 40% menor em fêmeas do que em machos”, diz o autor.
“Mas foi na comparação entre tamanho do focinho que encontramos uma diferença
mais significativa: as chances de agressividade contra o dono tendem a ser 79%
maiores em cães braquicefálicos [focinho achatado] do que nos mesocefálicos”,
afirma.
Por outro
lado, quanto mais pesado o cão, menor era a possibilidade de agressividade
contra seu tutor. Ao cruzar os dados, os pesquisadores identificaram que as
chances de agressividade diminuíram 3% para cada quilo extra de massa corporal.
Mas Ayrosa
ressalta que os achados associados ao perfil do tutor não são uma relação de
causa e efeito. “Encontramos uma relação, mas não é possível dizer o que vem
primeiro. O fator ‘passear com os cães’, por exemplo: pode ser que as pessoas
passeavam menos com os cachorros por eles serem animais agressivos, ou os
cachorros podem ter se tornado mais agressivos porque seus tutores não
passeavam com eles”, afirma.
"Características
como peso, altura, morfologia do crânio, sexo e idade influenciam a interação
entre os cães e seu ambiente. Isso pode fazer com que o animal passe mais tempo
em casa, por exemplo", completa.
Historicamente,
a agressividade dos cães tem sido associada única e exclusivamente à questão da
raça. Tal paradigma começou a mudar nos últimos dez anos, quando surgiram os
primeiros estudos que relacionavam perfis comportamentais com fatores como
idade do cão, sexo, questões metabólicas e diferenças hormonais. No Brasil, a
pesquisa coordenada pelo grupo do IP-USP foi a primeira a avaliar questões
morfológicas e comportamentais, entre elas a agressividade, em animais sem raça
definida.
“Só mais
recentemente os estudos passaram a investigar a influência de fatores
relacionados à morfologia, histórias de vida dos animais, características dos
tutores, origem [comprado ou adotado], como é o caso do nosso estudo”, diz
Ayrosa.
O artigo Relationships among morphological,
environmental, social factors and aggressive profiles in Brazilian pet dogs pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0168159122002246?via=ihub#gs2.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/historia-de-vida-do-cao-e-caracteristicas-do-tutor-influenciam-o-grau-de-agressividade-animal-diz-estudo/40286/
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