Os discursos
governamentais e a forma como as políticas são conduzidas podem afetar
emocionalmente uma parcela da população, podendo trazer danos irreparáveis
Existem muitos fatores que afetam a saúde mental
das pessoas e, cada vez mais, a polarização política acarreta danos aos
relacionamentos, chegando, por vezes, a ameaçar a liberdade do indivíduo.
Como a psicanálise vê este embate de lados
políticos? Quais são exatamente os desafios que trazem à saúde psíquica do
cidadão?
A psicanalista e publisher, Fernanda Zacharewicz,
da Aller Editora -
especializada em publicações de psicanálise - traz algumas obras que ajudam os
analistas e todos aqueles que se interessam pelo tratamento criado por Freud,
a entender como esses embates as afetam.
Psicanálise
e pandemia – Esta obra traz uma perspectiva bastante incomoda:
a da necropolítica. Antes mesmo da pandemia do COVID-19, o Brasil já mostrava
seus discursos de ódio, manifestações de preconceito e desrespeito com as
pessoas. As últimas eleições foram marcadas por esses temas, a aniquilação dos
diferentes e o descaso com minorias. E todas as falácias rancorosas,
evidenciadas na cultura do espetáculo das redes sociais, acabaram por estimular
o comportamento violento e furtar (pelo medo) o direito de as pessoas se
expressarem, o que para Freud é um caminho danoso para se trilhar dentro da
psique humana.
Diante dessa abordagem, Fernanda expõe que o
trabalho em uma análise trata justamente que o sujeito possa reconhecer sua
singularidade e como relacionar-se com os outros contando com esse seu traço
próprio. Estar inserido em uma sociedade onde a diferença é o incômodo, o que
deve ser apagado ou até mesmo destruído tanto profundos danos à saúde mental do
cidadão como também põe em risco sua integridade física ao incentivar discursos
de intolerância ou realocar verbas para projetos que apoiam o ódio à diferença.
Ensaios
sobre mortos-vivos – Políticas de empobrecimento, incentivo à
violência e à discriminação aumentam exponencialmente a sensação e insegurança
dos habitantes dos grandes centros urbanos. Neste livro, os autores apontam o
possível adormecimento do pensamento crítico dos cidadãos, tornando menos
penoso à existência no atual contexto histórico, mas, simultaneamente, há uma
automatização da própria vida. Vive-se pela metade, como morto-vivo. A partir
de um olhar ora político, ora psicanalítico, ora artístico, mas sempre
contextualizando sobre o simbólico dos corpos sem alma, os textos reunidos
esmiúçam o conceito de decomposição para revelar o que há de comportamento
zumbi nas relações humanas (ou desumanas).
Fernanda aponta que é parte inerente à vida humana
a construção de vínculos sociais criando uma comunidade na qual o sujeito possa
sentir-se seguro para descobrir e desenvolver suas habilidades. A incerteza
dessas condições, a permanente ameaça de violência e a exigência do mercado
capitalista por resultados cada vez mais inatingíveis pode prejudicar
fortemente a inserção do cidadão em sua sociedade. Essa marginalização pode ser
exemplificada pelos aglomerados humanos que foram grupos com regras próprias e
que se caracterizam pelo afastamento da vida pública, aqui podemos usar como
exemplos os grupos de usuários de drogas ou os suntuosos condomínios fechados
onde os economicamente mais privilegiados criam uma ficção de mundo ideal ao
murar-se de seu entorno.
Faces do
sexual – A discussão sobre as questões de gênero está
presente nas questões políticas de forma mais assídua nos últimos tempos. E a
psicanálise não pode ser furtar desse debate. Com artigos de
especialistas do mundo todo, esse livro discute sobre as identidades de gênero,
o tratamento que se deu a elas durante a história da psicanálise (desde o caso
Dora em Freud até o atendimento a candidatos à cirurgia de redesignação sexual)
dando espaço para que a sexualidade humana seja compreendida em suas diversas
expressões, abandonando a ideia do padrão heteronormativo. Com esse debate, a
própria psicanálise incentiva e abre espaço em sua comunidade para que essa
população encontre espaço de escuta livre de preconceitos.
A psicanalista ainda complementa que a sexualidade
é parte essencial da vida humana e compreender suas diversas expressões é
respeitar cada sujeito desde sua singularidade.
Ato
analítico e afirmação da vida – A postura de negação da existência do vírus da
COVID e a resistência em aderir às medidas de prevenção, de nosso governo
federal durante a pandemia contribuiu enormemente com milhares de mortes
ocorridas no país. Essa dura realidade traz à ordem do dia os temas ligados à
gestão da saúde pública. Essa obra traz uma coletânea de textos frutos de um
ano de debate entre psicanalistas sobre a importância decisiva de posicionar-se
desde uma ética em que a vida humana seja sempre prioridade. Retoma, ainda, a
perspectiva freudiana que aponta que a extrema fragilidade do momento vivido
“conduz a um doloroso cansaço do mundo e a uma rebelião contra o fato
constatado”. Todo este cenário, traz uma resposta neurótica; o ressentimento e
a culpabilização desenfreada do próximo.
Para finalizar, Fernanda ressalta a necessidade de
optar eticamente a cada escolha pois essas têm consequências que podem ser nefastas,
como o vivido pelo Brasil no âmbito federal há mais de três anos. Optar
eticamente fornece ao sujeito a possibilidade de redimensionar seu lugar no
mundo e sua responsabilidade para com aqueles com quem compartilha a
existência.
Fernanda Zacharewicz -
psicanalista, editora da Aller, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacanian
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