O
Brasil passa hoje por uma importante ‘escolha de Sofia’ no campo da geopolítica
mundial. Nós nos encontramos no meio de uma importante disputa entre a China e
os Estados Unidos nos campos da influência e da capacidade de relacionamento
entre essas duas potências.
Hoje o Brasil, principal economia da
América Latina, deverá licitar as operações da tecnologia 5G, algo que tem
vital importância para a expansão geoeconômica chinesa por meio da Huawei, sua
gigante da tecnologia mundial. Atualmente, essa é a tecnologia mais avançada e
mais barata sob o ponto de vista de instalação, contudo existem diversas
controvérsias sobre a segurança e principalmente sobre a privacidade, pois, em
regra, as empresas chinesas sempre têm a interferência do governo de Pequim.
Logo, será mesmo que nossos dados estariam seguros? A soberania nacional
brasileira no cyberespaço estaria protegida com o uso da Huawei na
tecnologia 5G? Sim, estamos falando de espionagem e não sejamos ingênuos, pois
os americanos são tão avançados no campo da espionagem quanto os chineses;
logo, de fato, a Huawei estar presente no Brasil é muito mais um risco aos
Estados Unidos do que ao Brasil. Na verdade, os americanos não querem uma
tecnologia chinesa tão infiltrada no Brasil, algo que eles já possuem há anos.
Neste contexto, os americanos sabem que
não conseguem forçar o governo brasileiro em barrar a Huawei, mas podem
influenciar nossa decisão. Desta forma, nas últimas semanas recebemos em nosso
país o Secretário de Estado Tony Blinken e o Conselheiro de Segurança Nacional
Jake Sullivan. No contexto das conversas desses importantes membros do governo
americano ficou implícito que se o governo brasileiro optar por excluir a
Huawei da disputa do 5G brasileiro, o governo americano deverá elevar o Brasil
ao nível de “Parceiro Global da OTAN”, a Organização do Tratado do Atlântico
Norte, a maior aliança militar do Ocidente. Atualmente, apenas a Colômbia
possui esse status na América Latina. Todavia, na prática, o que isso
repercute positivamente para o Brasil?
Além da consulta política, o Brasil
ganharia importante ligação com órgãos internacionais de inteligência dos 30
países membros da OTAN, o que de fato ampliaria o softpower
brasileiro e tornaria nossas instituições mais fortes contra inimigos externos
e internos. Além disso, a participação junto à OTAN abriria portas para a
compra de armamentos e equipamentos militares de alta tecnologia com empresas
europeias e americanas a que hoje não temos acesso. De fato, apesar de não
termos tido conflitos com nossos vizinhos nos últimos 125 anos, é fundamental
que possamos defender nossas fronteiras, em especial a Amazônia e a Amazônia
Azul, regiões ricas em recursos naturais e fronteiras continentais.
Por outro lado, a China, nosso maior
parceiro comercial, pode iniciar um grande processo de boicote às nossas
empresas exportadoras, que são responsáveis por nosso superávit
comercial e pelo aumento das nossas reservas internacionais de dólares. A China
pode incentivar ainda mais a produção agrícola na África, o que pode
verdadeiramente complicar nossa produção no longo prazo. Neste contexto,
cria-se uma escolha de Sofia. Temos, de fato, interesses tanto com os
americanos quanto com os chineses, e não temos interesse algum em tomar partido
dentro dessa nova disputa global. O Brasil deve buscar seus interesses
nacionais, entretanto deve saber como se movimentar em um cenário cada vez mais
complexo. É importante observar como a União Europeia se comporta, pois neste
ponto temos elementos semelhantes. De um lado, os maiores aliados dos europeus
são os americanos; do outro, os chineses são grandes investidores nos países
europeus e compram muitos produtos da Europa. Neste contexto, temos
similaridades e devemos entender como nos movimentarmos nos próximos meses,
pois isso pode definir nossa posição no ‘xadrez mundial’ pelas próximas décadas.
O Brasil é hoje um importante Stage
no cenário da disputa geopolítica mundial, em que americanos e chineses
disputam poder e influência. Contudo, creio que podemos ser mais do que isso,
podemos ser um importante player nesse jogo e nos aproveitarmos
para ampliar nosso próprio softpower no campo das disputas
internacionais.
Igor Macedo de
Lucena - economista e empresário, Doutorando em Relações
Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal
Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência
Política.
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