Estudo vai
analisar como o novo coronavírus afeta a população do Brasil e dos Estados
Unidos, levando em conta características sociodemográficas distintas
relacionadas a fatores que levam a maior vulnerabilidade ambiental (foto:
Paraisópolis/Wikimedia Commons)
O novo coronavírus (SARS-CoV-2) tem impactado de forma desigual os territórios
urbanos brasileiros. O número de casos e de mortes por COVID-19 tende a ser
maior nas áreas periféricas e em regiões que antes da crise global já sofriam
com problemas como falta de moradia digna, acesso deficiente à água e
saneamento, altos índices de poluição do ar e contaminação do solo.
“Pode-se dizer que a COVID-19 está escancarando as nossas iniquidades.
Embora o vírus infecte os indivíduos indiscriminadamente, o impacto da epidemia
não é igual na sociedade. Isso está se mostrando um padrão, sobretudo no
Brasil, mas também se notam desigualdades gritantes na forma como a doença está
afetando diferentes populações nos Estados Unidos”, diz Pedro Henrique Campello Torres, pesquisador
visitante na Bren School of Environmental Science & Management, University
of California Santa Barbara (UCSB), nos Estados Unidos.
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, Torres redirecionou a
pesquisa realizada no âmbito de uma Bolsa FAPESP Estágio de Pesquisa no Exterior
(BEPE) de pós-doutorado para a análise do impacto da COVID-19 a partir de
características sociodemográficas e territoriais. No projeto original, ele
comparava os processos de formulação de políticas públicas ambientais e seus
efeitos sociodemográficos nos diferentes territórios urbanos do Norte e do Sul
global.
De acordo com o pesquisador, a disseminação do novo coronavírus no
Brasil e nos Estados Unidos tende a potencializar os diferentes impactos
de políticas públicas ambientais. “O planejamento urbano e a ocupação de
territórios em uma cidade estão diretamente associados às transformações
econômicas. Processos de reescalonamento, como especulação imobiliária e
políticas públicas de habitação, são fundamentais para se compreender como se
dá o desenvolvimento desigual dentro de uma mesma cidade”, diz.
Dessa forma, o padrão de disseminação do SARS-CoV-2 exige também uma
reflexão sobre planejamento territorial e temas ligados às desigualdades
socioambientais. “No Brasil, os casos começaram nas classes mais abastada,
até que a doença foi se alastrando para os bairros de menor renda,
que também são os mais prejudicados em relação ao acesso a serviços de água e
saneamento e de condições básicas de habitabilidade. Juntam-se a essa questão
problemas preexistentes, como doenças respiratórias, dengue e tantas outras
vinculadas à falta de saneamento que tornam essas populações ainda mais
vulneráveis à propagação da COVID-19”, diz Pedro Jacobi, supervisor do estudo de
pós-doutorado e coordenador do Projeto Temático Governança ambiental da macrometrópole paulista face às
mudanças climáticas.
Os pesquisadores afirmam que, para além da questão de menor acesso à
saúde pelas populações mais pobres no Brasil e nos EUA, a disseminação da
doença está diretamente ligada à territorialidade. “Uma doença com forte
caráter respiratório deve impactar mais uma população que está exposta a
maiores níveis de poluição e apresenta comorbidades, como asma e pneumonia,
consideradas fatores de risco. Outro problema: como alguém pode indicar que se
lavem as mãos várias vezes ao dia, como forma de prevenção da doença, se não há
água encanada e muito menos sabão?”, indaga Torres.
Ele ressalta que a distribuição territorial desigual dos riscos
ambientais – saneamento, água ou poluição – vem afetando a qualidade de vida
dos cidadãos antes mesmo da pandemia, não só do ponto de vista ambiental como
também social. “A noção de justiça ambiental nasce nos Estados Unidos com pesquisas
empíricas do cientista social Robert Bullard [da Texas Southern University]. O
que se vê nesses estudos é que em áreas de contaminantes tóxicos [rejeitos
industriais, agravos ambientais] havia uma predominância de populações
afro-americanas, configurando uma desigualdade espacial na cidade”, diz.
De acordo com o pesquisador, no Brasil esse conceito assume outras
formas e proporções, como, por exemplo, no caso dos atingidos por barragens em
Minas Gerais, dos moradores próximos da mina de exploração de urânio em
Caetité, na Bahia, dos pescadores artesanais na baía de Guanabara, no Rio de
Janeiro, da população residente em favelas em áreas de risco por desmoronamento
ou das comunidades próximas a aterros sanitários.
Na pesquisa, Torres vai comparar os dados referentes a mortes e infecção
pelo novo coronavírus a partir de índices socioambientais e informações de
geolocalização. A ideia é verificar como fatores de vulnerabilidade
habitacional impactaram de maneira distinta os diferentes territórios municipais
no Brasil e nos Estados Unidos.
“Existe um problema grande de subnotificação nos dois países. No Brasil,
há ainda falta de transparência nos dados por região das cidades e, nos Estados
Unidos, ausência de notificação de casos de imigrantes ilegais, que não têm
seguro social e nem sequer são atendidos em hospitais, por exemplo. A análise
de dados exige cuidado especial. Vamos contrastar dados participatórios
agrupados por observatórios sociais e também fazer pesquisa a partir da
informação que recebemos dos moradores para tentar contrapor essa ausência de
dados oficiais”, diz.
O pesquisador afirma ainda que, no caso da COVID-19 o problema não
parece ter relação apenas com a densidade populacional. Grandes aglomerações
urbanas, como Tóquio, Seul, Hong Kong e Cingapura, registraram
proporcionalmente menor número de casos que cidades com baixa densidade na
Europa ou nos Estados Unidos.
“No Brasil, vemos um aumento chocante de casos em áreas adensadas, como
Brasilândia e Paraisópolis, que também têm maior vulnerabilidade social. Porém,
diferentes exemplos no mundo mostram que a densidade populacional não parece
ser a vilã dessa história. Em cidades como Chicago e Nova York e na Califórnia,
onde moro atualmente, as populações mais afetadas são justamente os afro-americanos
e os latinos, que não são as mais numerosas. É preciso mirar nas inequidades
para compreender o que está acontecendo”, diz.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/padrao-de-disseminacao-urbana-da-covid-19-reproduz-desigualdades-territoriais/33226/
Nenhum comentário:
Postar um comentário