Macrófagos
derivados de medula óssea de camundongos das linhagens BALB/c (sensíveis à
infecção) e C57BL/6 (resistentes à infecção) foram infectados com Leishmania
amazonensis por 4 horas. O perfil dos transcritos dessas células mostrou
que a infecção com o parasita apresenta um número maior de genes modulados em
macrófagos de C57BL/6, o que pode indicar a razão desse camundongo estar mais
preparado para resistir à infecção( Ilustração: Juliana Ide Aoki)
Em artigo publicado na
revista Scientific Reports, pesquisadores da Universidade de São Paulo
(USP) descreveram, em camundongos, como fatores genéticos podem determinar se
um indivíduo é suscetível ou resistente à leishmaniose. Segundo os autores, os
resultados podem ajudar a entender por que também entre os humanos apenas parte
dos infectados desenvolve a doença.
A leishmaniose é causada por protozoários do gênero Leishmania
que, dependendo da espécie, causam ulcerações na pele (leishmaniose cutânea) ou
lesões em órgãos como fígado e baço (leishmaniose visceral). Os parasitas são
transmitidos para humanos e outros mamíferos por meio da picada de insetos. Não
há vacina disponível e o tratamento é longo, caro e complicado.
“Ao observar a regulação dos genes em nosso modelo de estudo, procuramos
entender qual é a estratégia adotada por um organismo resistente à infecção e
identificar que diferenças existem em relação àquelas do organismo sensível”,
conta Lucile Maria Floeter-Winter,
coordenadora da pesquisa no Laboratório de Fisiologia do Instituto de
Biociências (IB-USP).
A investigação foi conduzida no âmbito de dois Projetos Temáticos
apoiados pela FAPESP: “Estudos bioquímicos, moleculares e
funcionais da relação Leishmania-macrófago" e “A relação Leishmania-hospedeiro
sob a ótica das ‘ômicas.”
Os testes foram feitos com duas linhagens de camundongos: a BALB/c,
naturalmente sensível ao parasita, e a C57BL/6, naturalmente resistente. Ambas
foram infectadas pela espécie Leishmania amazonensis, causadora da forma
cutânea da doença. Na avaliação dos pesquisadores, prognósticos da doença podem
ser estabelecidos quando tivermos marcadores moleculares que indiquem a
capacidade de resistir ou não à infecção.
Mapeamento da expressão gênica
Os parasitas do gênero Leishmania têm como estratégia infectar
justamente as células que deveriam combatê-los: os macrófagos. Nessas células
eles se reproduzem para depois infectar outros macrófagos do organismo
hospedeiro.
Quando o parasita infecta o macrófago, duas coisas podem acontecer: ou
ele arrebenta, liberando os parasitas que então infectam outros macrófagos ao
redor – caso em que se considera a infecção como estabelecida – ou o parasita é
morto pelo macrófago e a doença não avança.
Para criar um modelo experimental da infecção, os pesquisadores
retiraram células da medula óssea dos camundongos, diferenciaram essas células
em macrófagos e as infectaram com o parasita. Foram consideradas no estudo
apenas as primeiras quatro horas depois da infecção, quando os macrófagos
infectados foram usados para extração de RNA e seu sequenciamento. O mapeamento
da expressão dos genes, obtido pela análise do transcriptoma de ambas as
linhagens de camundongos, permitiu verificar quais genes estavam sendo
expressos durante as primeiras quatro horas de infecção em cada grupo.
“Focamos nossas atenções no começo da infecção, quando os mecanismos de
resposta são disparados”, explica a pesquisadora do IB-USP Juliana Ide Aoki,
autora principal do artigo e bolsista de pós-doutorado
da FAPESP.
“Ao ser infectado, o organismo dispara um aviso para que o macrófago
produza um conjunto de moléculas responsáveis pela resposta à infecção. Quando
analisamos o transcriptoma, conseguimos ver quais segmentos do genoma
entenderam esse sinal e efetuaram uma resposta para combater o parasita”,
diz Floeter-Winter.
No conjunto dos genes expressos dos macrófagos estudados em cultura,
foi identificado um total de 12.641 genes. Contudo, no BALB/c
(sensível), apenas um conjunto de 22 genes teve a expressão modificada,
como resposta de combate ao parasita. Número bem menor do que os 497 observados
nos camundongos C57BL/6 (resistente).
“Esse é o grande achado da pesquisa. Temos um organismo que aciona
pouquíssimos genes e não é capaz de conter a infecção e, de outro lado, um que
aciona muitos genes que induzem a produção de moléculas para controlar a
infecção e consegue atingir esse objetivo”, conta Floeter-Winter.
“Nossos resultados mostram que realmente o desenvolvimento da doença
depende da genética do hospedeiro, não só do parasita, e pode explicar por que
existem pacientes que desenvolvem a infecção enquanto outros se mostram
resistentes”, diz.
De acordo com a pesquisadora, os camundongos foram tratados da mesma
forma e receberam a mesma alimentação, o que descarta a influência de fatores
ambientais nos resultados. Permanece como tema para pesquisas posteriores
desvendar por que os animais C57BL/6 ativam mais genes para combater a
infecção.
A determinação de moléculas presentes em um organismo infectado que é
capaz de controlar a infecção permite sugerir marcadores para avaliação e
prognóstico da doença em pacientes humanos. “Seria possível, por exemplo, ver
que moléculas o paciente infectado está expressando e estabelecer um
prognóstico se ele irá desenvolver uma doença mais longa, se vai desenvolver
uma infecção com potencial mais drástico, ou se ele produz moléculas que
combatem a infecção”, diz a pesquisadora.
Além disso, a contribuição do estudo pode ser extrapolada para outros
aspectos dessa doença. “Ao entendermos como as Leishmanias conseguem
estabelecer a infecção, descrevemos mecanismos de resposta que podem ser
utilizados em outras doenças infecciosas, fornecendo informações a outros
pesquisadores na investigação em outros modelos”, finaliza.
O estudo faz parte de um conjunto de pesquisas coordenadas por
Floeter-Winter que busca entender a relação entre hospedeiro e parasita, como a
que identificou potenciais alvos para o tratamento da leishmaniose (leia
mais em: agencia.fapesp.br/25961).
Além de Aoki e Floeter-Winter, assinam o artigo Sandra Marcia Muxel e
Ricardo Andrade Zampieri, do IB-USP, e Audun Helge Nerland, da Universidade de
Bergen e Karl Erik Müller, do Drammen Hospital, ambos localizados na
Noruega.
O artigo Differential immune response modulation in early Leishmania
amazonensis infection of BALB/c and C57BL/6 macrophages based on transcriptome
profiles pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-019-56305-1.
Janaína Simões
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/fatores-geneticos-que-conferem-resistencia-a-leishmaniose-sao-identificados/33193/
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