O isolamento social para combater a pandemia do
coronavírus está servindo de palco para debates confusos e construções lógicas
erradas. Ora os debates são feitos com premissas corretas, ora com premissas
falsas. A essência da questão reside no dilema “ou parar, ou trabalhar”. De
saída, uma premissa falsa é colocada com indagações do tipo: “vamos priorizar a
vida ou a economia?”; “vamos defender as pessoas ou os empresários?”.
A primeira premissa falsa nessas perguntas está no
fato de que as duas coisas não se excluem. Se todos, rigorosamente todos os
habitantes de um país parassem, rapidamente não haveria fornecimento de
energia, água, gás, medicamentos e comida, pois não haveria ninguém para ligar
nem sequer uma chave da usina hidrelétrica. Ou seja, não existe a opção de
“todos” pararem e, mesmo assim, os bens e serviços mínimos à vida continuarem
chegando à mesa por uma mágica extraterrestre.
Claro que o isolamento social é a principal arma de
combate a essa pandemia triste. Mas é óbvio que a humanidade tem que arrumar
meios para que uma parte da população siga trabalhando, com todos os cuidados
possíveis, a fim de garantir a sobrevivência de todos. A economia só existe
porque há seres humanos com necessidades vitais (das quais a vida depende), a
começar pelas mais óbvias: alimento, abrigo e repouso. E quem produz os
produtos para satisfazer essas necessidades são as mesmas pessoas que vão
consumi-los.
Quando um animal nasce na natureza, a mãe, o pai ou
o próprio filhote têm que sair em busca de alimentos; se ninguém fizer isso,
todos morrem. Como o instinto da sobrevivência é um traço dos animais,
racionais ou não, eles saem à busca dos meios para sua sobrevivência mesmo sob
condição de risco. A economia nada mais é do que um sistema para prover os bens
e serviços capazes de atender às necessidades múltiplas dos seres humanos, pela
transformação dos recursos da natureza (que são escassos).
A economia faz sentido quando uma criança de 13
anos consegue entender o significado dos fatos reais por trás das teorias. Se
você quer ensinar economia a uma criança, quando ela sentar-se à mesa para ter
seu café da manhã, antes de começar a comer, pergunte-lhe: “você sabe de onde
vêm essas coisas? o leite, o pão, o queijo, a manteiga, o garfo, a faca, a
xícara, a toalha, o fogão, a mesa etc?”.
Mostre à criança o leite e a caixa que o embala e
pergunte se ela sabe de onde veio tudo isso e quantas operações o mundo teve
que executar para que os produtos estivessem sobre a mesa de sua refeição
matutina. Uma boa técnica é começar a imaginar o percurso inverso de cada
produto. O leite volta para a geladeira (ah! explique qual o processo de
fabricação de uma geladeira), dali volta ao supermercado (como surgiu o
supermercado?), depois ao caminhão que transportou leite desde a indústria etc.
Peça para a criança imaginar as milhares de operações que entram na fabricação
de um caminhão, fale como foi feita a rodovia, chegue até fábrica de laticínios
e explique a complexidade para processar o leite in natura e prossiga até
retornar à vaca em algum estábulo de uma fazenda distante de sua mesa de café
da manhã.
A cadeia produtiva mostra toda sua complexidade se
repetirmos esse exercício mental para o café, o açúcar, a xícara, a manteiga, a
toalha, a mesa, a faca, o garfo... ou seja, não é preciso muito para entender o
tamanho da encrenca que o mundo tem que resolver para dar a você um simples
café da manhã. Os radicais de esquerda gostam de xingar o mercado e os empresários.
Marx dizia que o empresário é o sicofanta do capital (patife, velhaco). Isso é
uma bobagem. O mercado fez mais pela redução da pobreza que todos seus
desafetos somados. Quanto ao empresário, como dizia Roberto Campos, o respeito
pelo produtor de riqueza é o começo da solução da pobreza.
Se você compulsar as notícias e os debates em
jornais, rádios e redes sociais, encontrará pessoas ditas cultas dizendo que ir
ao trabalho e seguir produzindo é privilegiar o dinheiro em vez da vida, é
correr o risco de morrer para dar lucro aos empresários. O isolamento social é
eficaz para conter o contágio. Evitar aglomerações é necessário. Mas, é claro
também, que a economia não pode parar totalmente, pois, como já dito, a vida
depende dos bens e serviços mínimos para a sobrevivência. Dos 211,3 milhões
habitantes do Brasil, dos quais 87,5% vivem nas cidades, e precisam ser
abastecidas.
Enfim, a economia é uma ciência da vida, não é uma
coisa demoníaca do dinheiro e do lucro e, quando colocada dessa forma, parece
que o debate é entre o bem e o mal, com o bem de um lado (a saúde pública) e o
mal (a economia) de outro. Essa oposição não existe e acreditar nela é não ter
noção mínima do que seja um sistema econômico.
José Pio Martins - economista,
é reitor da Universidade Positivo.
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