Ambicioso
e talvez prematuro, existem aspectos que já neste momento podem ser antecipados
de movimentos estruturais que impactarão o mercado, o varejo e o consumo
como resultado do cenário em explosiva transformação que começou pelo Covid-19
e foi exponenciado por um conjunto de outros fatores, controláveis e
incontroláveis, caracterizando o DC atual, Depois do Coronavírus:
1) Aceleração da consolidação do novo eixo geopolítico e econômico do mundo - É evidente que não é algo específico para varejo e consumo, mas tem e terá implicações também muito fortes em termos de abastecimento, marcas, logística, produtos e canais de vendas e relacionamento. Era um processo em evolução, mas está sendo agora acelerado o empoderamento da Ásia no epicentro da transformação geopolítica e econômica mundial. Enquanto China, Coreia, Cingapura e outros países da Ásia se integram e encaminham soluções pragmáticas e rápidas para contornar o epicentro do furacão gerado pelo Coronavírus, países como Estados Unidos de um lado e Itália, Espanha e outros, em outra dimensão, demoraram em se sensibilizarem e mobilizarem para enfrentar o problema e as consequências serão dramáticas no plano social, político e econômico, fragilizando ainda mais as lideranças políticas em todos esses países e ensejando movimentos de renovação;
2) Redução da importância estratégica dos Estados Unidos
para o Brasil. E para o Mundo - A ainda maior economia do mundo reduzirá sua
importância estratégica para o Brasil por conta da necessidade de equacionar
seus próprios problemas e dificuldade em apoiar outras economias. No âmbito do
varejo e do consumo isso pode significar redução da importância de marcas,
canais, empresas e negócios envolvendo consumo a partir dos Estados Unidos. O
movimento do Walmart recentemente, liquidando suas operações no Brasil e em
outros países da América do Sul, já era uma sinalização desse processo. Ante as
dificuldades locais pela ação da concorrência, em especial no digital e mais
especificamente da Amazon, preferiram recolher o time e concentrar esforços.
Ainda que Amazon, na contramão desse movimento, se proponha a crescer de forma
mais agressiva no Brasil, no conjunto da obra, envolvendo empresas, negócios,
marcas, lojas e conceitos norte-americanos, haverá uma perda de relevância do
que for criado, desenvolvido e operado a partir dos Estados Unidos;
3) Aumento da importância econômica da China para o
Brasil -
Na mesma linha de raciocínio temos outro elemento, que também já estava em
evolução, com a China que já havia se transformado no principal destino de
produtos brasileiros, e em seguida teremos uma aceleração desse processo, tanto
pelo lado da emergente e demanda de lá como pela fragilização das importações
de países ocidentais e em particular dos Estados Unidos, boa parte da Europa e
América do Sul. O desafio, e a maior oportunidade, será transformar essas
exportações dominantes de commodities, em exportações de produtos e marcas com
maior valor agregado. Teremos, igualmente, num momento seguinte, o aumento da
presença de empresas chinesas no mercado brasileiro, na fase inicial em áreas
estruturais, mas avançando para outros setores incluindo finanças, varejo e
consumo. E nesse vetor, é preciso alta dose de alienação no atual cenário, para
manifestações despropositadas, desnecessárias e inconsequentes que possam afetar
as relações entre os dois países pela importância estratégica que China tem e,
crescentemente, terá com o Brasil;
4) Aumento dos gastos globais com serviços no médio e
longo prazo - No
curto prazo haverá concentração de gastos com alimentos e medicamentos, mas no
médio e longo prazo tenderá a haver um aumento dos gastos com serviços,
especialmente envolvendo saúde, educação, comunicação e outros. Superada a
crise, em algum momento futuro, haverá a recuperação dos gastos com turismo,
lazer e entretenimento, mas é um enigma se haverá uma compensação imediata do
período de privação ou haverá uma gradativa retomada por conta de um consumidor
mais conservador que irá emergir como resultado da crise vivida;
5) A emergência do omniconsumidor-cidadão megaconectato e
discriminante -
Por conta do abissal crescimento do tráfego de dados e informações em ambiente
recluso e mais tempo para consumo dessas informações, emerge um
omniconsumidor-cidadão megaconectado e discriminante como nunca. Com o que é
real, porém mais sensível também ao fake. Porém ainda mais consciente e
avaliando com mais profundidade e sensibilidade tudo que é recebido. Não
podemos dizer, ao menos por enquanto, que essa análise tem maior racionalidade,
pois definitivamente a sensibilidade com o drama que está sendo vivido é muito
alta e, em muitos casos, exacerbada pela comunicação aberta, especialmente por
alguns veículos. Mas à medida que o tempo passar vão sendo filtrados conteúdos
e fontes e novos comportamentos advirão dessa consciência, reposicionando
relações e percepções, tanto com respeito a marcas, produtos, negócios e
serviços e também, sobre as questões políticas e sociais;
6) Necessidade e Conveniência mudam a participação dos
canais de vendas e relacionamento. Consumidores aprendem novos hábitos que
marcarão seus consumos futuros - Da mesma forma como aconteceu na crise
financeira de 2007-2009 nos Estados Unidos, quando os norte-americanos
“descobriram” os Warehouse Clubs, Clubes de Atacado, como Costco e outros e, em
boa parte, mantiveram o hábito de comprar neles mesmo depois de superada a
crise, deveremos ter algo similar no mundo e muito especialmente no Brasil com
parcelas importantes da população aderindo ao e-commerce e o delivery. Esses
sistemas crescerão ainda mais de importância como canais de vendas e
relacionamento. Já era um movimento em rápida evolução, mas sua importância
será acelerada de forma marcante por conta da percepção, quase que compulsória,
de suas virtudes, limitações e oportunidades;
7) Mudam participações e perspectivas para os players
tradicionais do varejo - A capacidade, prontidão e condição de inovação e
implementação de alguns players tradicionais do varejo ensejará mudanças
relevantes nas participações de mercado, favorecendo em especial as empresas
mais “digitais” em sua proposta e que consigam equacionar mais rapidamente os
gargalos que se criaram em questões de logística, abastecimento, comunicação,
crédito, pagamentos e outros fatores;
8) Dramática mudança do “share of wallet” das diversas
categorias no curto e médio prazo - Por absoluta necessidade e contingência a
distribuição de dispêndios no curto e médio prazo para as diferentes
categorias, será profundamente alterada em benefício de alimentos, bebidas,
medicamentos e produtos de limpeza, saúde e bem-estar e talvez algo em educação
e eletrônicos. Tudo isso com prejuízos em moda, vestuário, calçados, material
de construção e, fora do lar, lazer, diversão e turismo. Ainda que o maior
impacto ocorra no curto e médio prazo, parte desse comportamento será mantido
posteriormente por conta de um consumidor mais ressabiado e cauteloso que
deverá emergir de todo esse processo. Mas é verdade também que, na recuperação
futura, alguns nichos de mercado tenderão a um mecanismo de compensação,
aumentando gastos em categorias, produtos, marcas e serviços que foram
contingenciados no período de crise;
9) Aumento da infidelidade para produtos, marcas, serviços e lojas - De forma simplista a necessidade é a mãe das virtudes e por conta do quadro instaurado a necessidade se sobrepõe aos desejos gerando redução da fidelidade de forma geral. O lado positivo é que, como compensação, aumenta a propensão à experimentação o que favorece a “descoberta” de produtos, marcas, serviços e lojas que pode converter em preferência se o valor percebido for relevante suficiente para precipitar mudanças. Mas o movimento de “infidelização” já era algo desenhado e em evolução por conta do aumento exponencial da informação que chegava aos consumidores, estimulando a experimentação e no período esse processo é exponenciado;
10) Aceleração da redução de distância entre marcas e consumidores - Seja por conta do difícil quadro de abastecimento de curto e médio prazo, seja por conta de um movimento que já vinha acontecendo, passado o período mais agudo dessa crise instaurada, os fornecedores de produtos e marcas para o varejo, tenderão a repensar suas estratégias de distribuição criando canais diretos e exclusivos. Isso ocorrerá não só, mas usando especialmente os canais digitais que aumentarão sua participação de mercado e porque podem ser implantados com menores investimentos e custos operacionais pela indústria. No futuro próximo teremos uma maior participação da indústria e também empresas de serviços indo diretamente ao consumidor criando uma nova realidade na estrutura de distribuição;
11) Reconfiguração das alternativas de locais e formatos
para compras e serviços - O crescimento da participação das alternativas digitais
já era uma realidade no mundo e precipitava uma forte revisão da participação dos
canais e locais de compras. O setor de shopping centers já vinha enfrentando
essa realidade repensando sua oferta em termos de produtos, marcas e serviços.
Mas tudo isso agora toma outro rumo, no curtíssimo prazo e por período limitado
pelo acesso proibido. Mas no médio e longo prazo crescerá esse processo de
reconfiguração dos shoppings e centros comerciais pela aceleração de uso da
conveniência, facilidade e intimidade do e-commerce e do delivery.
E igualmente sua reconfiguração como destinos de entretenimento e lazer e, de forma mais abrangente, de serviços pessoais. Mas também teremos a expansão dos locais de compras autônomos, com menos gente e mais conveniência. Localizados onde está a demanda e permitindo a redução do tempo e a necessidade de deslocamento, vamos assistir ao crescimento de uma nova geração de formatos, onde Amazon Go e outros, foram precursores, mas agora reconfigurados em sua proposta, tecnologia e oferta.
Igualmente relevante é a discussão de curto prazo envolvendo as relações entre desenvolvedores de centros comerciais e inquilinos, ambos pressionados pelas estruturais mudanças e que marcarão as percepções e discussões futuras entre esses grupos integrando ou dificultando o diálogo estrutural;
E igualmente sua reconfiguração como destinos de entretenimento e lazer e, de forma mais abrangente, de serviços pessoais. Mas também teremos a expansão dos locais de compras autônomos, com menos gente e mais conveniência. Localizados onde está a demanda e permitindo a redução do tempo e a necessidade de deslocamento, vamos assistir ao crescimento de uma nova geração de formatos, onde Amazon Go e outros, foram precursores, mas agora reconfigurados em sua proposta, tecnologia e oferta.
Igualmente relevante é a discussão de curto prazo envolvendo as relações entre desenvolvedores de centros comerciais e inquilinos, ambos pressionados pelas estruturais mudanças e que marcarão as percepções e discussões futuras entre esses grupos integrando ou dificultando o diálogo estrutural;
12) Cresce ainda mais a importância do Propósito, não só
na teoria, mas o Propósito em ação - Esse movimento também estava bem definido,
especialmente a partir dos últimos anos, quando empresas e marcas se deram
conta que gerações emergentes cobravam das empresas e das marcas um maior compromisso
com o social e o coletivo. A atual crise torna essa demanda muito mais forte,
pois ações, iniciativas, comunicação e relacionamento tornaram muito mais
relevante à demonstração desses compromissos, não como simples discurso no meio
do drama, mas de forma estratégica, estruturada e genuína. Ao contrário,
empresas e marcas que não têm o aval de sua história e ações estruturais e
efetivas nessa direção, precisam ter muito cuidado para não serem expostas e
vistas como oportunistas por consumidores-cidadãos que estão ainda mais
sensíveis e atentos com esses aspectos;
13) Uma nova dimensão da percepção de risco - Tudo parecia simples,
fácil e positivo num cenário onde o novo, especialmente em termos de
tecnologia, era premiado com capital abundante e os benefícios do ávido mercado
financeiro. O mundo caiu na real e o lado negativo é que tudo isto custará
muito caro para muitos. O lado positivo é que fundamentos da gestão de negócios
e empresas voltam a ser valorizado e margem, deixará de ser coisa de rio, na
expressão dos jovens empreendedores e o “basic to basics” voltará a ser
valorizado e parâmetro de decisões de médio e longo prazo, sem desvalorizar a
força da inovação tecnológica, transformadora do mercado;
14) Ser empresário ou empreendedor. Nada será como antes.
Para ninguém - Para
muitos empresários ou empreendedores essa é sua primeira e mais séria crise
sendo enfrentada nessa condição. Ainda que o digital possa reduzir distâncias,
ele não elimina o isolamento de quem está no comando, especialmente quando a
crise tem as dimensões e impactos que a atual traz consigo. Muitos considerarão
seriamente em voltar à condição de empregados. O problema é que,
estruturalmente, seus empregos do passado não mais existem. Vivemos uma
profunda e ampla transformação estrutural do emprego por conta do avanço da
tecnologia e da reconfiguração do mercado. E agora, para muitos, cai a ficha
que como tudo na vida existem ônus e bônus em tudo que envolva negócios. E isso
cria uma nova realidade fazendo emergir uma geração de novos empreendedores
forjados na maior crise recente da humanidade.
Como sempre no consumo e no varejo é fundamental cuidar do presente, com a “barriga no balcão” sem tirar os olhos do futuro, mesmo no meio dessa tempestade mais do que perfeita, é interessante considerar esses pontos, ainda que, eventualmente, ambiciosos demais em sua proposta para este momento. Simples e genuíno desejo de compartilhar percepções.
Como sempre no consumo e no varejo é fundamental cuidar do presente, com a “barriga no balcão” sem tirar os olhos do futuro, mesmo no meio dessa tempestade mais do que perfeita, é interessante considerar esses pontos, ainda que, eventualmente, ambiciosos demais em sua proposta para este momento. Simples e genuíno desejo de compartilhar percepções.
NOTA: o artigo desta semana tem o decisivo apoio dos líderes de negócios da Gouvêa que se mobilizaram para compartilhar uma visão do presente e, principalmente, do futuro do varejo e do consumo como forma de contribuir com reflexões para apoio de nossos clientes e parceiros.
Marcos Gouvêa de Souza - fundador e diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza, membro do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, do IFB – Instituto Foodservice Brasil, presidente do LIDE Comércio e membro do Ebeltoft Group, aliança global de consultorias especializadas em varejo em mais de 25 países. Publisher da plataforma Mercado & Consumo.
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