Ela: – De repente,
temos vontade de alguém: uma pessoa se consubstancia como gosto; sem ato
objetivo de provocação, ela se faz objeto do nosso interesse. Nos expomos, em
busca do acontecimento. Acontece.
Ele: – Instala-se o
desejo, à revelia, muita vez com a contrariedade do desejante. Eis, até parece,
o propósito, como se propósito houvesse, de os corpos se encontrarem, curtirem-se.
Vencido o desejo, vencida a relação.
Ela: – Haveria um
propósito no encontro de corpos? Não penso assim. É acaso... É despropositado.
Propósitos diversos, noutros tempos, aproximaram corpos, comprometeram corpos.
Desejo é coisa despropositada.
Ele: – Sim, e não
lhe cumpre fazer-se cumprir. A realização do desejo está descompromissada de
eternidade. Eis a melhor substância da gramática afetiva não sólida (amor
líquido, diria Bauman): desfazer-se quando acaba.
Ela: – Sim, a
relação afetiva está mais submetida à vontade pessoal, liberou-se muito do
institucional. Adotou o discurso do momento prazeroso, desconstruiu o
compromisso de eternidade a qualquer custo.
Ele: – Mas, aí, não
há confusão? As coisas não se estão convertendo em puro fazer sexo? E sem
desejo? Isso tem sentido? O sexo descompromissado, não voltado ao objeto do
desejo, apazigua o ser desejante?
Ela: – Então... O
ser desejante não dorme em paz depois do sexo pago, do pornô, da masturbação?
São duas coisas. Entre o tesão e o orgasmo há a cultura, é claro... Mas o
primitivo pulsante é a busca de orgasmo.
Ele: Olha o dizer de
uma mulher, Marguerite Duras: “Não é fazer sexo o que conta, mas sim ter
desejo. Há muita gente que faz sexo sem desejo. Eu soube desde criança que o
universo da sexualidade era fabuloso, enorme”.
Ela: São coisas
diferentes, ambas tão humanas. Não nos neguemos o primitivo. Sim, há essa
pulsão, essa cultura, esse insaciável, essa vontade sem objeto que nunca se
sacia: o desejo sem objeto. E há o instinto, puro sexo.
Ele: – Marguerite
não as separaria. Ela diz de uma latência que jamais se acalma: “Quero saber o
que se encontra na origem do erotismo, o desejo. O que não é possível, e,
talvez, não se deve apaziguar com o sexo”.
Ela: – Não há paz
possível. Somos corpos sem essência. Nossa existência se vai inscrevendo em
nós, jamais estaremos terminados. Isso angustia. Um outro, a interlocução,
talvez alguém nos acalme. É o possível.
Ele: – Os casos
vindos do acaso? Lances dos corpos nos encontros com o mundo? Deperecem.
Episódios amorosos não perduram. Há quem se ajeite para caber nas expectativas
do outro. Falseiam-se; logo se revelam.
Ela: – Olha... Pensa
em escolhas possíveis. Não te permitas só o acaso. Elege e então procura. E
procura e procura... Procura alguma coincidência de vontades. Um tipo...
Inteligência, sensibilidade, erotismo... Vontade.
Ele: – Um alguém que
faça da vida uma obra de arte? Encontros com o mundo, como disse Espinosa?
Cuidado em edificar-se com grandeza e buscar elevação, como quis Nietzsche? Um
controle dos afetos, de si, do outro?
Ela: – Um tanto
complexo; nada complicado: comportamos animalidade. Não a neguemos; não nos
reduzamos a ela. Muitos humanos abstraem-se de sua origem. O organismo quer
orgasmo. Mas, sim, orgasmo não basta.
Ele: – Amor? Seria?
Ian McEwan: “O amor não é sempre uma virtude, pode ser uma ferramenta muito
controladora. Nunca estive de acordo com a canção dos Beatles All you need is
love. Também preciso de inteligência”.
Ela: – Sim...
Inteligência e sensibilidade, qualificadoras da humanidade. Amor sem
inteligência e sensibilidade é controle, raiva, maldade. Mas... retomo: como
não basta só sexo, não basta só amor. Não é verdade?
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicólogo e Jornalista.
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