Frente ao aumento dos casos de violência contra a
mulher, é preciso dar espaço às ações que combatem a discriminação e dão voz às
mulheres
Desde o início do ano, no Distrito Federal, 15
mulheres foram vítimas de feminicídio. É a forma máxima da violência contra a
mulher, quando a morte ocorre por discriminação ou menosprezo pelo gênero
feminino, por violência doméstica ou familiar.
Uma das principais frentes de combate aos crimes de
gênero é a criação de políticas públicas que levem em conta a real situação das
mulheres no país. "A violência contra a mulher está intimamente
relacionada com o patriarcado, ou seja, a hierarquização social dos sexos em
que o gênero masculino é o dominante. Dessa forma, a mulher não é vista como
sendo igual ao homem, mas como uma propriedade privada dele", disse
Francisca Gallardo, coordenadora do Núcleo de Gênero do Centro Universitário
IESB e professora do curso de Relações Internacionais. O Núcleo promove a
realização de estudos com perspectiva de gênero e suas diversidades, para a
melhoria das políticas públicas voltadas às mulheres.
Segundo a professora, a América Latina foi considerada
a segunda região mais perigosa do mundo para as mulheres em 2013 pela
Organização Mundial da Saúde, a OMS. Nesse ano, a taxa de assassinatos de
mulheres cometidos apenas por parceiros e ex-parceiros foi de 40,5%, atrás
apenas da taxa no Sudeste Asiático, onde o feminicídio é praticado desde o
nascimento, que chegou a 58,8%.
Uma ação importante nesse contexto é criar espaços
para que as mulheres possam ser ouvidas e trocar suas experiências. O IESB
mantém um projeto de extensão do curso de Psicologia com esse propósito. O
Rodas de Conversa acontece todos os semestres e tem grupos voltados para as
estudantes e para o público externo. Neste ano, cada encontro envolveu entre 10
e 15 mulheres. As atividades estão previstas para retornar em agosto, e haverá
ainda grupos de homens e mulheres em contexto de violência doméstica,
encaminhados pela Justiça a partir da Lei Maria da Penha.
O conceito de feminicídio tomou forma ao longo das
últimas décadas. O primeiro termo utilizado foi femicídio, introduzido por
Diana Russell em 1976, para definir os assassinatos de mulheres por motivos de
gênero. A nomenclatura foi considerada insuficiente para explicar de forma
completa a violência contra a mulher, e foi criado o termo feminicídio, que
inclui, além das mortes violentas, abusos verbais, físicos, sexuais e
psicológicos que acabam levando à morte da mulher, mesmo que os atos não tenham
esse objetivo.
Os números da violência assustam: de acordo com a
Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Paz Social do DF, houve um
aumento de 40% no número de feminicídios no primeiro semestre de 2018, em
relação ao mesmo período do ano passado. O caso mais recente foi o da servidora
pública Janaína Romão, assassinada pelo ex-marido.
"Mas é preciso cautela ao examinar dados
estatísticos", disse Julianna Barbosa, professora do curso de Direito do
IESB. "A violência contra as mulheres e seus assassinatos em âmbito
doméstico e nas relações afetivas é um problema social há um longo tempo, mas
não havia a visibilidade que há hoje", continua.
"O que acredito que esteja acontecendo é um
aumento da visibilidade de tais crimes dada a existência recente da
qualificadora no Código Penal e graças aos movimentos de mulheres que têm se
mobilizado com grande força para que a pauta ganhe cada vez mais espaço na
mídia e no cotidiano das pessoas", completa a professora.
Um desses movimentos acontece nesse fim de semana.
Entre os dias 3 e 6 de agosto acontece o Festival Pela Vida das Mulheres no
Museu Nacional, em Brasília – DF. O evento trará debates e encontros de
mulheres sobre diversos temas, como a participação política feminina, mas o
principal objetivo é acompanhar as discussões que acontecem na Audiência
Pública sobre a ação ADPF 442, que pede que não seja crime o aborto até 12
semanas da gestação. A Audiência acontece na sexta-feira, dia 3, e na segunda,
dia 6.
Segundo Francisca Gallardo, as mortes decorrentes
de abortos ilegais – que acontecem com a frequência de um a cada dois dias no
Brasil – também podem ser consideradas como feminicídio. "O fato de o
aborto ser ilegal não impede que as mulheres o realizem em clínicas
clandestinas de forma insegura e insalubre. Tal prática levou à morte muitas
mulheres por complicações na cirurgia ou por alguma infecção. Nesse caso, o óbito
não era o objetivo, mas a consequência do aborto inseguro. Esse tipo de
situação pode ser considerado feminicídio" disse a professora.
A Lei do Feminicídio, de 2015, tipificou e aumentou
a pena para esse tipo de crime. "Atualmente, porque temos que salvar as
vidas das mulheres, não podemos prescindir de institutos punitivos, e eles nos
ajudam a dar visibilidade às violências", disse Julianna.
"No entanto, urge que tenhamos mais políticas
públicas de prevenção às violências contra mulheres. Precisamos fortalecer
mulheres em suas relações afetivas, na sua saúde mental, em seus direitos. No
longo prazo, precisamos educar os homens para uma nova masculinidade não
tóxica, não violenta, não desigual. Para o nosso bem e para o bem deles",
continua Julianna.
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