Quase 1 milhão de exames de prevenção contra o
câncer colorretal (CCR) deixaram de ser realizados nos últimos dois anos. É o
que mostra um levantamento da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva
(SOBED) e da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), que realizam em
parceria neste mês o Março Azul, de conscientização e prevenção sobre a doença.
De acordo com os especialistas, os impactos da pandemia são nítidos e podem
trazer consequências irreparáveis a milhares de famílias nos próximos anos.
Para avaliar os efeitos da pandemia sobre a
prevenção do CCR e subsidiar a campanha de sensibilização para a necessidade
retomada segura dos atendimentos, foram levantados os registros da última
década sobre os exames diagnósticos no Sistema Único de Saúde (SUS) --
colonoscopia e sangue oculto; as internações hospitalares no SUS para tratamento
da doença; e os óbitos motivados pela doença.
Por apresentar poucos sinais em estágios iniciais,
o câncer colorretal deve ser rastreado periodicamente em homens e mulheres, a
partir dos 50 anos de idade. Essa investigação acontece, basicamente, por meio
da realização de dois exames, que podem ser decisivos para salvar a vida do
paciente: a pesquisa de sangue oculto nas fezes e a colonoscopia.
Segundo o presidente da SOBED, Ricardo Anuar Dib,
apesar de ser um procedimento simples, o exame que investiga a presença de
sangue nas fezes ainda é requisitado de forma insuficiente no Brasil. “Embora
tenha aumentado o número de solicitações ao longo da última década, o volume
ainda está aquém do adequado, se considerada toda a população brasileira dentro
da faixa etária elegível ao rastreio”, comenta. De 2011 a 2021, foram
realizadas no Brasil 12,5 milhões de exames.
O cenário se tornou ainda mais crítico desde o
início da pandemia de covid-19. A quantidade desse tipo de exame crescia em
média 10% ao ano até 2019. Com a pandemia, cerca de 500 mil procedimentos
deixaram de ser realizados somente em 2020. No ano seguinte, embora o SUS tenha
recuperado parte da produção de exames em relação ao ano anterior, ainda houve
déficit de pelo menos 228 mil exames de sangue oculto.
Em números absolutos, foram realizados
aproximadamente 732 mil exames a menos do que o previsto. De todos os pacientes
que realizaram o exame de sangue oculto aqui, em torno de 10% apresentaram
resultados positivos e precisaram fazer exames complementares.
Já a colonoscopia, exame indicado aos pacientes em
que existe uma suspeita diagnóstica, apresentou uma queda percentual ainda mais
significativa no ano da pandemia. Foram menos 263,8 mil procedimentos a menos
do que o esperado em 2020 e 2021. Além da inspeção da superfície da mucosa
intestinal, a colonoscopia permite a realização de biópsias endoscópicas
(retirada de pequenos fragmentos para análise) que podem ser úteis no
estabelecimento do diagnóstico das doenças que acometem os cólons e íleo
terminal.
“Cerca de 90% dos casos de câncer colorretal têm
origem em um pólipo, que é uma lesão decorrente do crescimento anormal da
mucosa do intestino grosso. Inicialmente esse tipo de lesão é benigna, mas pode
crescer e se tornar maligna. Por isso enfatizamos a importância da
colonoscopia, exame de imagem que permite visualizar o interior do intestino e,
caso seja identificado algum pólipo, removê-lo antes que ele se torne um
câncer” alerta Eduardo de Paula Vieira, presidente da SBCP.
Doença
causa mais de 230 internações no SUS por dia
No Brasil, entre 2011 e 2020, foram identificadas
168,7 mil mortes causadas pelo câncer colorretal (CCR). Os registros de
internação trazem números ainda mais impressionantes: foram 771 mil
hospitalizações só no Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento dessa doença
em todo o País, entre 2011 e 2021.
Apesar de pouco discutida, a doença -- que atinge o
reto e intestino -- já ocupa o segundo lugar no ranking de neoplasias mais
letais para homens e mulheres no Brasil. “O diagnóstico de câncer colorretal
não é sentença de morte! No entanto, é um problema de saúde que, se não for bem
tratado, pode ter consequências sérias para o bem-estar do paciente”, alerta
Marcelo Averbach, presidente da Comissão de Ações Sociais da SOBED e
coordenador da Comissão de Prevenção do CCR da SBCP.
Segundo ele, além de serviços que ofereçam acesso
ao atendimento qualificado no diagnóstico e no tratamento, é preciso investir
em estratégias de prevenção. “Quanto mais cedo forem descobertos, maiores são
as possibilidades de intervenção e cura”.
A análise dos números oficiais permite identificar
o impacto da doença no atendimento hospitalar. A quantidade de internações
crescia em média 7% ao ano até 2019. Com a pandemia, estima-se que 9.400 mil
internações deixaram de ser realizadas somente em 2020 e no ano seguinte o
déficit tenha sido de pelo menos 13,3 mil tratamentos.
Os dados de mortalidade decorrentes desse tipo de
neoplasia indicam também que, somente em 2020 (último dado preliminar
disponível), foram registrados 18.982 óbitos por câncer do cólon e reto. Os
casos aumentam, em média, cerca de 5% a cada ano, tendo sido observado um
crescimento de 38% em relação aos casos registrados em 2011 (13.736).