Na
correria do dia a dia, muitas pessoas se deparam com uma extensa quantidade de
afazeres para dar conta. É trabalho, filhos, casa e, ainda, ter tempo para a
vida social. E com esse excesso de atividades, muitas vezes, surge a sensação
de que algo não está bem: indisposição e desânimo, falta de vontade para
realizar as tarefas. Isso tudo, no fim das contas, não se sabe se é preguiça,
cansaço ou estafa. Pensando em esclarecer essa dúvida, a especialista em Saúde
Coletiva e professora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da
Universidade UNIVERITAS/UNG, Maíra Rosa Apostolico, explica a diferença.
Qual
a diferença entre preguiça, cansaço e estafa?
A
preguiça relaciona-se com a pouca disposição ou lentidão para o trabalho;
cansaço representa a fadiga gerada pelo trabalho; e a estafa é colocada como
sinônimo de cansaço. Estes são os usos populares dos termos, embora do ponto de
vista de saúde, podem ter uma compreensão diferente.
A
preguiça não é considerada uma patologia ou estado de saúde, mas um estado de
disposição para a atividade, apontada muitas vezes como limite que antecede o
desempenho de atividades físicas ou mentais e adoção de novos hábitos. O
cansaço por si só é também um estado de disposição pessoal embora seja
posterior à atividade. A estafa, sim, está relacionada a um estado de saúde,
associado ou não a outras patologias físicas, e que pode chegar ao
comprometimento do desempenho de atividades cotidianas das pessoas. Um conceito
que vem sendo bastante difundido é o de Burnout ou Síndrome de Burnout,
considerada uma reação de estresse e se manifesta como uma exaustão física e
emocional, sentimento de frustração e fracasso, relacionado com o ambiente de
trabalho.
Por
que é tão difícil identificar a diferença entre eles?
A
dificuldade maior está em determinar os limites entre um e outro, já que os
três termos se relacionam com a disposição do indivíduo para suas atividades.
Entretanto, devemos observar o grau de comprometimento no desempenho dessas
atividades para determinar a diferenciação. Importante ressaltar, que cada
indivíduo tem respostas próprias aos acontecimentos da vida, à rotina de
trabalho, aos sucessos e desafios do dia a dia. Portanto, o que pode ser pouco
limitante para um, pode ser muito para outros.
O
que desencadeia essas sensações?
Na
atualidade, as relações sociais têm se modificado muito. Há diversos tipos de
estressores presentes no nosso dia a dia e que provocam diferentes reações nos
indivíduos. As pessoas apresentam flutuações de afeto que são inerentes das
relações humanas. Entretanto, algumas pessoas persistem em quadros chamados
depressivos, caracterizados pela menor disposição frente às demandas e acontecimentos.
Há também as causas relacionadas à atividade laboral. Já se sabe que algumas
profissões demandam mais recursos emocionais e físicos dos trabalhadores,
impondo-lhes uma carga maior de estressores. E ainda, não se pode afastar
causas físicas e orgânicas para estes sintomas, que podem ter diferentes
origens.
Como
cada um influencia no desempenho físico e mental?
É
difícil traçar um modelo ou um padrão, pois cada pessoa responde de uma maneira
muito própria e constrói mecanismos de superação, também, muito particulares. O
comprometimento pode ser desde um simples desinteresse até a incapacidade para
desempenhar atividades comuns da vida cotidiana, ou específicas do trabalho. O
importante é o indivíduo avaliar o seu próprio contexto de vida, suas necessidades
e de que forma elas estão comprometidas.
Mas é extremamente relevante observar
os sinais que o corpo e a mente apontam: se o corpo diz que algo não vai bem,
talvez seja preciso modificar hábitos, horários, rotinas para respeitar os
próprios limites. Atualmente, há um interesse muito grande em medicalizar tudo,
inclusive sentimentos, sofrimentos cotidianos, estados de espírito e o próprio
cansaço, sem se observar de fato o que está provocando este quadro. Procurar
saber o que está nos deixando doentes. Isso nos chama a atenção para o
desrespeito aos nossos limites e responsabilização dos indivíduos por um modo
de vida que nem sempre condiz com a necessidade ou a realidade.
A
urgência que a sociedade de hoje exige e a rotina atarefada podem ser
considerados os principais causadores de tudo isso?
As
elevadas exigências no mundo do trabalho cada vez mais competitivo; a
individualidade valorizada acima do interesse coletivo; a exposição ao
trânsito, à violência, às dificuldades econômicas; a falta de tempo; mas,
sobretudo, a frustração gerada nos sujeitos pela não satisfação de
necessidades, muitas vezes fabricadas pela lógica do consumo excessivo e o
status que o "ter" tem representado para as pessoas podem ser algumas
das causas. Se por um lado, a maioria da população responde aos desafios de
forma positiva, superando e construindo formas de se adaptar, outras pessoas
transformam essas frustrações em sintomas físicos e mentais, caminhando para a
fadiga e até para a depressão. Importante lembrar que esse fenômeno afeta a
todos, independentemente de idade, sexo, condição social, embora as formas de
satisfação das necessidades e frustrações sejam distintas a depender dos
recursos pessoais, sociais e econômicos que as pessoas possuem.
Ter
preguiça é algo comum e saudável? Se sim, o quanto pode ser benéfico tirar um
dia inteiro para "curtir uma preguiça"?
Não
se trata de dizer que é saudável ou não. Também depende de que perspectiva se
interpreta o termo preguiça. Na perspectiva do mundo atual, produtivo,
ininterrupto, pode-se dizer que é uma coisa ruim. Por outro lado, quando se
analisa o contexto e as cobranças sociais excessivas a que os indivíduos estão
sujeitos, o "momento de preguiça" é muitas vezes, de lazer, de
desfrute com a família, de descanso. Vivemos hoje, em uma lógica de produção e
consumo que nem sempre admite que o sujeito "relaxe" ou aproveite
momentos menos acelerados ou intensos. É como se o tempo todo as pessoas
tivessem que produzir algo material e sentem-se culpadas ao agirem diferente.
Nos esquecemos que momentos de descontração também podem significar uma
oportunidade de criatividade e imaginação. Nesta perspectiva, o "dia de
curtir a preguiça" pode ser muito benéfico.
Cansaço
excessivo pode ser sinal de doença? Se sim, qual ou quais seriam essas
enfermidades?
Pode
sim. Há diversas doenças que tem como manifestação clínica o cansaço, como
distúrbios hormonais, cardiovasculares e metabólicos. Uma avaliação criteriosa
do estado de saúde, incluindo avaliação nutricional e física são fundamentais
para diferenciar o cansaço proveniente da sobrecarga do cansaço como sintoma de
doença. Entretanto, insisto no ponto de que a rotina deve ser igualmente
analisada, buscando-se identificar não só os estressores biológicos, mas
sociais também. É importante que antes de medicalizar ou querer dar nome de
doença ao cansaço, o contexto de vida seja considerado e reformulado.
Quando
é necessário procurar um profissional para saber a causa de tanto desânimo e se
isso já se tornou algo prejudicial para a saúde?
Sempre
que as chamadas flutuações de afeto forem persistentes e limitarem o desempenho
das atividades cotidianas das pessoas, sua causa deve ser investigada. Manter
os exames de saúde periódicos em dia é fundamental para um diagnóstico precoce
de qualquer quadro mais grave.
Como
fazer para combater cada um desses três problemas?
O
que precisamos fazer é aprender a interpretar os sinais que o nosso corpo nos
transmite, entendendo quando é tempo de reformular a vida, naquilo que é
possível reformular. Ignorar tais sinais fará com que haja comprometimentos
físicos e mentais, agravando e transformando o cansaço em fadiga crônica, em
crises de estresse e outros quadros mais graves. Falamos muito da atividade
laboral, mas não podemos esquecer do trabalho doméstico não remunerado, que
também é uma atividade causadora de sobrecarga, muito negligenciada, pouco
reconhecida e que afeta em geral, as mulheres. Portanto, rever o modo de vida,
dentro do possível, dedicar-se a uma atividade laboral que também satisfaça
preferências pessoais, elencar prioridades na rotina diária, ter uma rotina de
horários e hábitos, dividir tarefas domésticas entre os membros da família,
manter uma alimentação saudável, rica e variada, praticar atividades físicas,
ter momentos de lazer sozinho, com a família e com amigos, entre tantas outras
práticas. Enfim, ocupar-se não só das obrigações, mas também de atividades
prazerosas. Atividades de voluntariado têm sido associadas à satisfação
individual e coletiva, motivando as pessoas e gerando sentimentos de pertença,
reconhecimento, capacidade e satisfação.