Hoje em dia, não existe lei que
regulamente o distrato, que é o desfazimento de contratos celebrados para a
compra de imóveis na planta. Atualmente, quem se encontra nessa situação, deve
submeter-se a um acordo com o incorporador ou, quando não é possível, a uma
ação judicial.
Diante da crise imobiliária que temos
passado nos últimos anos, composições amigáveis entre adquirentes desistentes e
incorporadores têm sido cada vez mais difíceis, o que resultou no significativo
aumento de ações judiciais para discutir seus termos, sobretudo o percentual do
valor pago a ser devolvido, prazo para essa devolução e eventuais descontos incidentes.
Além de comprometer ainda mais o
andamento já moroso do Poder Judiciário, essas ações judiciais ainda não
encontraram um tratamento uniforme pelos nossos tribunais, o que tem trazido
insegurança jurídica para ambas as partes envolvidas e, claro, consequências
para toda a sociedade consumidora dos serviços judiciais.
Essa situação, porém, está prestes a
mudar. No último dia 06 de junho, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de
Lei nº 10.728/2018, que regulamenta o chamado distrato.
Se convertido em lei, após aprovação
do Senado Federal e posterior sanção do presidente da República, o projeto
aprovado irá ao encontro da jurisprudência que vem se formando em nossos
tribunais sobre a matéria. Isso porque, reconhecerá, de um lado, o direito do adquirente
de desistir do negócio e de receber de volta parte do que pagou e, de outro, o
direito do incorporador de lhe impor penalidades caso ocorra essa desistência.
De acordo com o projeto, os
adquirentes que desistirem da compra de um imóvel comprado na planta pagarão
multa de até 50% do valor já pago, caso o imóvel tenha sido construído sob o
chamado “regime de afetação” – quando o patrimônio é separado legalmente
daquele do incorporador –, ou de 25% do valor já pago, se o imóvel não estiver
submetido a esse regime. Se, porém, o adquirente encontrar outro interessado em
assumir seu contrato e o incorporador aprovar essa transferência, não haverá
retenção dos valores pagos.
Além de regrar o limite da multa
aplicável, o projeto aprovado também traz maior segurança jurídica ao prever
que haverá o desconto da comissão de corretagem, dos impostos incidentes sobre
o imóvel, de eventuais taxas de condomínio e de espécie de aluguel, conforme
valor previsto em contrato, ou se não houver essa previsão, conforme valor
fixado em juízo, caso a desistência ocorra após o adquirente entrar no imóvel.
A devolução do dinheiro para o
adquirente será feita em parcela única até 30 dias após o habite-se do imóvel
construído sob o regime de afetação (e não mais de forma imediata, como tem
sido entendido pelos nossos tribunais) ou em até 180 dias após a assinatura do
distrato, quando o imóvel não estiver submetido a tal regime.
O projeto aprovado pacifica ainda o
prazo de 180 dias de tolerância para a entrega do imóvel, sem ônus para o
incorporador, como também têm sido entendido pelos nossos tribunais. Após esse
prazo, está previsto que o incorporador terá de devolver todo o valor já pago
pelo adquirente e lhe pagar a respectiva contratual, tudo no prazo de 60 dias.
Quando não existir a previsão dessa multa, o adquirente terá direito a
indenização de 1% do valor já pago por cada mês de atraso, corrigido
monetariamente.
Embora existam opositores ao projeto,
sobretudo ao percentual aprovado da multa, que argumentam se tratar de
penalidade severa ao adquirente que não tenha calculado direito o peso do
pagamento das parcelas do imóvel no seu orçamento mensal ou que venha a sofrer
redução na sua capacidade econômica durante o contrato, por exemplo, devido à
perda do emprego, é inegável que a matéria carece de regulamentação. E nesse
sentido, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados trata-se de importante
avanço, na medida em que regra consequências para o adquirente e para o
incorporador e, assim, traz mais segurança jurídica às suas relações e para a
própria economia do país, tão sensível aos reflexos do cenário imobiliário.
Ainda que passível de alterações em
seu trâmite legislativo, a conversão do projeto em lei certamente contribuirá
para a retomada do crescimento do mercado imobiliário brasileiro, bem como para
a resolução de possivelmente milhões de processos judiciais que tratam do tema
e aguardam decisão.
Gustavo
Milaré - advogado, mestre e doutor em Direito Processual Civil e sócio do
escritório Meirelles Milaré Advogados