Mercado de bets pode crescer 16% até 2027, mas já é uma preocupação entre os varejistas pois a renda do consumidor destinada a despesas essenciais têm sido 'desviada' para essas plataformas, segundo estudo do IDV apresentado em reunião do Conselho Consultivo da ACSP
Dentro dos ônibus, nas redes
sociais, expostas em camisas de times de futebol. As apostas esportivas
on-line, as famosas bets, cresceram rapidamente na vida dos brasileiros e
passaram a fazer parte do cotidiano dos consumidores. Segundo o Instituto para
Desenvolvimento do Varejo (IDV), 52 milhões de consumidores adultos já fizeram
apostas esportivas on-line.
Destes, 25 milhões começaram a
fazer apostas nos sete primeiros meses de 2024. De acordo com Jorge Gonçalves
Filho, presidente do IDV, na reunião do Conselho Consultivo da Associação
Comercial de São Paulo (ACSP), realizada na última sexta-feira (04/10), o
Brasil vive hoje uma "epidemia do azar", expressão que nomeia o
estudo realizado pelo instituto sobre o assunto. Isto porque muitos
brasileiros têm investido nessas plataformas um dinheiro que iria para despesas
essenciais.
Outro levantamento, do
Instituto Locomotiva, mostra que 51% dos brasileiros utilizam, nesses sites de
apostas, dinheiro que pouparam no final do mês. Outros 48% usam o que era para
ser gasto em bares e restaurantes e, 41%, para compra de roupas e acessórios.
Já a pesquisa realizada pela
Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) com a AGP revela que 19 milhões
de brasileiros afirmam que já usaram dinheiro destinado a outras coisas
importantes em sites de apostas.
63% dos brasileiros afirmam que
já tiveram parte da sua renda comprometida com apostas. Além disso, 66% dos
consumidores que já ganharam em apostas esportivas usaram ao menos uma parte do
valor para apostar de novo.
As famílias de baixa renda são
as mais afetadas, já que 79% dos apostadores são das classes sociais C, D e E,
enquanto 21% são das classes A e B. Segundo dados do Banco Central divulgados
em agosto, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família enviaram cerca de R$ 3
bilhões via Pix para plataformas de apostas.
Com isso, um alerta vermelho se
acende no varejo, já que parte da renda que iria para atividades básicas como
compras em restaurantes, delivery, contas, ou até mesmo para roupas e
acessórios estão sendo utilizados em sites de apostas.
Para Gonçalves, do IDV, além de
essas famílias deixarem de investir em gastos essenciais, as apostas nestas
plataformas acendem também um alerta para problemas na saúde mental, assim como
para a inadimplência.
A pesquisa do Instituto
Locomotiva aponta ainda que 30% dos brasileiros que fazem apostas on-line já
tiveram prejuízo nas relações pessoais por conta delas. Além disso, 42% afirmam
que utilizam as apostas para escapar de problemas ou pensamentos negativos. E
67% dos entrevistados afirmam que conhecem pessoas viciadas em apostas.
Outro problema destacado pelo
presidente do IDV é o rápido crescimento dessas plataformas de apostas, que
entraram no Brasil em 2018 e hoje representam grande parte dos gastos com
propaganda. Enquanto em 2023 essas empresas investiram R$ 1,31 bilhão em
publicidade, em 2024, estima-se que foram investidos R$ 2 bilhões em anúncios.
Além disso, uma pesquisa da
PWC/CETIC mostra que 68% dos brasileiros afirmam que tiveram influência em
propagandas, anúncios, ou patrocínio em camisetas de times de futebol para
apostar.
Além de apresentar pesquisa sobre bets, ACSP, Procon-SP e IDV constituiram a Câmara Setorial do Comércio para prevenir e solucionar questões que afetam varejistas e consumidores |
Segundo Gonçalves, é preciso que as publicidades dessas plataformas tenham as
mesmas restrições de outras atividades viciantes, como tabaco e bebidas
alcoólicas e, dessa forma, controlem essa 'massa' de anúncios.
A pesquisa ainda revela que o
investimento em bets já equivale ao PIB dos principais setores econômicos,
chegando em 2024 ao valor parcial de R$ 1,74 bilhão, enquanto o mercado
automotivo representa, por exemplo, R$ 1,33 bilhão. O mercado de bets pode
crescer 16%, atingindo R$ 176 bilhões até 2027.
Além da preocupação com
plataformas de apostas on-line, Gonçalves alerta para o perigo da
aprovação da PL 2234/2022, que dispõe sobre a exploração de jogos e apostas em
todo o território nacional, pois abre margem para atividades como as que estão
acontecendo em Campina Grande, onde há uma grande loja em que os apostadores
podem ir jogar.
O QUE PODE
SER FEITO
Para lidar com essa epidemia,
Gonçalves destacou uma série de ações necessárias, como a taxação de impostos
semelhantes à de outros vícios, como tabaco e bebidas alcoólicas, que podem
ultrapassar 80% do valor final do produto, assim como restrições do uso do
Bolsa Família, através do CPF, em qualquer plataforma de aposta, por qualquer
modalidade de pagamento. Outra seria a obrigatoriedade de as bets custearem as
despesas de saúde sobre a ludopatia, doença do vício em jogos.
Além disso, o presidente do IDV
destacou a necessidade da antecipação da proibição de cartão de crédito em
qualquer tipo de aposta, medida tomada pela Associação Brasileira das Empresas
de Cartão de Crédito (Abecs), na última semana.
Roberto Mateus Ordine,
presidente da ACSP, destacou também a importância de as plataformas on-line
serem regulamentadas, uma vez que hoje elas crescem rapidamente, mas não
possuem regras adequadas.
Ao lado de Fábio Pietro de
Souza, secretário da Justiça do Estado de São Paulo, e Luiz Orsatti Filho,
diretor do Procon-SP, destacou que, desde o final de 2023, o órgão criou uma
comissão para Jogos e Apostas, com o objetivo de discutir exclusivamente essa
questão uma vez que o apostador é um consumidor.
Dessa forma, há um processo de
divulgação dos direitos dos consumidores nessas plataformas, o processo de
crédito irresponsável para apostadores e orientações sobre educação financeira.
Além disso, Orsatti destacou
que através dessa comissão já encontrou diversas ações no mercado que podem ser
objeto de atuação por propaganda enganosa, e destacou a importância dessa regularização.
Como exemplo, citou empresas do ramo que são registradas como micro e
pequenas, porém arrecadam muito mais do que as dessas categorias.
CÂMARA
TÉCNICA SETORIAL DO COMÉRCIO
Durante a reunião, foi assinada
a criação da Câmara Técnica Setorial do Comércio entre ACSP, Procon-SP e IDV,
que tem como objetivo discutir, prevenir e resolver problemas coletivos do
setor que afetam varejistas e consumidores - como é o caso das
bets. Assim, a Câmara Técnica pode auxiliar os empresários em uma única
sessão, evitando desgastes e mantendo o relacionamento entre fornecedores,
consumidores e empreendedores.
O objetivo da Câmara é ser um
canal institucional de comunicação para o setor, possibilitando um maior número
de atendimentos aos empresários para facilitar a resolução de demandas.
Além do presidente Ordine e dos
representantes da Secretaria de Justiça e Cidadania de São Paulo, do Procon e
do IDV, participaram da solenidade o superintendente de Serviços Institucionais
da ACSP Renan Luiz Silva, e o membro do Conselho Consultivo da entidade Alfredo
Veloza.
FOTOS: Freepik e Alan Silva
Rebeca Ribeiro
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/epidemia-do-azar-52-milhoes-de-brasileiros-ja-fizeram-apostas-on-line
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