Pesquisa realizada com
camundongos revelou que o vírus da COVID-19 utiliza células responsáveis pela
produção de testosterona para se replicar, interferindo no metabolismo
lipídico. Achado ajuda a explicar a queda do hormônio e, possivelmente, de
colesterol em pacientes com quadros graves da doença
O vírus da COVID-19 sequestra a
maquinaria de células testiculares que produzem o hormônio testosterona para
conseguir se replicar. Além disso, se apropria das vias metabólicas dessas
células e do colesterol – precursor da testosterona – alterando o metabolismo
lipídico para sua formação. Foi o que pesquisadores da Faculdade de Odontologia
da Universidade Estadual de São Paulo (FOAr-Unesp), em parceria com a Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), verificaram em testículos de
camundongos transgênicos.
O estudo apoiado pela FAPESP revelou, pela primeira vez, a
presença de partículas do SARS-CoV-2 nas inclusões lipídicas e organelas
responsáveis pela produção de testosterona nas células de Leydig. Além disso,
os pesquisadores descreveram o mecanismo pelo qual o vírus interfere no
funcionamento dessas células testiculares. A descoberta ajuda a esclarecer por
que pacientes do sexo masculino com quadros graves de COVID-19 apresentam
redução nos níveis de testosterona e, possivelmente, de colesterol.
“Após infectar as células de
Leydig, presentes nos testículos, o vírus usa as vias do metabolismo lipídico e
a estrutura celular para se replicar, o que prejudica a produção de
testosterona. Isso acontece porque essas células, responsáveis por produzir
testosterona, expressam altas concentrações do receptor ACE2, facilitando a
entrada do vírus”, explica Estela Sasso-Cerri, professora da FOAr-Unesp, em
Araraquara, que coordenou o estudo publicado na Frontiers in Cellular and
Infection Microbiology. “Além disso, as células são responsáveis por
armazenar colesterol – essenciais para a síntese de testosterona – e contêm uma
maquinaria celular especializada na produção de hormônios esteroides,
tornando-se um alvo favorável para a infecção.”
A pesquisa foi realizada com
camundongos transgênicos, desenvolvidos em laboratório, que expressam o
receptor viral ACE2. Ao serem infectados, desenvolvem a COVID-19 de maneira
semelhante aos humanos, permitindo uma melhor compreensão do mecanismo
utilizado pelo vírus.
“Observamos que tanto no
testículo do camundongo transgênico como no testículo humano havia uma intensa
concentração de ACE2 nos mesmos tipos celulares. O resultado valida, portanto,
o modelo usado no estudo e confirma que o testículo é um órgão alvo do
SARS-CoV-2", afirma a pesquisadora.
No experimento, os pesquisadores
constataram que o SARS-CoV-2 é capaz de alterar o metabolismo lipídico das
células de Leydig. Isso acontece porque o colesterol que a célula armazena para
a produção de testosterona passa a ser usado pelo vírus para a sua replicação.
Dessa forma, apesar da baixa presença de testosterona nas células de Leydig
infectadas, elas estavam repletas de lipídios, pois o vírus também induziu um
aumento na internalização de colesterol para sua própria replicação e formação.
Caráter
imunológico
No estudo também foram
observadas mudanças no perfil funcional das células de Leydig. Após serem
infectadas pelo vírus, elas cessaram a produção de hormônios esteroides a
partir do colesterol e passaram a assumir um perfil imunológico. “A infecção
pelo SARS-CoV-2 também induziu as células de Leydig a produzir citocinas
pró-inflamatórias em grande quantidade, um processo que normalmente não
desempenham. Esse aumento de citocinas, certamente, pode também ter interferido
na produção de testosterona, prejudicando essa função principal”, detalha Salmo Azambuja de Oliveira, aluno do Programa de Biologia
Estrutural e Funcional (BEF) da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), bolsista da FAPESP e primeiro autor do estudo.
Com os achados, o trabalho
avança na compreensão dos processos celulares e moleculares associados à
disfunção endócrina testicular causada pela infecção viral. “Os resultados
corroboram os baixos níveis de colesterol verificados clinicamente em pacientes
com COVID-19 grave, podendo esclarecer a vulnerabilidade de homens à COVID-19
bem como a alta taxa de mortalidade masculina, em comparação com a das
mulheres. O estudo também abre caminho para a elaboração de marcadores que
indicam a severidade da COVID-19, bem como de terapias para o tratamento da doença
com base em drogas [hipolipemiantes] que interferem no metabolismo lipídico e
inibem a ação viral”, afirma Sasso-Cerri.
O artigo SARS-CoV-2
exploits steroidogenic machinery, triggers lipid metabolism for viral
replication and induces immune response in Leydig cells of K18-hACE2 mice pode
ser lido em: www.frontiersin.org/journals/cellular-and-infection-microbiology/articles/10.3389/fcimb.2025.1538461/full.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/sars-cov-2-infecta-celulas-dos-testiculos-e-usa-seus-recursos-para-se-multiplicar/55214

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