Estudo encomendado
pelo Movimento Pessoas à Frente, com lideranças femininas na esfera federal,
revela os principais desafios para essas servidoras e as estratégias para
igualdade de gênero no setor;
45,7% das
entrevistadas apontaram desrespeito no trato, incluindo o assédio moral, como
entrave na ascensão profissional; e 71,4% declararam a dificuldade de
conciliação da carreira com o trabalho de cuidado e a maternidade
Pesquisa “Mulheres
em cargos de liderança no Executivo federal: reconhecendo desafios e
identificando caminhos para igualdade”, encomendada pelo Movimento Pessoas
à Frente e coordenada pela pesquisadora da UnB (Universidade de Brasília)
Michelle Fernandez, ouviu 70 servidoras públicas em cargos de chefia na esfera
federal para entender quais seus principais desafios para ascensão de carreira.
O resultado das entrevistas mostra um cenário ainda
longe do ideal na perspectiva de igualdade de gênero. Para as lideranças
femininas na burocracia federal pesam na ascensão da carreira, segundo 72,8%
delas, a cobrança excessiva e a expectativa de excelência de seus pares, a
dificuldade de conciliação da carreira com o trabalho de cuidado e a
maternidade (para 71,4% das entrevistadas), a estrutura machista/sexismo do
ambiente de trabalho no serviço público (para 64,2%), as relações interpessoais
e indicações entre homens (para 48,5%), e o desrespeito no trato - incluindo o
assédio moral (para 45,7%).
A pesquisa analisou as respostas das mulheres em
cargos de liderança com base na categorização das respostas em temas, que
emergiram da literatura especializada, e subtemas, identificados a partir das
entrevistas.
“O que as pesquisas têm mostrado é que a presença
de mulheres em cargos de liderança diminui na medida em que o nível hierárquico
aumenta. Nesse estudo, percebemos que o desafio mais citado é o de não
possuírem o direito de errar. As mulheres, especialmente as negras, relatam que
precisam ser infinitamente melhores do que os homens para ocuparem as mesmas
posições. Tudo isso em um ambiente onde, como mostra a pesquisa, elas precisam
conviver com desrespeito e assédio moral diariamente”, destaca
Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente. “Além
disso, todas as mulheres, inclusive aquelas que não são mães, reconhecem o
impacto da maternidade e do trabalho do cuidado enquanto dimensões que as
desqualificam diante de seus pares no poder e as colocam como impossibilitadas
de ocupar cargos de chefia, funções nas quais supostamente deveriam estar
integralmente disponíveis para o trabalho”, complementa.
Ascensão na carreira e a cobrança por produtividade
e conhecimento
Outro aspecto analisado no estudo é a visão das
lideranças femininas sobre os fatores considerados relevantes para a ascensão
na carreira. O acúmulo de conhecimento técnico e a produtividade são apontados
como importantes para quase todas as entrevistas – apenas seis delas não citaram
essas habilidades como estratégicas para subir de cargo. Em segundo
lugar, aparece o chamado “capital social” (rede de relações
interpessoais), que foi citado por 60 lideranças (ou 85,7%) e
identificado 123 vezes em suas falas.
“O conhecimento técnico e a capacidade de se
relacionar e de construir redes interpessoais se tornam aliados fundamentais
para a ascensão de mulheres a cargos de liderança, mesmo que os desafios como
sobrecarga, exigências, estrutura machista e ambientes hostis não se mostrem
superados”, diz Michelle Fernandez, professora do Instituto de Ciência Política da
UnB e coordenadora da pesquisa.
Para entender quais as proposições que essas
mulheres teriam para a igualdade de gênero no setor público, a pesquisa
procurou saber a percepção delas sobre possíveis estratégias e ações. Para 51,4%
das entrevistadas deveriam ter políticas afirmativas para mulheres em cargos de
liderança, com reserva de metade dos cargos para elas. A oferta de capacitação
e treinamento voltado para lideranças e mentorias entre mulheres é citada por
42,8% das entrevistadas; já a institucionalização de políticas de cuidado para
inclusão de mães e gestantes foi mencionada por 28,5%.
Lideranças femininas no setor público
O Brasil ocupa o último lugar (15º) no ranking de
participação feminina em cargos de liderança na América Latina, segundo um
estudo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de 2022. Uma nota
técnica do Movimento Pessoas à Frente, a partir dos dados do Observatório de
Pessoal do Governo Federal (2023), mostrou que apesar de serem maioria na população,
as mulheres ocupam 42% dos cargos de chefia no executivo federal. Nas funções
de natureza especial, como secretários executivos e subchefias, elas são apenas
27%, contra 73% de homens. Considerando a questão de raça, o número se mostra
ainda mais desafiador: somente 8% desses cargos são ocupados por mulheres
negras.
Cabe destacar que o Brasil não possui atualmente
políticas que garantam a equidade de gênero no serviço público. “Precisamos
de um funcionalismo que espelhe verdadeiramente as características de nossa
população, para que as decisões sejam tomadas de acordo com as reais
necessidades dos cidadãos e cidadãs. Só com uma burocracia representativa será
possível entregar os melhores serviços a todos os brasileiros”,
finaliza Jessika.
Diante desse cenário, o Movimento Pessoas à Frente
realizou o Grupo de Trabalho (GT) Mulheres no Serviço Público com objetivo de
construir de forma colaborativa recomendações para melhorar o acesso, ascensão
e permanência de mulheres na administração pública. “Unimos 80 pessoas, em sua
grande maioria mulheres, todas referências em suas áreas de atuação, para
trazer seu conhecimento e experiência à serviço da proposição de um governo
mais representativo”, conta Luana Dratovsky, Coordenadora de
Articulação do Movimento e do grupo de trabalho. Dez encontros ocorreram entre
maio e novembro e culminaram no guia “Mulheres no Serviço Público -
recomendações para acesso, ascensão e permanência”, que será lançado pela
organização no dia 27 de novembro durante o XXIX Congresso Internacional do
CLAD (Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento) sobre a
Reforma do Estado e da Administração Pública, promovido pelo Ministério da
Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), em parceria com a Escola
Nacional de Administração Pública (Enap) e a Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais (Flacso Brasil) em Brasília.
Movimento Pessoas à Frente
https://movimentopessoasafrente.org.br/
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