O ano de 2023 foi marcado por muitos eventos que adicionaram ainda mais incerteza ao mercado global de petróleo. Em especial, a guerra no Oriente Médio poderia provocar uma enorme elevação dos preços do petróleo, uma vez que a região abriga cerca de metade das reservas comprovadas do mundo. Porém, observa-se que o preço do petróleo Brent tem se mantido na faixa USD 80 por barril e, mais recentemente, na faixa de USD 70 por barril. Para 2024, a EIA (Energy Administration Agency nos EUA) estima um preço médio em cerca de USD 83 por barril.
De fato, fazer previsões de preço de commodities
é uma tarefa complexa. Na prática, elas possuem valores que acompanham a
demanda e a capacidade de oferta global e, no caso do petróleo, é ainda mais
complexo em função de inúmeros desafios geopolíticos e pelo fato de existir uma
influência dominante da OPEP+ (organização dos países exportadores de petróleo,
que inclui a Rússia, México, Malásia, entre outros 10 países), que controla
cerca de 40% da oferta global de petróleo.
Nos últimos dois anos, a OPEP+ tem conduzido uma
política mais restritiva na oferta para fazer frente a suas despesas
orçamentarias domésticas dos países membros. Esta estratégia tem sido na
contramão do ocidente, que busca maior estabilidade de preços e mitigação dos
efeitos da inflação elevada no período pós-pandemia. Assim, o bloco trava um
“cabo de guerra” com o ocidente, principalmente EUA, para manter a oferta
global um pouco abaixo da demanda e, com isto, alcançar patamares de preços
mais elevados.
Os EUA têm desempenhado um papel de grande
relevância na estabilidade do mercado global de petróleo. Em especial no
segundo semestre de 2023, o país atingiu recordes de produção, em particular de
“shale
gas”, na região oeste do Texas, na bacia chamada de “Permian
Basin”. E, para fortalecer sua posição no controle de preços
internacionais, o país também fez uso de reservas estratégicas – saindo de
617,8 para 351,3 milhões de barris nos últimos dois anos, uma redução de cerca
de 53%.
Desde o início da guerra entre Rússia-Ucrania, na
mesma direção, a União Europeia (UE) ampliou os seus estoques de petróleo para
fazer frente a eventuais cortes de produção pelo bloco OPEP+. Além disso, vem
buscando alternativas para diminuir a dependência do gás natural proveniente da
Rússia, e acelerando a transição energética com diversas fontes renováveis.
Desta forma, o mundo pós-pandemia lida com uma nova
e complexa dinâmica no mercado de energia, em particular no setor de petróleo,
com choques sucessivos na cadeia de suprimento e pressões inflacionárias
significativas – principalmente, pela elevação nos preços de energia e commodities.
Adiciona-se a este contexto as guerras na Europa (Rússia-Ucrania) e no Oriente
Médio (Israel-Hamas), tornando o ambiente geopolítico e econômico mais adverso
e incerto.
Entretanto, diferente de outras crises no passado,
o mercado parece estar mais equipado e resiliente para lidar com adversidades.
O principal fator do lado da oferta é a revolução do “Shale Gas”
nos EUA, que tornou o país o maior produtor de petróleo do mundo e vem atuando
como contrapeso aos cortes sucessivos de produção da OPEP+.
Para se ter ideia da magnitude da influência dos
EUA, na mesma época, no ano passado, as agências de governo nos EUA projetavam
que a produção interna seria em média de 12,5 milhões de barris por dia no
último trimestre de 2023.
Entretanto, essa estimativa aumentou para 13,3
milhões – a diferença equivale a acrescentar uma nova Venezuela ao
abastecimento global. Adicionalmente, o aumento da produção de atores de fora
da OPEP+, tais como Canadá (Out 2023: 4,8 MM bbl/d), Brasil (Out 2023: 3,5 MM
bbl/d), Guiana (Nov 2023: 0,6 MM bbl/d), entre outros, tem sido um fator que
contribui de forma significativa para a oferta global.
Do lado da demanda, porém, espera-se que já no
primeiro trimestre de 2024, o Federal Reserve (banco central
americano) inicie a queda na taxa básica de juros nos EUA, que deve estimular
de forma mais acentuada o consumo e investimentos no país, afastando o cenário
antes esperado de recessão.
Igualmente importante, a China apresenta indícios
de recuperação, ou pelo menos, a atividade econômica demonstra sinais de
resiliência acima do esperado. Observa-se ainda, uma dinâmica geopolítica bem
diferente no mundo, com grandes movimentos em relação a segurança, transição
energética e iniciativas coordenadas dos países para enfrentar as mudanças
climáticas, tais como a COP (Conference of Parties), conferência
organizada anualmente pela ONU.
No cenário doméstico, também observamos
movimentações importantes. Seguindo a onda internacional, o Brasil vem
investindo de forma decisiva na transição energética nos últimos anos, com
possibilidade de se tornar um exportador líquido de crédito de carbono se
progredir na regulamentação deste mercado e diminuir as queimadas ilegais,
principalmente na região amazônica. Nota-se, também, que o país se destaca com
um avanço significativo de oferta de energia proveniente de fontes renováveis e
na produção de biocombustíveis.
Atualmente, a oferta de energia interna do país
conta com a participação de cerca de 48% de fontes de energia renováveis,
enquanto a média mundial está na faixa de 16%. Não menos importante, cabe
mencionar que o Brasil, além de possuir uma vocação relevante na produção de
energia de fontes renováveis e biocombustíveis, mais recentemente, vem se
destacando na produção de hidrogênio verde, resultado de sua diversidade em
fontes de energias renováveis e abundância de ativos neste setor.
Outro movimento, diz respeito ao reposicionamento
estratégico da Petrobras – Novo Plano Estratégico 2024-2028. Nesta nova edição
do plano estratégico, a empresa sinaliza uma mudança relevante que, em
princípio, encontra-se em desacordo com o TCC (Termo de Compromisso de
Cessação), firmado com o CADE, em meados de 2019. Neste novo plano, a empresa
indica que irá fortalecer sua posição nos setores de refino e petroquímico –
movimento de verticalização e com implicações concorrenciais importantes.
Seguindo em linha com esta direção, a empresa,
inclusive, já anunciou o cancelamento de venda de parte do seu parque de refino
e a possibilidade de recompra e/ou acordo de cooperação dos ativos já
negociados, além da ampliação de sua participação e/ou compra da Braskem, no
setor petroquímico. Assim, a Petrobras demonstra que tem a intenção de
fortalecer sua posição dominante nos vários segmentos em que atua. Este posicionamento
vai na contramão no desenvolvimento de um mercado aberto, dinâmico e
competitivo. E, certamente, desmotiva novos investimentos do setor privado, o
que pode provocar distorções concorrenciais com possíveis efeitos deletérios à
sociedade.
Mais interessante seria, talvez, se a empresa
optasse por um modelo de parcerias em alguns destes segmentos e, assim, criar
oportunidades para novos entrantes e/ou empresas existentes operarem nos
segmentos onde a Petrobras não possui vantagem competitiva ou não se alinha com
seu core business.
Nestes casos, a empresa poderia participar com sua
expertise e/ou até como potencial investidor – ganha o mercado com inovação e
diversidade de atores; ganha a sociedade com oferta de produtos e serviços com
preços mais competitivos. A consequência para sociedade seria maior geração de
empregos e renda e, finalmente, uma maior arrecadação e investimentos do setor
privado pelo governo.
Somado a isso, há o recente anúncio de que o Brasil
pretende participar do cartel de países exportadores de petróleo OPEP+,
inicialmente como observador – e, neste caso, sem imposição de cota e/ou
direito a voto. Certamente, no formato atual, a Petrobras, por ser uma empresa
de economia mista e listada em bolsa, não poderia se submeter a quotas de
produção e, neste sentido, restaria somente a fração de óleo que a União tem
controle através dos contratos de partilha da produção. Atualmente, estes
contratos estão sob gestão da PPSA (Pré-Sal Petróleo/ SA), que administra um
portfólio de contratos na região do pré-sal com cerca de 900 mil bbl/d de
produção (último boletim Agosto de 2023).
A busca pela participação do Brasil de uma forma
mais efetiva, demonstra uma preocupação cada vez maior da OPEP+ de aumentar a
participação de países não membros no bloco, notadamente, caso do Brasil e da
Guiana. Os países de fora da organização com produção crescente e relevante
enfraquecem a influência da OPEP+ no mercado global e possibilitam um maior
controle dos preços pelo ocidente, em particular EUA.
Desta forma, o Brasil, sendo um exportador líquido
de petróleo e em ascensão, ser membro da OPEP+ somente por razões políticas,
enfraqueceria sua posição de destaque no cenário global. Isso representa um
verdadeiro “tiro no pé” pelo fato de o país ainda não ser autossuficiente em
derivados, gerando uma preocupação adicional no controle da inflação, já que a
estratégia do bloco é pela manutenção de preços de petróleo mais elevados. Como
dizia o economista Roberto Campos, “o Brasil não perde uma oportunidade de perder
uma oportunidade”.
Felipe Kury - ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e Managing Partner na FK Energy Partners.
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