Pacientes Rômulo e Cleverson entraram no Hospital Universitário Cajuru sem se conhecerem e saíram de lá unidos por um laço de irmandade Créditos: Arquivo pessoal |
Com mais de 4,2
mil transplantes de órgãos no primeiro semestre, Brasil desponta como líder
mundial e reúne histórias de pessoas que tiveram nova chance após cirurgia
Em agosto de 2023, a doação de órgãos mudou a vida
de dois paranaenses para sempre. A notícia de que um rim esperava por cada um
deles, veio seguida de uma surpresa. Após receberem o órgão do mesmo doador, os
pacientes Rômulo Messa Cardoso e Cleverson Meiras de Souza entraram no Hospital
Universitário Cajuru, em Curitiba (PR), sem se conhecerem e saíram de lá unidos
por um laço de irmandade. "Recebi uma nova chance de viver e, ao mesmo
tempo, alguém com quem compartilhar essa jornada de recuperação. Um irmão de
rim que logo se tornou um amigo para conversar, dar risadas e fazer
planos", conta Rômulo, de 33 anos, que começou a apresentar refluxo
urinário na infância.
Mais do que irmãos de rim, os pacientes também se
tornaram vizinhos. Natural de Foz do Iguaçu, interior do Paraná, Cleverson
precisou encontrar uma casa para morar próximo da capital paranaense durante os
três meses após a cirurgia. Foi no hospital que ele descobriu que seu novo
endereço seria ao lado de Rômulo, em Araucária. "Ele não poupou esforços
para me ajudar e, por meio dessa constante troca de informações e experiências
diárias, está se consolidando uma amizade verdadeira que sei que vou carregar
comigo para sempre", afirma Cleverson, de 32 anos, que estava há mais de
três anos aguardando por um rim.
Para que transplantes como o de Rômulo e Cleverson
deem certo, são muitos os profissionais que correm contra o tempo nos
bastidores do processo de doação de órgãos. São parte fundamental equipes como
a do laboratório de imunogenética do Hospital Universitário Cajuru, que é
considerado referência da Central de Transplantes do Paraná, ao atender um
total de vinte equipes transplantadoras de rim, pâncreas, coração, pulmão e
medula óssea. "Com a mais avançada tecnologia disponível no mercado,
realizamos exames de compatibilidade e fazemos a avaliação imunológica do
paciente nas fases pré e pós-transplantes. É a partir do cruzamento desses
dados e de diversos critérios, como gravidade, compatibilidade e tipagem
sanguínea, que se define e seleciona a lista dos pacientes", explica a
imunogenicista e diretora do laboratório, Cristina Von Glehn.
Ato de amor
Movida pelo amor à irmã mais velha, a enfermeira
Daniela Ribas, de 31 anos, doou uma parte de si no momento em que a saúde de
Rosângela Fernandes mais precisava. A ligação entre elas se tornou ainda mais
forte, a partir do transplante renal realizado em 29 de agosto de 2022, no
Hospital Universitário Cajuru. A doação em vida apenas foi possível porque a
doadora apresentava compatibilidade com a paciente e boas condições de saúde.
"Ver minha irmã sofrendo com a doença renal crônica e dependendo da
hemodiálise me fez não ter dúvidas de que precisava ajudá-la. Sem que ela
soubesse, solicitei o exame de histocompatibilidade para o nefrologista
responsável e, dias depois, chorei de emoção ao descobrir que poderia ser a
doadora", revela Daniela, que trabalha no mesmo hospital onde o
transplante foi realizado.
De mãos dadas no pré-operatório, a união das irmãs
foi selada para toda a vida. Após mais de 12 meses de espera por um rim,
Rosângela pode voltar a aproveitar os momentos em família e fazer novos planos.
"Ter a Daniela como minha doadora traz uma emoção que vai além do que
conseguiria expressar em palavras. Nunca vou deixá-la esquecer que, se estou
aqui hoje, é porque ela tomou uma decisão grandiosa e salvou a minha vida. Para
ela, toda a minha gratidão e amor", reconhece a transplantada renal, de 40
anos, que convive com a diabetes tipo 1 desde jovem.
Da insuficiência renal até o
transplante
O Brasil desponta como um dos líderes mundiais em
transplante e retoma os índices pré-pandemia. Segundo dados da Associação
Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), foram quase 26 mil transplantes de
órgãos, tecidos e medula óssea em 2022 e, apenas no período de janeiro e junho
de 2023, foram realizadas cerca de 14,1 mil cirurgias, sendo mais de 2,8 mil
delas relacionadas ao rim. Dentro dessa operação, o Hospital Universitário
Cajuru, que atende exclusivamente pelo SUS, é referência e já realizou 36
transplantes renais nos primeiros oito meses deste ano. “A excelência da equipe
de transplante torna possível que, entre 95% e 98% dos casos, haja sobrevida do
enxerto e do paciente ao longo do primeiro ano", afirma o nefrologista e
coordenador do serviço de transplante renal, Alexandre Tortoza Bignelli.
O transplante de rim é a única opção quando o órgão
não funciona nem se recupera com tratamentos convencionais. Causada principalmente
pela pressão arterial alta e diabetes, a doença renal crônica afeta a
capacidade dos rins de filtrar os resíduos metabólicos do sangue e implica na
necessidade de hemodiálise para realizar essa função. Quando o prejuízo é
irreversível e grave, a saída é o transplante: um procedimento de alta
complexidade, que exige muita competência médica, estrutura hospitalar e
solidariedade humana. "Toda uma equipe multidisciplinar se envolve para
que pacientes deixem a condição de dependência de uma máquina para enfim serem
reinseridos na sociedade. São médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem,
psicólogos e tantos outros profissionais que gerenciam a lista, avaliam
pacientes, preparam e fazem o acompanhamento pós-cirúrgico", contextualiza
Bignelli.
Para que a vida continue, uma única conversa
declarando-se doador pode mudar tudo. No Brasil, o número de doações tem
aumentado e batido recorde ao alcançar uma média de 19,2 doadores por milhão de
habitantes no primeiro semestre deste ano. Neste cenário, o Paraná é o estado
com maior número de doações efetivas de órgãos para transplantes em 2023, com a
marca de 42,5 doadores por milhão de população. Para Rômulo, Cleverson e
Rosângela, a resposta afirmativa foi o ponto de partida para um novo começo
após o transplante renal. "Dizer sim para a doação de órgãos é respeitar a
decisão do ente querido que faleceu e dar uma nova chance para quem aguarda na
lista de espera", defende Rômulo. Da mesma forma, Cleverson faz um pedido:
"É o momento de as pessoas conversarem com seus familiares e declararem o
desejo de serem doadores".
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