Quem conhece não esquece jamais! Não são as Minas Gerais. É a noite de verão em Beirute. A melhor noite do mundo, segundo alguns especialistas. Beirute é alegre, segura e reúne libaneses, descendentes e turistas de todas as partes do mundo. É possível ouvir vários idiomas ao mesmo tempo e alguns com o sonoro sotaque libanês. A cosmopolita das cosmopolitas.
Além da beleza natural, Beirute é só o começo do
Líbano. Cheia de grifes, carros importados, restaurantes internacionais, homens
e mulheres belíssimos, Beirute abre caminho para as aldeias que é o puro
contraste do que é global e moderno. Nas aldeias, o tempo parou. E é
maravilhoso voltar no tempo.
O Líbano esperou por este verão como quem espera a
redenção. Um remédio para dores terminais. E os turistas não estão
desapontando, mesmo sabendo do racionamento de energia, da escassez de vários
produtos, principalmente de dinheiro e da crise sem precedentes pela qual passa
o país. O Líbano está lotado e cantando e dançando como fez todos os anos desde
que o mundo é mundo. São esperados mais de dois milhões de visitantes, que se
comovem pela história milenar de Jbeil, que se veem em Roma, no Egito e na
Grécia apenas andando pelos templos seculares da fantástica Baalbeck, e se
divertem nos festivais internacionais que acontecem país afora.
Mas falta um e talvez o verão ainda não o veja, e
nem o inverno, a depender das silenciosas e egóicas negociações políticas que
existem só para aqueles lados. Acreditem: o Líbano também é único no quesito
política. Esqueçam qualquer sistema político complicado: ele facilmente
perderia em complexidade para o que ocorre por lá. O Líbano é um quebra-cabeças
onde as peças ficam encobertas. Difícil ao extremo juntá-las: ali residem
separações, mágoas e interesses que remontam os séculos e agora polvilhadas
pelos caprichos pontuais de alguns países, uns limítrofes e outros muito
distantes.
Desde o Pacto Nacional de 1943, a República do
Líbano se organiza como um sistema político confessional, ou seja, o poder
público é distribuído entre diferentes comunidades religiosas. A presidência
fica com cristãos maronitas, o primeiro-ministro é tradicionalmente um
muçulmano sunita e a presidência da Câmara dos Deputados é reservada a um
muçulmano xiita. Por anos esse modelo foi suficiente, mas hoje ele é amplamente
questionado dentro e fora do país. Não é à toa que os olhos das nações
ocidentais, e os olhos vizinhos, estão voltados para a vacância à qual pretendo
me referir: o um que falta neste verão libanês é o Presidente da República.
Pois sim, o Líbano está acéfalo desde outubro de
2022, portanto, há nove meses. Ministros interinos, cargos vagos, país sem
timoneiro em uma tempestade econômica, financeira, política e moral no mar da
história. Depois da 12ª reunião do Parlamento para a escolha do chefe maior da
República, ainda não se sabe em quem os libaneses depositam suas esperanças.
Desde nomes politicamente desconhecidos até predestinados à presidência, desde
apostas americanas até seus antagonistas, tivemos de tudo. Mas tudo para
sombrear interesses. Uma pena! Até porque, quando se esconde interesses,
esconde-se também um país, que nesse caso, é o milenar país dos cedros.
E o pior de tudo é não saber quando se dará a 13ª
reunião. Número emblemático, que a uns pende para o azar e a outros, para sorte.
O parlamento libanês ainda não deliberou sobre a data, o que traz escuridão e
aumenta a especulação em torno dos nomes concorrentes.
Acolhedor da maior diáspora libanesa do mundo, o
Brasil também está atento ao que acontece no nosso Levante. Mais comuns que
política brasileira, as conversas sobre a política libanesa nas rodas de
patrícios levantam as mais variadas hipóteses e torcidas. Nos dividimos nos que
são favoráveis a um e a outro, também ao sistema, mas em uníssono, todos
concordamos que o Comandante em Chefe é a ausência mais sentida das férias.
Mais sentida ainda quando lembramos que depois de um verão de turistas, vem um
inverno de ausências. E no Líbano, a ausência é proporcional aos milênios de
existência.
Renata Abalém - advogada, de
família Maronita, diretora da Câmara de Comércio Brasil-Líbano.
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