Desabamento de um centro comercial na província de Diarbaquir, ocorrido após o terremoto que afetou a Turquia no último dia 6 de fevereiro (foto: Wikimedia Commons)
Em meio ao cenário de destruição causado pelo terremoto que atingiu
parte da Turquia e da Síria matando mais de 17 mil pessoas, a ciência busca
avançar no monitoramento e na caracterização dos movimentos de falhas
geológicas que permitam alertar para esse tipo de ocorrência. Até o momento,
não existem instrumentos capazes de prever tremores.
Pesquisadores ligados a instituições e universidades brasileiras têm
desenvolvido nos últimos anos estudos com foco, entre outros objetivos, em
apontar a importância da homogeneização de diferentes escalas para comparação
de atividade sísmica em regiões diversas e também do monitoramento em near real time (NRT, na sigla em inglês para quase
em tempo real).
É com esse
objetivo que um grupo de cientistas recebe apoio da FAPESP para trabalhar nos
próximos quatro anos no desenvolvimento de métodos baseados na ionosfera que
detectarão terremotos e tsunamis em NRT. A ionosfera é a camada da atmosfera localizada
entre 60 e 1.000 quilômetros (km) de altitude, composta de íons, elétrons e
plasma ionosférico que exercem, por exemplo, influência na propagação das ondas
de rádio para lugares distantes da Terra.
“Um pequeno tremor na atmosfera pode ser bem maior na ionosfera. Por
exemplo: o deslocamento da superfície da Terra durante um terremoto pode ser de
milímetros, mas na ionosfera o registro atinge um número 10 mil vezes maior.
Sabemos que nas últimas três décadas há vários trabalhos nessa área, mas nosso
foco é o monitoramento em tempo quase real, um desafio ainda a ser resolvido.
Um primeiro pulso de tremor dura cerca de dez minutos. Já conseguimos detectar
em seis minutos depois do início do terremoto, mas queremos reduzir esse prazo,
talvez para dois minutos ou poucos segundos”, explica o pesquisador Esfhan Alam Kherani,
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Considerado um dos poucos especialistas na dinâmica da
ionosfera/atmosfera em atuação no Brasil, Kherani é o pesquisador responsável
pelo projeto “Detecção ionosférica e imageamento
de terremotos e tsunamis em tempo quase real”, financiado
pela FAPESP.
Atua juntamente com outros cientistas do Inpe, entre eles Eurico Rodrigues de Paula;
da Universidade do Vale do Paraíba (Univap); da Universidade de Brasília (UnB)
e do Instituto Global de Física de Paris (IPGP).
O grupo inclui analistas de dados, especialistas em simulações e em Sistemas
Globais de Navegação por Satélite (GNSS, termo genérico para um sistema de
navegação por satélite que fornece posição precisa, como coordenadas
geográficas e altitude, a qualquer momento e em qualquer parte do planeta).
Estudioso
dessa área, o doutorando Saúl Alejandro Sánchez Juarez, que faz parte do grupo,
afirma que mesmo terremotos de baixa magnitude podem ajudar a entender como
monitorar outros maiores. “Em nosso trabalho publicado no ano passado
reportamos distúrbios ionosféricos cossísmicos ou ionoquakes [causados pela
transferência da energia sísmica para a atmosfera e a ionosfera na forma de
ondas de gravidade acústica] associados aos terremotos Ridgecrest de choque
principal 6,4 Mw [escala de magnitude de momento, que mede a energia liberada]
e seus tremores secundários entre 3,55 e 4,6 Mw ocorridos em 4 de julho de 2019
na Califórnia, Estados Unidos. É possível que os terremotos de magnitude Mw
menor que 4,6 sozinhos não possam gerar ionoquakes detectáveis. No entanto, na
presença do choque principal de maior magnitude, ainda podem registrar
contribuições para os ionoquakes”, completa Juarez.
O pesquisador se refere ao artigo publicado na revista
científica Remote Sensing no início do
ano passado, que estudou os efeitos na ionosfera do terremoto que atingiu a
região sul da Califórnia em 2019. Teve como epicentro os arredores da cidade de
Ridgecrest, sendo um dos mais fortes registrados na região. Chegou a ser
sentido em um raio de quase 640 km e provocou danos em infraestruturas. O
trabalho teve apoio da
FAPESP.
Segundo
Kherani, com tsunamis é possível fazer alertas, mas em casos de
terremoto a situação é diferente, principalmente se os tremores são de
baixa magnitude.
“Dentro do projeto, meu papel é fornecer subsídios para a análise de
dados sismográficos. No Brasil, onde os tremores são de baixa magnitude,
contamos hoje com a Rede Sismográfica Brasileira [RSBR],
com estações de monitoramento instaladas por todo o país e capazes de detectar,
de forma geral, sismos a partir de 2 ou 2,5 de magnitude regional [mR] ou de
momento [Mw]”, diz à Agência FAPESP o
professor Giuliano Sant'Anna Marotta, chefe do Observatório Sismológico da UnB.
O observatório faz parte de um dos quatro grandes grupos da RSBR, que
tem o objetivo de monitorar a sismicidade do território nacional e gerar
informações por meio das atuais 93 estações instaladas pelo país. A parte Sul e
Sudeste da RSBR está sob a coordenação do Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
Medindo
o terremoto
Uma das
escalas usadas para medir a magnitude dos terremotos é a Richter, desenvolvida
nos anos 1930 pelos sismógrafos Charles Richter e Beno Gutenberg, ambos do
Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech na sigla em inglês). Ela
quantifica a intensidade conforme a manifestação na superfície terrestre e
cresce de forma logarítmica. Com isso, um tremor de magnitude 4 é 100 vezes
maior que um de 2 pontos, por exemplo.
De forma
geral, um tremor menor que 3,5 pontos é registrado pelos sensores sismológicos,
mas pode não ser percebido se ocorrer longe das cidades. Entre 3,5 e 5,4 pontos
pode ser sentido pela população, mas raramente causa danos. Já de 6,1 a
6,9 o terremoto pode ser destrutivo em áreas em torno de 100 km do
epicentro e entre 7,0 e 7,9 – faixa em que está o registrado na Turquia no
início de fevereiro de 2023 – pode provocar sérios danos.
Há também
a Escala de Magnitude de Momento (abreviada como Mw), criada em 1979 por Thomas
Hanks e Hiroo Kanamori, que substituiu a Richter para medir a magnitude dos
terremotos em termos de energia liberada.
Entendendo
o fenômeno
Professor do IAG-USP e um dos principais especialistas em sismologia do
Brasil, Marcelo Assumpção foi
o pesquisador responsável por um Projeto Temático FAPESP
que durante mais de sete anos reuniu cientistas para estudar a estrutura
sísmica da crosta e do manto superior das bacias Pantanal, Chaco e Paraná.
A empreitada resultou em 14 artigos publicados em periódicos
internacionais, três teses de doutorado e oito mestrados. Em artigo divulgado
em dezembro de 2022 no Journal of South American Earth
Sciences, o grupo discute o uso de indicadores de magnitude de
tremores, à luz de índices regionais para o Brasil.
“O
Temático da FAPESP estava ligado à pesquisa de estruturas mais profundas.
Possibilitou a instalação e a operação de várias estações de monitoramento nas
bacias do Paraná e do Pantanal. Essas estações ajudaram a registrar tremores de
terra nos últimos anos no Brasil, constituindo uma importante fonte de dados
para melhorar o conhecimento das necessidades do país e buscar entender os
motivos de algumas regiões terem mais tremores do que outras”, completa
Assumpção.
Localizado
em uma região estável, no interior de placa tectônica, o Brasil registra todos
os anos tremores de terra de baixa magnitude, que nem sempre são sentidos pela
população. Os Estados mais suscetíveis são o Ceará e o Rio Grande do Norte,
seguidos do sul de Minas e do Pantanal de Mato Grosso. Em agosto do ano
passado, por exemplo, foram registrados oito tremores na costa do Rio Grande do
Norte, sendo o maior deles com magnitude de 3,7 pontos (na escala Richter),
segundo a Rede Sismográfica Brasileira.
Os abalos
de maior intensidade no país foram detectados em 1955 na Serra do Tombador, em
Mato Grosso, com 6,2 pontos e em 2022 na região da fronteira com o Peru, que
ficou em 6,5 pontos.
Assumpção
destaca que em breve deve ficar pronto um mapa de ameaça sísmica do Estado de
Minas Gerais, com olhar especial para as áreas de mineração e barragens. Após
os rompimentos da Barragem do Fundão, em 2015 no município de Mariana –
considerado o pior desastre ambiental do país –, e da barragem em Brumadinho,
ambos em Minas, os órgãos governamentais ampliaram as exigências de diagnóstico
de estabilidade de solo, incluindo avaliações sísmicas.
Outros artigos publicados por grupos de pesquisadores que incluem o
professor Assumpção podem ser lidos em: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1029/2021JB022575 e www.mdpi.com/2073-4433/12/6/765.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/cientistas-de-instituicoes-brasileiras-buscam-caminhos-para-monitorar-terremotos-em-tempo-quase-real/40670/
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