O maior problema do Brasil, hoje, talvez não seja de ordem econômica nem financeira. Tampouco reside na falta de leis ou de competência. Está, sim, na falência ética e moral do nosso povo. Assistimos, cada vez mais, a um comportamento de desrespeito aos valores que sustentam uma sociedade, à falta de responsabilidade social a partir das práticas profissionais e à desvalorização das relações humanas.
Há uma
inquestionável degradação dos valores éticos, princípios que não se limitam
apenas às normas, costumes e tradições culturais de uma sociedade, mas se
alicerçam também em comportamentos e regras – escritas ou não - essenciais para
a convivência sadia em sociedade.
Tais
valores foram se perdendo ao longo do tempo e esse esgarçamento do tecido moral
se cristalizou com o (mau) exemplo do comportamento da classe política. O
Brasil foi se tornando um país onde impera a Lei de Gérson, aquela que diz que
o importante é levar vantagem em tudo, tomada emprestada e nunca devolvida de
um comercial de cigarros.
Regredimos
ao feudalismo, forma de organização social e econômica instituída na Europa
Ocidental entre os séculos V a XV, durante a Idade Média. Baseava-se, como se
sabe, em grandes propriedades de terra pertencentes aos senhores feudais e
cultivadas por mão-de-obra servil. Voltamos ao período das Capitanias
Hereditárias, enormes lotes de terras do Brasil estabelecidos por Portugal e
entregues pelo rei aos donatários, a partir de 1533. Como o nome insinua, eram
propriedades transmitidas de pais para filhos.
Não é
exagero afirmar que atualmente vivemos algo parecido, como mostram estados há
20 ou 30 anos governados por poucas famílias, entronadas no poder e, em grande
maioria, enriquecendo e nem um pouco preocupadas em ostentar os sinais
exteriores da riqueza.
Há
suspeitas recorrentes de malversação de dinheiro público, investigações,
colheitas de provas, denúncias e processos tramitando na Justiça. Mas há também
disseminada sensação de impunidade graças, em grande parte, ao instituto do
foro privilegiado, misto de feudos e capitanias hereditárias da atualidade.
O quadro é
desolador. Dois atuais 81 senadores, 19 respondem a 38 processos na Justiça. Ou
seja, o Senado tem 23,45% de réus em sua composição. Na Câmara dos Deputados,
são 106 parlamentares respondendo processos (20,60% da Casa). No Executivo, 14
governadores (51% do total) eram réus em 2018. Todos com processos tramitando
nas instâncias superiores em razão do foro por prerrogativa de função. Além
disso, seis senadores têm como suplentes membros da própria família, numa
versão feudal moderna, tolerada pela legislação eleitoral.
A mensagem
que se passa, ano após ano, eleição pós eleição, é a de que o crime compensa,
tamanha a impunidade. Enquanto isso, parte dos intelectuais, dos eruditos e dos
doutores bem-sucedidos optou pelo comando de incultos dotados de charme e
carisma, ignorando por completo qualidades essenciais que deveriam ser exigidas
de quem se propõe ser líder de uma nação.
Lamentavelmente,
nossos jovens estão sendo induzidos a acreditar que o caminho do sucesso não
passa pelos estudos, dedicação, honestidade e pelo comportamento ético. Começam
a crer que valem mais as mentiras bem-construídas e a proximidade do poder, um
vale-tudo incapaz de resistir ao crivo moral de seus pais, porém com alta
capacidade de sedução personificada no modelo instituído sem pudor pela má
política. Triste, porém real.
A velha
máxima segundo a qual quem quiser ficar rico deve passar longe da vida pública
hoje é absoluta e solenemente ignorada. Parece haver um culto a exatamente o
contrário, vislumbrando-se a vida pública como o caminho para a riqueza, de
preferência por meio de mandatos eleitorais, como se o voto fosse uma licença
popular para a corrupção e para a malversação do dinheiro público.
A
deliberada confusão entre o público e o privado ainda resiste, esvaziando os
cofres do Estado, corroendo a democracia e condenando o país à desigualdade
social, penalizando os mais pobres. Não constrói nada, apenas estimula os
malfeitos e sufoca o surgimento de novas lideranças efetivamente comprometidas
com o bem comum.
No início
do século XX, Rui Barbosa já dava o alerta: “De tanto ver triunfar as
nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a
desanimar da virtude, de rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto”.
Ainda é tempo de aprendermos a lição.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia,
administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do
Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos
para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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