Não é fácil criar coragem para denunciar, mas também é a melhor forma de fugir de um ciclo de agressão; a advogada Mayra Cardozo explica sobre a realidade da violência doméstica
A violência doméstica é um tipo de violência que não precisa ser sofrida dentro do lar, ela pode ocorrer em qualquer lugar desde que derive de uma relação parentesca ou de afeto - não necessariamente sendo conjugal. Para se ter ideia, dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) apontaram que, no primeiro semestre de 2022, foram registrados 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres. Além disso, de acordo com um estudo da revista The Lancet, cerca de 25% das mulheres de 15 a 49 anos podem ter passado por algum tipo de violência doméstica pelo menos uma vez na vida desde os 15 anos.
De acordo com a advogada com perspectiva de gênero, especialista em Direitos Humanos e Penal, Mayra Cardozo, a violência doméstica deriva de uma proximidade e um afeto, se aproveitando de uma relação íntima. “É importante que as pessoas entendam que não existe apenas a violência física, ela também pode ser psicológica, sexual, patrimonial e moral. Ela pode ser perpetuada de diferentes formas e a principal lei para regular isso é a Lei Maria da Penha, que estabelece medidas recrudescidas para casos de violência doméstica contra a mulher - que não é um crime, mas sim um qualificador”, explica.
A Lei Maria da
Penha não criminaliza a violência doméstica, mas estabelece medidas que agravam
os crimes quando são realizados dentro do âmbito doméstico. “Esse agravante faz
com que o patamar da pena aumente e as progressões dos regimes sejam
diferenciadas. É uma lei muito premiada, que também estabelece medidas
educativas, que além de punirem, educam sobre o machismo estrutural. O número
grande de casos se dá justamente por conta do machismo enraizado na nossa
cultura. Quando a objetificação dos corpos femininos é tão arraigada na cultura
brasileira, a violência passa a ser mais naturalizada. Foi apenas no ano
passado, por exemplo, que a violência psicológica contra a mulher se tornou um crime,
mesmo sendo algo que as mulheres sofrem constantemente há muito tempo”,
complementa.
É necessário: Identifique e denuncie
Em alguns lugares,
a violência está tão enraizada e escondida que as pessoas próximas da vítima
não conseguem perceber o que está acontecendo. “Cada família tem sua dinâmica,
mas geralmente um lar onde existe violência doméstica, é permeado por diversas
aparências que são maquiadas, ou seja, ninguém costuma frequentar muito o
local. Eles podem se afastar dos amigos e familiares, a relação provavelmente é
tóxica e movida a ciúmes, com controle de dinheiro e horários. Às vezes, por
exemplo, a mulher chega com um roxo diferente e cria uma desculpa para
disfarçar. É todo um cenário que compõe uma situação de violência dentro de
casa.”, exemplifica a advogada.
Quando denunciar?
Quando entramos no tópico de denúncia, sabemos que não é algo fácil de ser feito. O medo é um dos principais fatores que impede as vítimas procurarem ajuda. “A vítima está imersa em um círculo de violência, que traz por si só um abuso psicológico. O agressor afasta ela dos familiares, dos amigos, realiza uma agressão e, depois, traz uma sensação de arrependimento para retomar a relação. Ele utiliza de várias desculpas para continuar se prendendo à vítima. O principal motivo de não denunciar é o medo de ser agredida, ou ser prejudicada caso denuncie. Essa é uma dinâmica muito tóxica”, comenta.
Esse receio é tão real que a Lei Maria da Penha traz medidas protetivas para a mulher. “As regras estipulam um distanciamento do agressor, que não pode chegar perto da vítima em um determinado raio de distância, o afastamento do lar e até pensão alimentícia, com o intuito de protegê-la e viabilizar a denúncia. O medo também se dá por, muitas vezes, as mulheres serem desacreditadas quando tentam realizar alguma denúncia. A violência deixa inúmeros traumas na vítima, o principal é o estresse pós-traumático. O mais importante é que as vítimas tenham uma rede de apoio para ajudá-las a criar coragem e denunciar o que estão sofrendo. Essa é a melhor maneira de sair de uma relação cheia de violência que afeta a vida da vítima em todos os sentidos”, finaliza Mayra Cardozo.
Mayra Martins Cardozo - advogada com
perspectiva de gênero, sócia do escritório Martins Cardozo Advogados. Membro
permanente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB - CNDH. Educadora,
ministra aulas na Escola Paulista de Direito, na Escola Superior de Propaganda
e Marketing - ESPM e no Centro Universitário de Brasília. É colaboradora
executiva da revista suíça Brainz Magazine. Palestrante sobre diversidade e
inclusão. É líder de empoderamento feminino, desenvolve sessões 1:1 na sua
"Mentoria para Mulheres Mal Comportadas" na qual integra suas
pesquisas sobre gênero, sua formação em Feminist Coach e sua perspectiva
psicanalítica em um trabalho que visa questionar crenças internalizadas que
sustentam a sociedade patriarcal e impedem que mulheres tenham relacionamentos
saudáveis, ocupem espaços de poder e tenham um boa relação com seu corpo.
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