Recentemente nos deparamos com uma denúncia que parece ter saído do século passado: planos de saúde exigindo aval do marido para a inserção de DIU no corpo da mulher. Exigem a assinatura do cônjuge como requisito para autorização do procedimento.
O DIU é um dispositivo intrauterino, em formato de
T, introduzido na mulher através do colo do útero e tem como principal objetivo
impedir a gravidez. Podem ser hormonais e não hormonais. Os não hormonais, de
cobre e prata, utilizados para a contracepção. E o hormonal também pode ser
utilizado para tratamento de doenças crônicas como a endometriose.
Algumas cooperativas de São Paulo e Minas Gerais,
ao impor essa exigência, retiram a capacidade da mulher de decidir sobre seu
próprio corpo, que perde sua independência e, consequentemente, haverá uma
diminuição da qualidade de vida dessas mulheres além de ser uma prova de uma
postura retrógrada, patriarcal e abusiva.
Embasar essa exigência à Lei 9.263 de 1996 é
indevida, vez que não há previsão nessa lei sobre métodos contraceptivos
reversíveis como o DIU. Não se trata de esterilização voluntária. Aqui estamos
diante de uma violência à autonomia da paciente. Há evidente violação a
autonomia sobre o próprio corpo da mulher.
O Procon-SP está pedindo explicações para 11 planos
de saúde e eles tem prazo para prestar os esclarecimentos, indicando qual o
fundamento legal para essa exigência. O órgão vai multar e punir as empresas
que estiverem utilizando desse recurso para se negar a cobrir o procedimento.
A decisão de utilizar o DIU é exclusiva da mulher,
apoiada pelas orientações de seu médico. Mas essa discussão traz à tona a
necessidade de se conversar sobre a autonomia do corpo.
A autonomia é um direito fundamental. Segundo
agência da ONU, quase metade da população feminina, em 57 países em
desenvolvimento, não tem autonomia sobre o próprio corpo.
E isso pode ser verificado quando há mutilação
genital, quando um homem engravida uma mulher contra a sua vontade, no estupro,
no teste de virgindade...
Segundo o Fundo de População das Nações Unidas
(UNFPA), agência de desenvolvimento internacional da ONU que trata de questões
populacionais, sendo responsável por ampliar as possibilidades de mulheres e
jovens levarem uma vida sexual e reprodutiva saudável, à essas mulheres nega-se
o direito de decidir sobre fazer sexo com seus parceiros, utilizar
contraceptivos ou buscar por assistência médica.
Pela primeira vez, um relatório das Nações Unidas
foca em autonomia ao próprio corpo: o poder e a capacidade de fazer escolhas
sobre seu corpo, sem medo de violência ou de ter alguém decidindo por você.
O relatório mostra que:
- Apenas
55% das mulheres estão completamente empoderadas para fazer escolhas a
respeito de cuidados de saúde, contracepção e à habilidade de dizer sim ou
não para o sexo;
- Apenas
75% dos países garantem acesso total e equânime à contracepção;
- Cerca
de 80% dos países têm leis apoiando a saúde sexual e o bem-estar
- Apenas
56% dos países têm leis e políticas apoiando a educação sexual.
- 43
países não têm legislação abordando o estupro marital (estupro por
cônjuge);
- 20
países ou territórios tem leis que liberam um estuprador de um processo
criminal se este se casar com a vítima.
O casamento infantil também é um desdobramento que
gera evasão escolar, além de responder pelas taxas mais altas de mortalidade
materna e infantil. Inclui-se aí também a probabilidade 22% maior de sofrer
violência de seu parceiro do que mulheres adultas.
O Brasil ocupa o 4. lugar no mundo em incidência do
casamento precoce. O elemento racial e de classe social tem papel fundamental.
Não podemos considerar uma escolha quando estamos lidando com muitas mulheres
que vivem abaixo da linha da pobreza e foram estupradas em suas próprias casas
por familiares.
Em 2019, a Lei 13.811 alterou o artigo 1520 do Código
Civil para impossibilitar o casamento de menores de 16 anos. Antes, em 2005, a
Lei 11.106 alterou o artigo 107 do Código Penal, que autorizava o casamento
para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal.
A UNICEF emitiu um alerta, em março passado,
informando que 10 milhões de meninas a mais estão em risco de casamento
infantil devido à COVID-19.
O fechamento de escolas, o estresse econômico,
gravidez e morte dos pais estão colocando as meninas em maior risco de
casamento infantil.
Um retrocesso se avista pois a Covid-19 piorou
ainda mais a situação. A perda de empregos e o aumento da insegurança podem
forçar as famílias a casar suas filhas para aliviar encargos financeiros.
Em todo o mundo, estima-se que 650 milhões de
meninas e mulheres vivas hoje se casaram antes de completar 18 anos, sendo que,
metade desses casamentos ocorrendo no Brasil, Bangladesh, Etiópia, Índia e
Nigéria.
Serviços de saúde sexual e reprodutiva, retorno à
escola e medidas de proteção social para as famílias podem reduzir esse
panorama.
Leticia Helena Malzone - advogada militante em
direito de família e sucessões desde 1999 e conciliadora das Varas da Família
até 2010. Também atua em direito civil, imobiliário e internacional.
Toledo e Advogados Associados
http://www.toledoeassociados.com.br
Youjin Law Group
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