Além do bloqueio das emoções negativas,
é comum que a ansiedade, depressão, baixa autoestima e transtornos mentais e
comportamentais sejam desenvolvidos
Em meio a um bilhão de usuários ativos
por mês, é difícil encontrar uma pessoa que não tenha perfil no instagram. A
plataforma possui 500 milhões de acessos diários e se tornou, além de uma rede
social, uma rede comercial. Com a popularização dos influencers, basicamente
tudo passa a ser monetizado, inclusive a felicidade. Através da tela do
celular, a vida do outro aparenta ser perfeita: o corpo dos sonhos, bens
materiais, viagens e felicidade em tempo integral. Mas não é bem assim.
Há materiais que
circulam em blogs e portais que alegam que não é possível ser feliz sempre.
Isso pode ser verdade ou não, depende do que está sendo chamado de felicidade.
No âmbito da Psicologia Positiva, é usual se adotar o conceito construído pela
professora Sonja Lyubormisrky: "Felicidade é a experiência de contentamento
e bem-estar combinada à sensação de que a própria vida possui sentido e vale a
pena". Em outras palavras, felicidade é um estado no qual se vivencia um
pouco mais de emoções positivas que negativas em uma vida que, apesar das
circunstâncias, vale a pena ser vivida. E sim, pode ser uma experiência de
longa duração.
A problemática surge
com a busca incessante por essa felicidade, que gera efeitos colaterais em quem
consome diariamente essa "vida "perfeita" do outro. Nesse
cenário, se populariza o conceito de positividade tóxica. A expressão tem sido
usada para abordar uma espécie de pressão pela adoção de um discurso positivo
aliada a uma vida editada para as redes sociais.
"É aqui que
mora um elemento pouco mencionado acerca da felicidade legítima: ela é uma
experiência intrínseca, dispensa o reconhecimento de terceiros. Sorrisos
pasteurizados em fotos sob filtros, vozes cuidadosamente moduladas e falas que
se assemelham a pregações são apenas artifícios, esses sim, tóxicos, daquilo
que surgiu bem antes da internet: a vida de fachada e a venda de receitas
mágicas", alerta Carla Furtado, mestre em psicologia e fundadora do
Instituto Feliciência.
Bloqueio de emoções negativas
Como consequência
dessa busca pela felicidade, as emoções negativas são bloqueadas. Nessa
realidade mascarada pelas redes sociais, não é permitido se sentir triste ou
ter dias ruins. "É importante observar que a psicologia positiva não
orienta que se bloqueie ou evite emoções negativas. Do ponto de vista humano
isso sequer é possível e não seria recomendável", aponta Carla.
"Emoções são
comportamentos autônomos em resposta a estímulos. Tome-se o medo, por exemplo:
diante de um risco real essa emoção é primordial para a preservação da vida e,
embora seja de valência negativa seu desfecho pode ser bastante positivo. É
sempre importante ressaltar que felicidade não é uma emoção, mas costuma ser
confundida com a alegria", complementa a especialista.
É justamente assim
que surgem problemas como ansiedade, depressão, transtorno de imagem, anorexia,
bulimia, entre outros. "No instagram as pessoas conseguem praticar
atividade física, ser a mãe perfeita, o pai perfeito, trabalhar, ser
bem-sucedido, ter hora para tudo, então as pessoas acham que são obrigadas a
fazer isso o tempo inteiro e acabam frustradas porque não conseguem ou se
sentem cansadas", explica a médica psiquiatra Renata Nayara Figueiredo,
presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, a APBr.
Ela explica que com
a sensação de não ter todo esse tempo a pessoa fica frustrada, acha que a
produtividade está baixa, que alguma coisa está errada. "É aquilo do eu
não consigo ser a mãe perfeita, não consigo ser uma profissional maravilhosa,
enquanto o outro consegue tudo isso. Então começa o sentimento de ansiedade, de
menos valia, de baixa autoestima, e isso pode gerar depressão, e outros
transtornos psiquiátricos", acrescenta.
Para a especialista
é importante que o usuário entenda que o conteúdo das redes sociais é um
recorte e não expressa a realidade, ou como é a vida da pessoa por completo.
"Um exemplo é a foto de comida, as pessoas não postam a refeição do dia a
dia. E é preciso compreender que aquilo ali é um cenário, é um palco, as
pessoas fazem aquela foto, aquilo ali não é uma foto espontânea. Ela está naquela
rede social para chamar a atenção", pontua.
Outro lado
Segundo a
psiquiatra, os influenciadores também sofrem. "Eles buscam mais
seguidores, mais curtidas, e os que seguem querem ter uma vida daquelas, sendo
que às vezes a pessoa só vive disso, de postar coisas, enquanto as outras vão
postar coisas, vão seguir, vão trabalhar e vão fazer outras coisas
também", afirma. "Então isso tudo é um cenário. Cada um vai postando
o que acha mais interessante e as pessoas têm que entender que aquilo ali não é
a vida real", complementa.
Outro ponto abordado
por ela são pessoas que já têm algum distúrbio ou tendência a transtornos
psiquiátricos. "Uma pessoa com esse tipo de problema, principalmente em
relação ao corpo, vê essas fotos e se sente mal. Elas vomitam, param de comer
ou deixam de sair de casa para não furar a dieta", explica. "Então
esse tipo de ‘influência’ pode ser um gatilho para pacientes com transtornos
alimentares, pela questão de estar sempre postando o corpo perfeito, a dieta
perfeita, a refeição dos sonhos, e entre outros pontos", conclui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário