Acompanhamos com consternação o adiamento das Olimpíadas de Tóquio. Desde a primeira edição dos jogos olímpicos da era moderna em 1896, o evento foi cancelado em três ocasiões, 1916, 1940 e 1944, em consequência das guerras mundiais. O curioso é que em 1940 a cidade sede também seria Tóquio.
A realização de um evento com público em 2021 está
totalmente fora de questão. O coronavírus gosta de aglomerações. Algumas
pesquisas mostram que falar alto ou cantar aumenta o risco de disseminação do
vírus. Não é possível imaginar um evento em que 30 mil pessoas consigam manter
silêncio e distanciamento social. Seria catastrófico. Como
referência, para a Olimpíada do Brasil vieram mais de um milhão de turistas.
Difícil garantir uma barreira sanitária segura com um número tão grande de
viajantes. Além disso, sempre existe o temor que turistas possam trazer novos
vírus de outras regiões. Novas variantes estão circulando com um potencial de
disseminação mais rápido e de maior gravidade da doença.
Resta então a possibilidade mais razoável de
realizar o evento sem a presença de público. É como estão sendo feitos os jogos
do Campeonato Brasileiro. O controle seria feito sobre os atletas. Em 2016, a
Olimpíada do Rio teve participação de 10,5 mil atletas. O controle é factível,
mas é justificável? O risco não é nulo, tomando mais uma vez o Campeonato
Brasileiro como exemplo, sabemos que várias equipes tiveram surtos de Covid-19.
Um levantamento de um jornal em janeiro contabiliza pelo menos dez
profissionais envolvidos diretamente com o futebol que faleceram em
consequência da doença. Não podemos falar em risco zero aos participantes,
mesmo sendo jovens e fora dos grupos de risco. Além disso, o fechamento de
clubes e centros de treinamento impactou drasticamente na preparação dos
atletas, de maneira desigual entre os esportes e países, o que afetaria as
chances de vitória daqueles mais impactados.
Se com a presença de público o que preocupa é o
risco coletivo, nos eventos fechados a preocupação é o risco individual.
Imagino que qualquer atleta estaria disposto a correr o risco de contrair
Covid-19 para disputar uma Olimpíada, afinal, essa competição é o ápice da
carreira esportiva. Mas seria justo pedir a eles que se expusessem ao perigo?
Os principais valores olímpicos são excelência,
amizade e respeito. As Olimpíadas prezam pelo bom exemplo e por princípios
éticos universais. São uma celebração de tudo que há de melhor no ser humano.
As aberturas são pura alegria e as arquibancadas são uma festa. Mas nesse ano todos
estamos sofrendo com restrições a nossa liberdade. Muitos estão de luto em
função de perdas pessoais para a Covid. As crianças foram privadas do contato
com seus familiares e do ensino e convívio social com seus pares. É difícil
imaginar que nesse ano as Olímpiadas tivessem o mesmo sentido. Seriam vazias,
tristes e um lembrete de que vivemos uma época dura e desafiadora. Assim como
seriam as Olímpiadas que foram canceladas nos períodos seguintes às guerras
mundiais. Calma. A vitória está logo ali. As vacinas estão chegando. O
desembarque das tropas aliadas começou. Em breve estaremos reunidos assistindo
ao campeonato de futebol da escola e vamos vestir verde amarelo aglomerados na
frente da televisão torcendo para nossos atletas.
Marcelo Abreu Ducroquet - infectologista e professor do curso de Medicina da Universidade Positivo.
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