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segunda-feira, 18 de maio de 2020

Quarentena: Relações familiares vêm à tona durante isolamento. Por quê?


Psicóloga percebeu aumento de 90% de novos pacientes durante período, e a maioria vem trazendo temas de família.

Após mais de um mês em quarentena, não é novidade para ninguém que as relações entre pessoas isoladas estão sendo um grande desafio. Porém, mais do que aliar trabalho remoto ou a falta dele junto com filhos, relacionamento e cuidados com a casa, muitas situações e traumas jogados para baixo do tapete voltaram à tona. Isso é o que mostra a grande demanda por terapia neste período de isolamento social devido à epidemia do coronavírus.
A mestre em psicologia e palestrante curitibana Ana Carolina de Carvalho Pacheco percebeu um aumento de 90% das consultas desde o início da quarentena. E o que mais chamou a atenção dela foi o fato das pessoas estarem tendo dificuldade em se reconhecerem, nesta fase em que a rotina e os comportamentos mudaram.
“Tanto nos meus pacientes regulares, quanto nos novos, que chegaram devido à quarentena, percebi as dificuldades de relacionamento primeiro com si mesmo, o que acaba resultando na dificuldade de se relacionar com o outro. E esse outro é o parceiro, os pais e os filhos. É um momento muito diferente esse em que nos encontramos, e o torpor causado pela correria do dia a dia disfarça as diferenças entre as pessoas e o autoconhecimento. Então, o que tenho observado é que muitos pacientes, frente essa obrigação de parar, de aquietar, não se reconhece mais. E isso reflete nas demais relações”, explica a especialista que conta ter tido casos em que as pessoas declaram literalmente não reconhecerem a si mesmas frente à nova rotina.
CML, de 38 anos, que é enfermeira e está trabalhando na luta contra a Covid-19 é um desses casos.
"Busquei a terapia nesse momento devido à intensidade dos acontecimentos, as mudanças na rotina e muitas informações em pouco espaço de tempo. Contando que já tínhamos problemas do dia a dia para resolver, isso gerou um stress muito grande em mim. Estava sem saber por onde começar a colocar as coisas em ordem e quais seriam as prioridades no momento na minha vida e com minha família. Sinto que a terapia está me ajudando, pois é muito bom quando uma pessoa de fora do nosso convívio nos dá um direcionamento. Às vezes ficamos paradas em um problema que não vemos solução e sofremos por isso. Depois das primeiras sessões me sinto bem mais tranquila e já estou colocando cada coisa em seu lugar".
Na maioria das vezes, é necessário identificar a fonte do problema, que foi despertado com a ansiedade causada pelas incertezas da pandemia. Ela explica que um exemplo é quando os pais chegam reclamando dos filhos, ou vice-versa. Há antes uma análise a ser feita para entender em quem está a causa do problema.
“Acontece muito de mãe que traz o filho dizendo que ele deve ter algum problema, e reclama mil coisas da criança. Na primeira sessão já percebo se é algo da criança ou se é algo dos pais. Já tive casos que precisaria trabalhar os pais, mas eles não se comprometiam com o filho verdadeiramente, então eu fiquei com a criança e fiz o fortalecimento de sua personalidade apesar da situação. Digo isso para explicar que as pessoas chegam reclamando de algo ligado ao isolamento e na verdade vamos descobrindo bases diferentes para esse desconforto”, ilustra a psicóloga Ana Carolina. 

Traumas do passado podem ressurgir neste período
Outra situação que têm aparecido nas consultas online é de reavivamento de traumas passados, que estavam dados como resolvidos. Segundo a psicóloga, o isolamento acaba fazendo você ter convivência principalmente com você mesmo e isso traz memórias e dores que não foram devidamente curadas.
“Tive casos de pacientes que o isolamento trouxe à tona situações da infância ou de muitos anos atrás, que há muito tempo supostamente tinham sido superados. O fato de ter o tempo livre, faz você conviver com seus pensamentos e memórias, e se eles não forem saudáveis, acabam transformando o seu momento presente”, diz.
É o que aconteceu com a paciente SDM, de 41 anos, mãe e profissional da área de segurança.
“O isolamento me abalou porque fiquei com medo de não ter meu acompanhamento psiquiátrico e psicólogo. Fiquei muito assustada e ansiosa até a Dra. Ana me acolher com as consultas online. Esse momento me trouxe à tona tudo de ruim que passei no passado. O fato de estar dentro de casa trouxe lembranças de quando eu era adolescente e não podia sair e, principalmente, memórias da violência que sofria dentro de casa. Não sei explicar o porquê isso aconteceu. O medo e a angústia tomam conta de mim e nesse momento choro só de lembrar o que já me aconteceu, é uma dor da alma. A terapia está me ajudando muito, pois quando estou nervosa ou em crise ela me acalma e me ajuda a passar por isso neste período de isolamento", conta.
Todas as situações levam ao autoconhecimento, fundamento básico do trabalho da psicologia e que cada vez nos dias de hoje tem sido reforçado em técnicas de mindfulness, meditação e autoconsciência.

Terapia em tempos de quarentena: consulta online é para todos?
Com a quarentena, atendimentos psicológicos, bem como consultas médicas, tiveram que se adaptar aos novos tempos e estão sendo realizadas com sucesso via videoconferência. Cada caso deve sempre ser analisado por um profissional e assim como na medicina, na psicologia há diferentes técnicas de tratamento que podem funcionar ou não de forma online.
No caso de Ana Carolina, a técnica utilizada pela profissional é de resolução rápida de situações e problemas pontuais. A maioria dos que seguem em consultas periódicas são para trabalhar o autoconhecimento. “O meu foco sempre foi concentrar no que a pessoa traz para a terapia para assim resolver essa questão. Nesse momento de isolamento, tenho percebido também uma procura grande de pessoas querendo sessões únicas, ou seja, um dia de terapia sem continuidade, para resolver uma questão pontual. Não é comum, mas ela também pode funcionar nesse momento de grande ansiedade”, explica.
A profissional, que há cinco anos já pratica terapia online com pacientes que se mudaram para outros países, destaca que para o método remoto de atendimento funcionar, há uma necessidade de organização de tempo e espaço para a consulta via videoconferência. “Alguns pacientes são resistentes, mas agora, diante da pandemia, acabaram pedindo para fazer online e estão se dando bem. É preciso que o paciente tenha organização do tempo de consulta para estar tranquilo, poder se concentrar e não ser interrompido. É sempre um momento que as pessoas têm para si, essa é uma das bases da terapia”, explica.




Ana Carolina de Carvalho Pacheco - psicóloga clínica, mestre em psicologia forense. É palestrante e editora da área de saúde da Juruá Editora.
E-mail: anacarolina@jurua.com.br
Instagram: @carolpsi

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