A vida privada, a intimidade, a honra e
a imagem das pessoas são tuteladas pela Constituição Federal de 1988 como
garantias fundamentais, alicerçadas também na Declaração Universal dos Direitos
do Homem e sua Regulamentação Socioeconômica, da qual o Brasil é signatário.
Nos moldes do artigo XII da relevante Declaração Universal “Ninguém será
sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na
sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem
direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.
Trata-se de um direito consagrado
constitucionalmente, o qual se estende às relações de trabalho no que se refere
aos aspectos pessoais do empregado. A respeito da forma da prestação de serviço
e dos instrumentos de trabalho existe a limitação desse direito de privacidade
pelo poder fiscalizatório do empregador, considerado um conjunto de
prerrogativas a viabilizar o acompanhamento contínuo do trabalho realizado e a
própria vigilância no ambiente laboral interno.
A legislação vigente e a jurisprudência
aplicada legitimam como formas desse controle pelo empregador o monitoramento
por câmeras, desde que não sejam instaladas em ambientes íntimos como, por
exemplo, banheiros e vestiário, detectores de metais, controle de horários e
revistas pessoais, observados os seus requisitos.
Além dessas formas de controle, há
ainda a possibilidade de acesso às máquinas e aos correios eletrônicos
institucionais, fato que gera polêmicas discussões. Contudo, sobre esse
aspecto, aplica-se o critério da ponderação de interesses, tendo em vista que a
intimidade do empregado conflita com o interesse da empresa, uma vez que as
máquinas e e-mails corporativos são ferramentas de trabalho, de propriedade da
empresa, fornecida ao empregado para auxiliar na execução de suas
tarefas.
Nessas circunstâncias, se o empregado
utilizar o e-mail corporativo indevidamente, a responsabilidade pelos danos
causados recairá sobre a empresa. O Código Civil e a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) consideram que a empresa é a responsável pelos atos de seus
funcionários. Diante disso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) perfilha sua
jurisprudência no sentido de que o e-mail institucional pode ser monitorado
pelas empresas sem ser considerada invasão de privacidade ou violação de
correspondência.
Esse monitoramento pelo empregador,
todavia, não se estende ao correio eletrônico e utensílios pessoais do
empregado. Isso porque o poder fiscalizatório viabiliza apenas o controle sobre
instrumentos vinculados ao trabalho. Recentemente, a Justiça do Trabalho
autorizou a quebra de sigilo de e-mail pessoal de um empregado e a busca e
apreensão de computadores e smartphones em sua residência. Não obstante,
trata-se de uma medida extrema exigida pelas circunstâncias do caso concreto
que, inclusive, é passível de ser impugnada.
O fato de o Judiciário ter autorizado
essa medida excepcional não implica no reconhecimento de que as empresas podem
monitorar os e-mails pessoais de seus funcionários. Como qualquer outro sigilo
protegido constitucionalmente, o acesso ao e-mail pessoal de um empregado, ou
ex-empregado, depende de autorização prévia judicial, em decisão fundamentada,
não podendo ser feito arbitrariamente pelo empregador.
Portanto, a autorização de quebra de
sigilo, não se confunde com a legitimação, por parte da Corte Trabalhista, para
que se viole a intimidade dos empregados em qualquer situação normal.
E mais, é necessário o respeito ao
devido processo legal em casos extremos de violação a direitos garantidos
constitucionalmente. Logo, aquele que tem sua intimidade violada deve ter a
oportunidade de se defender amplamente, sob pena de violação ao Estado Democrático
de Direito.
Desse modo, em que pesem os recentes e
inéditos precedentes que permitiram a quebra de sigilo de e-mail, a
inviolabilidade da intimidade dos empregados continua garantida, não havendo
brechas para que se acesse ou se monitore a comunicação privada dos
funcionários sem prévia autorização judicial. Além da vulneração
constitucional, tal prática pode configurar abuso de direito, passível de
indenização pelo empregador e penalização na esfera criminal.
Cíntia Fernandes - advogada, subcoordenadora
de Direito Privado da Unidade Brasília e sócia do escritório Mauro Menezes
& Advogados.
Raquel de Castilho - advogada do
escritório Mauro Menezes & Advogados
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