Cogitamos da
imprescritibilidade das ações judiciais do Estado, em se tratando de reparação
de danos por ato de improbidade administrativa, recentemente pronunciada pelo
STF. E de uma monumental obra literária do mundo, de Frans Kafka, somente
publicada porque desobedecido seu testamento.
Trata a obra da
insensibilidade da Justiça Oficial e do destino humano sempre voltado à
condenação. O acusado, que recebe intimações e citações constantes, comparece a
becos de tetos baixos da Justiça de seu tempo, sem saber do que é acusado.
Claro que é um símbolo, mas
os símbolos e os arquétipos trespassam as eras e, em muitos momentos, estão
presentes em fatos que ocorrem depois de gerações.
O Ministro Marco Aurélio
Mello expressou que não cabia em sua consciência jurídica a imprescritibilidade
de ações patrimoniais. Entretanto, não lançou todas as luzes sobre o palco da
Suprema Corte; haveria que ser dito que o dever de indenizar é transmissível a
herdeiros e sucessores, em regra às futuras gerações. É da essência do direito
obrigacional e está expresso na lei de improbidade administrativa.
É certo que não devemos
admitir um único ato de corrupção. Entretanto, a prescritibilidade, em cinco
anos, tal como ocorre quando o particular está na circunstância de processar o
Estado, não é sinônimo de impunidade.
Ao contrário impõe aos
órgãos acusadores o dever de não ser negligente e, a partir da ciência do fato
prejudicial ao erário, agir em cinco anos. Ante a imprescritibilidade, esse
dever se dilui. O agir condiz com a eternidade. Ora, se fôssemos eternos,
adiaríamos todas as nossas ações. Provavelmente não estaria a escrever este
texto. A finitude é que dá o sentido e o colorido da vida e das condutas
animais, racionais e irracionais.
Tal como ficou a decisão do
STF e o aval concedido à negligência dos órgãos acusadores, talvez o erário
jamais seja ressarcido. Atacou-se o envenenamento com o próprio veneno, em dose
cavalar, não homeopática.
Imaginemos um ser que nasce
carregando nos ombros não apenas o pecado original, mas também um possível
dever de ser demandado, neste mundo, em ação de improbidade. Vem à luz deste
planeta já destinado a sofrer um processo. Talvez não o sofra - talvez - isto
está rigorosamente inserido no universo "imaginário" de Frans Kafka.
Obviamente, como disse o
Relator, Ministro Alexandre de Morais, o passar do tempo tritura a capacidade
de ampla defesa, em detrimento da garantia fundamental do devido processo
legal. Os documentos de defesa provavelmente foram incinerados pelo pai - ou
pelo avô; circunstâncias do fato não chegam ao conhecimento da família e do
acusado, porque é sempre constrangedor.
Ficará apenas a alegação da
Administração Pública, que, num momento longínquo do tempo - sabe-se lá por quê
- resolveu processar um homem que jamais poderia esperar esse processo.
Desabam as bases
existenciais do "réu". Não sabe se deve maldizer seu ascendente ou o
Estado inimigo. Nenhuma das outras Constituições do mundo prevê o absurdo.
Dificilmente haverá possibilidade de o Supremo modificar sua posição, aliás já
modificada e fragilizada durante o julgamento, na retratação do Ministro Luis
Fux e Roberto Barroso, que parecem ter-se rendido às alegações da Procuradora
Raquel Dodge, por sua vez movidas pelo hábito acusador, incriterioso e
abençoado pelo clamor popular. Se este for o impulsionar do direito, podemos
cerrar as portas dos cursos jurídicos e remeter tudo aos Tribunais leigos,
instalados nas praças públicas.
Amadeu Garrido de
Paula - Advogado, sócio do Escritório Garrido de
Paula Advogados.
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