A aplicação
do instituto da desconsideração da personalidade jurídica sempre gerou dúvidas
a todos os lados envolvidos na questão: aos administradores e sócios da pessoa
jurídica demandada, ao credor que pretende tal aplicação, aos julgadores de
tais pretensões, bem como aos interessados e precavidos no assunto.
Neste
particular, é correto afirmar que as maiores controvérsias surgiram com o
advento do Novo Código de Processo Civil, que passou a vigorar em março de
2016, o qual prescreveu procedimento específico para os pedidos nesse sentido.
Contudo,
desde maio do corrente ano, após o julgamento do Recurso Especial nº 1.729.554 – SP
pelo
Superior Tribunal de Justiça, que reformou decisão que havia impedido a
desconsideração por não ter sido demonstrada a insuficiência de bens de uma
empresa do ramo de confecções em recuperação judicial, pode-se afirmar que a
questão se aclarou de forma considerável. Em decorrência da decisão, diversas
diretrizes foram definidas a fim de sanar questões controvertidas sobre o tema.
A exemplo
disso, segundo o julgado, restou claro que a desconsideração da personalidade
jurídica não visa à sua anulação, mas somente objetiva desconsiderar, no caso
concreto e dentro de seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas ou
bens que
atrás dela se escondem, com a declaração de sua ineficácia para determinados
efeitos, prosseguindo, todavia, intacta para seus outros fins legítimos.
Além disso,
tornou-se pacífico que o Novo Código de Processo Civil inovou no assunto apenas
no que se refere à disciplina do procedimento, prevendo e regulamentando-o para
a operacionalização de tal instituto, instaurando-se incidentalmente em todas
as fases do processo.
Outrossim,
dirimindo importante questão que há muito se discutia, o Superior Tribunal de
Justiça assentou que os pressupostos da desconsideração da personalidade
jurídica continuam a ser estabelecidos por normas do chamado direito material,
ou seja, os requisitos da desconsideração variarão de acordo com a natureza da
causa, seguindo-se, entretanto e em todos os casos, o rito procedimental
proposto pela lei processual.
Logo, por
exemplo, nas causas em que a relação jurídica contida no processo for
cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será
regulada pelo artigo 50 do Código Civil, portanto, nos casos de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial.
Por fim,
eliminando extensa controvérsia, restou claro que a inexistência ou não da
localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a instauração do
procedimento que almeja a desconsideração da personalidade jurídica, por não ser
sequer requisito para aquela declaração, eis que imprescindível a demonstração
específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão
patrimonial.
Nas
palavras do Ministro Relator do Recurso, Luis Felipe Salomão, “à luz da
previsão legal, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que a
inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não caracteriza, por
si só, quaisquer dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, sendo
imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de
finalidade ou de confusão patrimonial”.
Desta forma, ainda que não estejam esgotadas todas as questões sobre o
tema, sendo necessária a análise de cada caso concreto, vislumbra-se que a
maioria das incertezas foram sanadas, na medida em que pressupostos objetivos –
como os citados acima – foram definidos para nortearem os lados envolvidos
neste delicado e importante instituto.
Leandro
Aghazarm - especialista em Direito Civil do Dalle Lucca, Henneberg, Duque
Bertasi e Linard Advogados
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