Agora além do PIB (Produto Interno Bruto),
indicador da macroeconomia que mede o nível da atividade econômica de uma
determinada região, o Brasil passará a ter o PIV (Produto Interno Verde).
Baseado em um projeto de lei do Deputado Federal Otávio Leite (PSDB-RJ) de
2011, o Presidente da República, Michel Temer, promulgou em 17 de outubro deste
ano a Lei 13.493, que institui o novo indicador, tendo apenas um veto.
O PIV será utilizado para calcular o patrimônio
ecológico e natural do nosso Brasil e, segundo o artigo 1º da Lei que o
promulga, a responsabilidade pelo cálculo e publicação será do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), órgão subordinado ao Ministério do
Planejamento, que também é responsável pelo cálculo e publicação do PIB.
Em princípio, o PIV deverá mensurar temas
relevantes ao processo de desenvolvimento sustentável do país, como estoques e
níveis de utilização dos recursos hídricos, florestas, biodiversidade, energia,
emissões, entre outros fatores fundamentais a esta agenda.
Diante deste contexto, para nós, profissionais que
trabalham pelo desenvolvimento sustentável, a criação de um índice desta
natureza certamente é vista com bons olhos e muitas expectativas. Há anos,
muitos acadêmicos, profissionais da área e até economistas tecem críticas
construtivas sobre as limitações da capacidade real do PIB em medir sozinho o
nível de progresso.
Contudo, a criação da Lei que estabelece o PIV deve
ser vista com atenção por todos e arrisco dizer, com algumas ressalvas. Isso
porque existem pontos importantes que ficaram em aberto ou pouco esclarecidos
no curto texto da lei com somente de três artigos.
Um deles é sobre a periodicidade da publicação do
PIV, que segundo a Lei, será calculado anualmente, sempre que possível. Sem
dúvidas este é uma questão que exige atenção, porque se estamos avançando a
ponto de mensurar fatores ambientais, que são essenciais a verificação das
condições do nível de progresso e desenvolvimento de uma sociedade, ter uma
definição de periodicidade flexível como estas é, no mínimo, estranho, ou em
uma segunda leitura, passa uma mensagem que este será um indicador de importância
secundária, ou seja, sendo possível, faremos.
Outro ponto de atenção está em como de fato o
indicador será medido, assim como seu processo de mensuração. Neste quesito, a
Lei se limita a informar que o cálculo deverá levar em consideração critérios e
dados tradicionalmente utilizados sobre o patrimônio ecológico nacional e ainda
deverá ser feito com base em iniciativas nacionais e internacionais
semelhantes. A lei ainda traz um complemento em aberto com a seguinte diretriz:
O PIV deverá possibilitar a convergência com sistemas de contas econômicas
ambientais adotadas em outros países, permitindo assim, sua comparabilidade.
Indo um pouco mais além, o texto da Lei ainda
informa que a metodologia para o cálculo do PIV deverá ser amplamente discutida
com a sociedade e as instituições públicas, incluindo o Congresso Nacional,
antes que seja instituído um sistema de contas econômicas ambientais oficiais
no Brasil. Desta forma, temos aqui um dos principais pontos de atenção e diria
de atuação dos profissionais da agenda do desenvolvimento sustentável, seja na
iniciativa privada, instituições públicas, universidades e organizações não
governamentais. Isso porque, da forma como a Lei foi promulgada, temos apenas
um texto de intenções sobre o que poderá ser o PIV.
Sua efetivação deverá vir
por meio de decreto regulamentador e, neste caso, como profissionais que
militam na área, temos o dever e a responsabilidade de acompanhar de perto a
evolução deste processo e debate. Acredito que há um nível de consenso sobre a importância
de termos um indicador oficial entre os profissionais que trabalham pelo
desenvolvimento sustentável, uma vez que será possível medir e entender a
relação do progresso das atividades econômicas, associadas ao nível de impactos
sobre os recursos e serviços ambientais de uma determinada região.
Além disso, não podemos nos furtar da lembrança que
a promulgação da Lei que institui o PIV acontece em meio a turbulências
recentes sobre decisões e direcionamentos considerados equivocados na agenda do
desenvolvimento sustentável pelo Governo Federal, a exemplo do Decreto
Governamental 9.159/2017 de 29 de agosto, que destituí de forma unilateral a
Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), parte do território amazônico
do tamanho do Espírito Santo, sob a argumentação de que na área já havia
pequenos garimpos irregulares, uma lógica estranha de resolver o problema
legitimando o mesmo.
Recentemente tivemos também a portaria 1.129/2017
publicada em 13 de outubro, pelo Ministro do Trabalho e Emprego, Ronaldo
Nogueira, revendo critérios de enquadramento do trabalho forçado e análogo a
escravo, assim como os critérios de publicação das pessoas físicas e jurídicas
na chamada “Lista Suja” do Ministério. Ato que gerou clamores públicos e
rejeição na própria pasta, com a publicação da nota técnica da SIT (Secretaria
de Inspeção do Trabalho) afirmando que a portaria do Ministro traz dispositivos
“manifestamente ilegais” e solicitando a imediata revogação da mesma.
Infelizmente é notório que a exploração do trabalho análogo a escravo ou
degradante, em muitas situações está diretamente associada a práticas
exploratórias e irresponsáveis dos recursos naturais.
Longe de ter um olhar pessimista, mas talvez cético
e, por isso, ficam algumas dúvidas sobre a promulgação da Lei que institui o
PIV. Será que estamos mesmo diante de uma iniciativa que nos permitirá avistar
um novo foco de luz no fim do túnel? Será mais um texto legal, dos quais vamos
nos orgulhar por compor o “hall” de um dos melhores arcabouços legais na área ambiental?
Somos um país reconhecido internacionalmente por
ter um conjunto de leis ambientais bem desenvolvidas, mas, internamente sabemos
que muito ainda está no papel e muitos são os desafios de efetivação deste
arcabouço. Portanto, vamos trabalhar para que o PIV seja mais do que uma Lei e
isto certamente dependerá do envolvimento de todos os profissionais e pessoas
que de alguma forma trabalham em prol de um processo de desenvolvimento mais
sustentável da nossa sociedade.
Fabiano Rangel - presidente da Associação
Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável (www.abraps.org.br)
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