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Foto: TJPE |
Quase 27,5 mil crianças foram incluídas no Sistema Nacional
de Adoção e Acolhimento (SNA) do Conselho Nacional de Justiça por
constarem em processos de destituição do poder familiar. A destituição é uma
medida excepcional realizada pelo Estado após esgotamento de ações protetivas e
intervenções para a manutenção da criança na família de origem.
Deste total, 19,8
mil tiveram os processos finalizados pelo Judiciário desde 2005 e ficaram aptas
à adoção. Esses dados fazem parte da pesquisa “Destituição do Poder Familiar e
Adoção de Crianças”, apresentada nessa quinta-feira (28/4) durante o Seminário
do Pacto Nacional pela Primeira Infância: Resultados e avanços do projeto
Justiça começa na Infância.
De acordo com o
levantamento, realizado em parceria com o Programa das Nações Unidas pelo
Desenvolvimento Social (Pnud), a destituição e a adoção são condicionadas por
diversos fatores, entre eles a idade das crianças, etnia e motivo para o
acolhimento. O que é apontado como um problema, pois, “segundo os parâmetros
normativos, não deveria haver diferença na ocorrência da destituição do poder
familiar que fosse condicionada à idade ou a cor da criança”.
Cerca de 47% das crianças
com destituição do poder familiar estão na primeira infância – período vai até
os seis anos de idade e que é público-alvo preferido das pretendentes à adoção.
Já 12% apresentam problemas de saúde ou alguma deficiência. E, das que tiveram
sua cor/etnia informada, 54,1% são pretas ou pardas, mas quase 17% não tem essa
informação registrada.
Adoção
O estudo identificou ainda
que 15.881 foram adotadas até maio de 2021 com registro no SNA. Desse total,
64,9% das crianças estavam na primeira infância no momento da sentença. De
acordo com o pesquisador Wesley de Jesus Silva, a distribuição do tempo
decorrido em anos nos diferentes momentos de um processo de adoção é distinta
para as faixas etárias, sendo que há uma tendência de as faixas etárias mais
novas terem um tempo de adoção menor.
“A pesquisa mostrou que o
perfil de preferência dos pretendentes é por crianças de até oito anos de
idade, mas as que estão disponíveis no sistema ultrapassam essa faixa etária.
No entanto, percebe-se que há uma destituição mais rápida quanto mais nova for
a criança e isso pode ser um dos motivos”, destacou Silva.
Do total de pessoas
pretendentes à adoção identificadas e habilitadas no SNA – mais de 91 mil – a
maior parte tem entre 40 e 50 anos, sendo que, dos que adotaram, 73,1% eram
casais heterossexuais; 4,1% casais homoafetivos; e 10% das adoções seriam
individuais. Quanto à etnia, 38,8% dos pretendentes declararam não ter
preferência específica, enquanto 21,8% preferiam crianças pardas e 25,7%,
crianças brancas.
Em relação aos que têm
preferência por crianças na primeira infância, cerca de 6% aceitam crianças com
deficiência física, 2,7% aceitam crianças com deficiência intelectual e 41,4%
aceitam as que têm problemas de saúde. Neste perfil, 2,4% já têm filhos
adotados, 5,2% têm filhos biológicos, 46% têm preferência por uma etnia e 30%
por determinado gênero.
Segundo a pesquisadora do
Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Isabely Mota, apesar de ainda ser
pequeno o número de pessoas que aceitam adotar crianças com “difícil colocação”
– como com doenças, deficiências, crianças mais velhas ou grupos de irmãos –
vem sendo percebido um aumento no número de adoções desse perfil. “Esse é um
gargalo, mas para aumentar essas chances, estamos implementando a Busca Ativa
Nacional, que já tem diversas iniciativas de sucesso no país.”
A primeira fase da
funcionalidade de Busca Ativa, integrada ao SNA, deve ser lançada em maio e vai
cadastrar as crianças e disponibilizar imagens, com autorização judicial. O
acesso só será liberado para pretendentes dentro do período de validade da
habilitação, que é de três anos.
Outra melhoria esperada é
com a implantação da Plataforma Digital do Poder Judiciário, iniciativa do Programa Justiça
4.0. Com ela, o SNA também passará a ter interoperabilidade com
todos os sistemas judiciais, que foi uma das dificuldades encontradas na
pesquisa de campo. De acordo com Isabely Mota, a intenção é “reduzir o
retrabalho e permitir que o sistema do CNJ converse com outros sistemas
judiciais”.
Já a assessora da
Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, Juliana
Fernandes Pereira, destacou avanços normativos recentes que vêm aprimorando o
processo de adoção. Entre eles, citou as evoluções do Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA), a criação de legislações estaduais e resoluções do CNJ, os
procedimentos mediados pela Justiça para entrega voluntária e a mudança de
cultura em relação à adoção, que passou a ser centrada no superior interesse de
crianças e adolescentes.
Adoção internacional
A pesquisa apontou ainda
que o tempo médio entre o ingresso da informação no SNA e a sentença de uma
adoção internacional foi de 2,5 anos. Foram identificados no SNA 890
pretendentes internacionais que já foram habilitados para adoção, sendo 94,7%
casais. Mais de 60% são da Itália, seguida por França e Estados Unidos. O sistema
aponta 119 pessoas e casais estrangeiros com adoção já efetivada, sendo que 65%
possuíam entre 40 e 50 anos no momento da sentença.
Contudo, o levantamento
apontou divergências nos registros do SNA e das informações fornecidas pelas
Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção/Adoção Internacional. Enquanto o SNA
mostra 126 processos de adoção internacional para a adoção de 236 crianças
entre 2008 e 2020, as Comissões registram 509 crianças adotadas – e entre 2015
e 2020.
Essa divergência entre as
diferentes fontes de informação evidencia a existência de uma parcela
importante de processos de adoção internacional que não necessariamente estão
registrados dessa forma no SNA. “A invisibilidade desses processos no SNA
dificulta a compreensão desse fenômeno em sua totalidade e indica a importância
da realização de mais ações para um uso mais adequado do sistema e fatores que
se associam ao seu não uso.”
Aprimoramento
O estudo também
identificou indicativos de práticas potencialmente irregulares, com o objetivo
de pensar como e se esses dados podem oferecer subsídios ao poder público.
Tocantins (78%), Alagoas (68,9%), Roraima (68,4%), Amazonas (64,4%) e Amapá
(63,6%) registram, por exemplo, os maiores percentuais de crianças na primeira
infância adotadas na modalidade de adoção intuitu personae. Nessas adoções,
pretendentes à família adotiva não são necessariamente previamente cadastrados
e não passam pelo processo de vínculo no sistema, por já haver um vínculo
estabelecido.
Além disso, de 1.305
crianças no SNA que foram destituídas, 107 (8,2%) não tiveram registro de
acolhimento. E dessas, para 37 não foram apresentados motivos claros que
justificariam a ausência de registro de acolhimento, como processo de guarda ou
adoção intuitu personae. O relatório sugere que seja criado um alerta no
sistema para monitorar a situação dessas crianças que não foram registradas em
acolhimento institucional ou familiar.
A pesquisadora do CNJ
Isabely Motta enfatizou a importância de que todas as adoções que chegam ao Judiciário
– mesmo as adoções intuitu personae por guardiões judiciais, relação de
parentesco ou hipóteses excepcionais – devem ser incluídas no SNA. “Só é
possível fazer política pública com dados. E, por isso, os tribunais devem se
empenhar para alimentar esse sistema, que traz uma gama de informações
importantes para a gestão.”
Entrega voluntária
O trabalho, realizado
pelas pesquisadoras Olívia Pessoa e Alessandra Rinaldi, identificou que a rede
de proteção ainda é frágil, sem diálogos institucionais eficazes. E que a
pobreza é um dos motivos mais presentes para a retirada das crianças de suas
famílias. “Um dos entrevistados chegou a dizer que nem sempre tem droga
envolvida, nem sempre tem negligência, mas a pobreza está lá sempre”, contou
Olívia Pessoa.
Uma das propostas trazidas
é a maior capacitação da rede de proteção, que envolve conselhos tutelares,
equipes da saúde e educação, psicólogos e assistentes sociais das Casas de
Acolhimento, Ministério Público, Defensoria Pública e magistratura. Essa
sensibilização é necessária até para que o dispositivo da entrega voluntária
não seja usado de modo coercitivo junto a populações vulneráveis.
Os dados de entrega
voluntária passaram a fazer parte do SNA a partir de sua criação, em 2019. Os
dados do cadastro estão limitados a crianças de até um ano, para evitar que
sejam utilizados de forma indevida. Até abril de 2022, já foram registradas 111
entregas voluntárias, enquanto nos anos de 2020 e 2021, foram 513 e 404
registros, respectivamente.
Segundo o juiz do Tribunal
de Justiça do Paraná (TJPR) Rodrigo Rodrigues Dias, a entrega voluntária
envolve um preconceito contra a mulher que quer entregar a criança e acaba
sofrendo diversas violências institucionais. “Essas mulheres estão indisponíveis,
por uma série de motivos, para dar continuidade ao maternar. Mas, ao invés de
abandonar a criança ou praticar um aborto, ela prefere dar à criança uma outra
possibilidade de vida. Nesse sentido, o Judiciário precisa oferecer um
acolhimento sensível e sério a essa mãe, muitas vezes, ainda na gestação, para
que ela possa entender as nuances de sua decisão e estar segura quanto a ela.”
Ele ressaltou que é
preciso mostrar os serviços que estão disponíveis a essa mulher e a essa
família, sem vincular a pobreza ao ato de entrega. Muitas, contou o juiz,
deixavam de fazer o exame pré-natal para não serem expostas e julgadas pelos
profissionais de saúde. “Nosso primeiro foco é: não adianta só o Judiciário
estar preparado para receber essas mulheres se todo o percurso que ela faz não
for levado em consideração. Precisamos ir a campo e fazer esse trabalho de
capacitação, especialmente da área de saúde.”
No projeto desenvolvido
pelo TJPR, foram adotados fluxos de acolhimento que, além do diálogo com a rede
de proteção, também se trabalha com o histórico da criança, incentivando que a
mãe ou a família deixem cartas e fotos em seu processo, para que ela tenha, um
dia, a possibilidade de conhecer sua origem. “Nosso trabalho também será
bem-sucedido se essa mulher, conscientemente verificar que consegue, que tem
apoio, que quer manter sua criança e desistir da entrega.”
Para evoluir ainda mais
essa iniciativa e definir diretrizes nacionais, o CNJ está realizando, até 20
de maio, consulta pública
sobre a minuta de Resolução que dispõe sobre Entrega Legal para Adoção.
Lenir Camimura
Agência CNJ de Notícias