As situações que geram reações
adversas vão acontecer sem que você tenha controle; mas, se quiser, você pode
decidir como vai reagir ao que está acontecendo
Você está num dia normal, como qualquer outro,
caminhando por uma calçada. E, então, sem querer, esbarra num desconhecido. Ele
pede desculpas e segue em frente, mas o cheiro de seu perfume imediatamente te
leva de volta a um momento do passado. Você reconhece aquele odor; é o mesmo
daquele rapaz que praticava bullying com você no colégio! Pronto: isso basta
para que uma sensação de mal-estar e de angústia invada seu peito e acabe com
sua manhã.
Você já se viu numa situação como essa – em que um
acontecimento ou gesto aparentemente corriqueiros fizeram com que se sentisse
completamente desestabilizado(a)? Em que você sentiu que teve uma reação mental
ou emocional muito forte ao acontecido, mas não saberia explicar o motivo? E,
principalmente, em que se sentiu completamente vulnerável, como se fosse uma
criança desprotegida frente ao ocorrido?
Pois bem, se você se identificou com o que acabei
de descrever, muito provavelmente, já viveu uma situação que disparou, em você,
uma reação adversa, compulsiva e automática – ou seja, um gatilho. O
termo, emprestado da psicologia, ficou famoso nas redes sociais, onde os “avisos
de gatilho” se tornaram recorrentes. Isso porque, como forma de alerta, muitos
usuários dessas plataformas passaram a adotar a expressão para avisar, de
antemão, que aquele conteúdo tem potencial de despertar emoções difíceis ou
complexas.
É claro que isso também fez acender a discussão
sobre o que é ou não um gatilho (muita gente se queixa que há exageros), mas,
independentemente disso, a verdade é que todos nós, mais dia, menos dia, somos
pegos desprevenidos por acontecimentos que desafiam a nossa razão e provocam
sentimentos inesperados. Basta uma cena de filme, um capítulo de um livro, uma
música ou mesmo a fala de alguém que a gente gosta e pronto: nós nos deparamos
com uma série de emoções doloridas e conectadas a eventos do passado, mas que não
parecem fazer muito sentido do ponto de vista lógico/racional.
Isso acontece porque, inconscientemente, os
gatilhos nos remetem a situações que vivemos principalmente na infância e com
as quais não lidamos muito bem ou que simplesmente ficaram adormecidas no nosso
inconsciente. Como resultado, revivemos essas emoções aqui, no presente – mas,
claro, da maneira mais infantil possível, afinal, se o ocorrido nos fez voltar
a uma época tão remota, é de se esperar que a gente se sinta como uma criança
indefesa ao lidar com ele. Mas, então, o que fazer para lidar melhor com essas
situações que, embora tão sensíveis, são também tão comuns?
É possível evitar os gatilhos?
Num mundo ideal, as pessoas todas teriam empatia e
cuidado suficientes para não adotar gestos e falas com potencial de gatilho.
Mas é claro que não vivemos num mundo ideal! Podemos e precisamos, sim,
promover debates e campanhas de sensibilização, focados na responsabilização;
ou seja, podemos ensinar as pessoas a pensar duas vezes antes de ‘fazer e
acontecer’, para que compreendam que esses gestos têm impacto no
seu entorno. Mas essa mudança não vai acontecer do dia para a noite.
Para além disso, há uma questão de poder aqui: se
eu me incomodo e me machuco com o que o outro faz, e espero que o outro mude
para não mais me machucar, estou entregando, a ele, todo o poder sobre como eu
me sinto e reajo a essa interação. E a minha participação? E a parte que me
cabe dentro desta relação, fica onde?
Por isso, a melhor maneira de lidar com um gatilho
é a partir de nós mesmos e da nossa autoconsciência. Alguns gatilhos emocionais
vão ser disparados, infelizmente, sem que possamos evitá-los; mas não podemos
dar tanto poder ao outro, o outro não pode ser responsável por nos tirar do
cerne. A prática do autoconhecimento nos permite justamente isso, ou seja,
perceber que aquilo é ou pode ser um gatilho, perceber que nos causa uma emoção
negativa e dolorida e, então, decidir o que podemos e queremos fazer a respeito
– em vez de simplesmente responder no automático.
A minha proposta, aqui, é que a gente recorra à
autoconsciência para inverter o jogo: não está na mão dele fazer diferente,
está na minha. A autorresponsabilização é uma escolha saudável para evitar a
vitimização. O que o outro fez ou faz é dele. Nós não temos como impedi-lo, mas
temos como decidir, com atenção e intenção: ‘eu sei que ele está fazendo para me ferir e, por
isso, não vou permitir que isso aconteça’ ou ‘isso que
ele faz sempre me magoa, mas, daqui em diante, não vou mais permitir me magoar’.
Mas essa escolha só pode ser tomada se estivermos, antes de tudo, atento aos
nossos pensamentos e emoções.
Assim sendo, a autoconsciência, um exercício a ser
praticado diariamente e que nunca tem fim, pode ser um meio muito eficaz para
evitar os ressentimentos causados pelos gatilhos. Todo dia, você pode parar por
um instante para se perceber. É uma das maneiras de praticar o
autoconhecimento, e, essencialmente, tudo o que você precisa fazer é decidir
que vai se olhar com honestidade e isenção. Ou seja, é seu o compromisso de se
perguntar e responder, com abertura e sem autocrítica, o que você está
realmente pensando e sentindo, e quais comportamentos têm vontade de adotar em
resposta a isso (em vez de simplesmente adotá-los por impulso). Isso, por si
só, é suficiente para que comece a se conhecer de verdade para assumir a
responsabilidade por si.
Heloísa
Capelas - CEO do Centro Hoffman e, há quase três décadas,
está à frente do Processo Hoffman no Brasil – treinamento de autoconhecimento
aplicado em 15 países e que já teve seus resultados cientificamente atestados.
Por sua sala de aula já passaram mais de 12 mil alunos, entre os quais algumas
das principais lideranças e gestores do mercado nacional. Criadora do “Universo
do Autoconhecimento”, primeira plataforma de treinamentos e conteúdo online
sobre o tema, e autora dos best-sellers “O Mapa da Felicidade” e “Perdão, a
Revolução que Falta”, Heloísa é reconhecida como uma das principais
especialistas do país em autoconhecimento, inteligência emocional e inovação
pessoal. Heloísa Capelas é Coordenadora da Câmara Feminina do Instituto Êxito
de Empreendedorismo.