Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU)
instituiu 5 de junho como o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data, estabelecida
durante a Conferência de Estocolmo, tem como objetivo chamar a atenção sobre a
necessidade de definir políticas públicas e ações voltadas à conservação da
natureza e sustentabilidade do planeta. Em 1981, o governo brasileiro também
criou a Semana Nacional do Meio Ambiente reforçando a necessidade de reflexão
sobre o tema.
Para muitos artistas o meio ambiente é fonte de
inspiração. As composições ajudam a refletir sobre a interferência do homem na
natureza e a necessidade da conservação. Segundo a ecóloga, doutora em Biologia
Vegetal, professora da Universidade Federal do Paraná e membro da Rede de
Especialistas em Conservação da Natureza, Marcia Marques, fazer uma pausa,
observar o universo ao redor e dele extrair palavras com significado e
sentimento é algo reservado para mentes artísticas, populares ou eruditas, de
várias gerações. “Ao se apropriar deste sentimento, ressignificamos as palavras
para nossa própria realidade e delas podemos extrair experiências culturais
novas e interpretar o mundo com novos olhares”, completa.
A especialista selecionou e comentou oito canções que,
com palavras, voz e a sensibilidade de alguns dos grandes poetas da música
brasileira, retomam os temas mais importantes para a sustentabilidade do
planeta. Leia, ouça e reverbere.
1.“Terra” (Caetano Veloso)
“Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?”
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?”
Enquanto preso, durante o regime militar, Caetano
teria visto as fotografias registradas pelos astronautas da Apollo 8 que
iniciavam a corrida rumo à Lua. A imagem de um planeta azul, pequenino, dava a
noção de quão imenso é o universo e quão especial e vulnerável é este planeta
Terra. As mudanças globais que já estão em curso deverão provocar
danos irreversíveis ao planeta. O aumento da temperatura e a elevação dos
níveis dos oceanos vão provocar migração e desaparecimento de espécies, aumento
de tempestades, enchentes e doenças. A espécie humana, principalmente as
populações mais carentes e vulneráveis, sofrerão profundamente com estas
mudanças. Mesmo sendo todos “errantes navegantes” desta jornada, porque
esquecemos da “menina Terra”?
2.“Asa Branca” (Luiz Gonzaga & Humberto
Teixeira)
“Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão”
Nem um pé de prantação
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão”
Nascido no interior de Pernambuco, em meio à
Caatinga, Luiz Gonzaga não apenas inventou o baião como também declamou, em
poesia e música, a vida do povo sertanejo. A Caatinga é, naturalmente, um
ambiente muito seco, com chuvas raras e, ainda assim, com uma grande
biodiversidade de plantas e animais adaptados a essa condição. Áreas secas do
mundo, com alto grau de devastação, tendem a sofrer com a desertificação,
especialmente em cenários futuros de aquecimento global. Gerar condições de
vida às pessoas que vivem em situações de vulnerabilidade é um passo importante
para a sustentabilidade do planeta.
3.“Manguetown” (Chico Science & Nação Zumbi)
“Fui no mangue catar lixo,
Pegar caranguejo,
Conversar com urubu.”
Pegar caranguejo,
Conversar com urubu.”
Os manguezais são áreas úmidas distribuídas em
quase toda a costa brasileira, muito importantes para a reprodução de animais
marinhos e a ciclagem de nutrientes nas regiões estuarinas. Grande parte dos
manguezais brasileiros estão em unidades de conservação e, muitas delas, com
permissão do uso sustentável de recursos como o caranguejo, importantes para a
economia das populações ribeirinhas. No entanto, esses ecossistemas são
ameaçados devido à poluição, superexploração da pesca,
agricultura, crescimento dos centros urbanos, entre outros. Essa é a situação
dos manguezais da região metropolitana do Recife, onde Chico Science &
Nação Zumbi relataram a convivência de lixo e o caranguejo, recurso utilizado
pela população pobre da região.
4.“O cio da Terra” (Chico Buarque & Milton
Nascimento)
“Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão”
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão”
O trabalho agrário relatado nesta bela canção nos
faz pensar numa relação harmoniosa entre o homem do campo e a terra. Apenas ele
é capaz de compreender os ritmos da natureza e, a partir deste conhecimento,
“forjar no trigo o milagre do pão” para alimentar pessoas de todo o mundo. A
agricultura em pequena escala, com o trabalho das mãos de uma família, sabe
compreender a natureza, a importância dos seus serviços e seu processo de
renovação. Em grandes escalas, o lucro é mais importante que a própria terra, o
uso
de fertilizantes e agrotóxicos polui águas e solos, afetando a
relação do homem com a natureza. É sim possível produzir alimentos e riquezas
sem desmatar novas áreas, sem utilizar substâncias químicas de
maneira excessiva, mas tornando a produção agrícola mais eficiente. Somente
mãos comprometidas com o futuro do planeta podem “afagar a terra” no seu
sentido mais profundo.
5.“Ponta de areia” (Milton Nascimento &
Fernando Brant)
“Ponta de areia ponto final
Da Bahia-Minas estrada natural
Que ligava Minas ao porto ao mar
Da Bahia-Minas estrada natural
Que ligava Minas ao porto ao mar
Caminho de ferro mandaram arrancar”
A estrada de ferro entre o nordeste de Minas Gerais
e o litoral da Bahia funcionou por pouco mais de 80 anos, no final do século
XIX e início do XX, e foi desativada, enchendo de tristeza os povoados por onde
passava. O transporte e a mobilidade são questões indissociadas da vida humana
moderna, itens obrigatórios para qualquer pauta relacionada a um futuro
sustentável. A matriz energética mundial é quase totalmente dependente de
fontes não renováveis de petróleo, gás natural e carvão, as quais têm um grande
efeito poluidor. Já as fontes renováveis, como a energia hidrelétrica e mesmo a
eólica, ainda que “limpas”, causam danos à natureza pela inundação das
barragens e as mortes de animais voadores, respectivamente. Diversificar e
aprimorar as formas de transporte, buscando diminuir a frota de veículos a
combustão, aumentar o transporte público e as ferrovias, hidrovias e ciclovias,
além de buscar formas de economia de energia, são essenciais para um futuro
sustentável.
6.“O Rio” (Marisa Monte, Seu Jorge, Arnaldo Antunes
& Carlinhos Brown)
“Lembra, meu filho, passou, passará
Essa
certeza, a ciência nos dá
Que vai chover quando o sol se cansar
Para que flores não faltem jamais”
Que vai chover quando o sol se cansar
Para que flores não faltem jamais”
As águas continentais, de rios e lagos, são
renovadas em um ciclo ininterrupto pela atmosfera, biota e superfície da Terra.
É a principal fonte hídrica para a agricultura, indústria e consumo humano e
animal. O consumo de água mais que octuplicou no último século no
mundo, enquanto as fontes hídricas continuam sendo, basicamente, as mesmas. O
consumo exagerado de produtos que demandam muita água para sua produção, como a
carne e o algodão, a poluição de rios e o desperdício no uso de água potável
precisam ser freados para um futuro sustentável onde “flores não faltem,
jamais”.
7.“Passaredo” (Chico Buarque & Francis Hime)
“Voa, macuco
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado
Toma cuidado
Que o homem vem aí”
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado
Toma cuidado
Que o homem vem aí”
A perda da biodiversidade é a ação do
homem que mais transgrediu os limites aceitáveis para que processos essenciais
do planeta Terra possam ocorrer. Em termos globais, o homem já causou a
extinção de mais de 300 espécies de animais e 150 espécies de plantas e, do
total de espécies existentes hoje (1,7 milhão), 5% encontram-se ameaçadas. São
inúmeras as causas de perda de espécies, principalmente a destruição dos
habitats onde vivem, a exploração exagerada de espécies pesqueiras e madeiras,
a caça e a invasão de espécies exóticas que competem com as espécies locais.
Mudar essas estatísticas requer ações eficientes, como eliminar completamente
estas ameaças e criar e manter unidades de conservação para garantir a
sobrevivência das espécies.
8.“Luar do Sertão” (Catulo da Paixão Cearense &
João Pernambuco)
“A gente fria
Desta terra sem poesia
Não se importa com esta lua
Nem faz caso do luar
Desta terra sem poesia
Não se importa com esta lua
Nem faz caso do luar
Enquanto a onça
Lá na verde capoeira
Leva uma hora inteira
Vendo a lua derivar”
Lá na verde capoeira
Leva uma hora inteira
Vendo a lua derivar”
Esta canção, com mais de 100 anos, é um hino em
reverência à vida simples do interior do Brasil. O homem pré-revolução
industrial vivia num mundo onde os movimentos da natureza eram a sua principal
inspiração, justificava suas ações e emoções. Hoje, com a sociedade
de consumo, busca-se prazer no comprar, ter e consumir, e venera-se
o capital, o que gera um impacto irreversível sobre os recursos naturais. Além
disso, a produção dos bens de consumo é, muitas vezes, feita em bases sociais e
econômicas pouco equilibradas. Uma vida simplificada, com menos consumo, maior
distribuição de renda e melhores condições de vida para todos os habitantes da
Terra é a única saída para um planeta com mais de 8 bilhões de habitantes.
As músicas do texto estão na playlist “Um
som para o meio ambiente”, criada pela especialista e disponível no
Spotify.
Rede de Especialistas de Conservação da Natureza