O primeiro passo para
tratar a seletividade alimentar é ajudar a criança a entrar em contato
com as suas emoções afloradas na hora da alimentação.
Quando a criança se
recusar a comer algum alimento os pais precisam atuar de uma forma que ajude a
criança a verbalizar o porquê disso, os pais ou profissionais podem tentar
trazer à tona as emoções da criança naquele momento. Mudar a pergunta de
"por que você não quer comer?" para "o que sente ao pensar
que vai comer" pode ser uma estratégia eficaz.
Muitas crianças, ao
serem perguntadas sobre as suas emoções ao pensarem em determinados alimentos,
respondem palavras como "nojo", "feio",
"gosmento", "mole". São, na verdade, indícios para as emoções
que sentem e associam ao alimento. Percebo que, muitas vezes, as crianças falam
rapidamente estes sentimentos e demonstram vontade de mudar de assunto ou sair
daquela situação.
Isso porque elas se
incomodam de uma tal maneira que é difícil para elas lidar com aquele momento.
Para crianças seletivas, é importante que sejam incentivadas a permanecerem em
contato com o que sentem nesta hora. O profissional ou os pais podem, então,
insistir para que a criança elabore melhor o que está resumindo em uma palavra
como "nojo". Por exemplo, a esta criança pode ser dito que ela pode
permanecer naquela situação e entrar em contato com o seu sentimento por um
tempo maior e que isso não precisa assustá-la. Aos poucos, a criança irá
aprendendo a se apropriar das suas emoções e a lidar com aquele sentimento de
maneira mais segura, encarando o que sente naquele momento.
Ao aceitarem que existe
algo mais complexo do que o que a criança está verbalizando como o motivo pelo
qual escolhe determinados alimentos na hora de comer, os pais já deram um
grande passo no processo de auxiliar os seus filhos a melhorarem suas relações
com a comida.
A partir deste
questionamento, a família tem a chance de iniciar a busca pelo motivo que está
por trás desta fala da criança. Para esta criança, é importante que os pais
digam a ela, de forma cuidadosa, que é provável que exista algum outro motivo
mais forte do que o que ela está acreditando para não comer determinado
alimento.
Quando os pais se
propõem a fazer isso, estão ajudando o seu filho a ganhar consciência sobre a
sua forma de se alimentar. A partir deste ponto, em que a criança se coloca
disponível a começar a entender que o que ela tem como crença pode não ser o
que a está impedindo de comer determinado alimento, os pais, junto aos
profissionais que estão envolvidos no processo, podem iniciar a busca pelo o
que não está sendo dito, mas que existe e paralisa a criança diante do
alimento.
O principal ponto é
trabalhar junto à criança e à família para ressignificar a interpretação e as
consequentes crenças criadas sobre os alimentos diante das experiências
alimentares vividas.
É preciso ajudar esta
criança a ressignificar o momento traumático e as consequentes sensações
afloradas nesta experiência. Isso porque, geralmente, uma criança ainda não é
capaz de elaborar um raciocínio que a leve à conclusão de que uma nova
experiência, por mais que traga a possibilidade de fazer com que ela entre em
contato com algo novo, não necessariamente, irá trazer as sensações de
desconforto vivenciadas no episódio traumático.
Neste caso, os pais
podem dizer a esta criança que comer algo novo, ainda que desconhecido, pode
ser curioso e agradável. Porém, para que esta criança se abra a esta
possibilidade, é preciso verbalizar para ela que o tipo de comportamento que
ela está tendo é proveniente de algo pelo qual passou e foi difícil para ela.
As crianças entendem o que lhes é dito com clareza e carinho. Também são
capazes de perceber quando alguém as quer ajudar. Por isso, recomendo que pais
e cuidadores se empenhem na tarefa de conversar com os seus filhos sobre o
comportamento que estão adotando na sua rotina alimentar. Para isso, eles podem
recorrer à ajuda de profissionais para orientá-los a melhor forma de abordar o
assunto com a criança.
Portanto, trazer à tona
a experiência que a criança interpretou como trauma, explicando a ela que é
possível ter novas sensações mesmo que o novo episódio a remeta ao que ela não
quer mais passar, é importante para estimular esta criança a criar consciência
sobre o seu comportamento. Este é um passo fundamental para ajuda-la a entender
o motivo pelo qual está tendo dificuldade de se alimentar de forma diferente. A
partir daí, esta criança poderá se dar conta de que ela consegue, agora, olhar
para a situação traumática de um outro lugar, em que consegue lidar com as
possíveis sensações que terá de uma outra forma, na medida em que aceita que é
possível ter sensações boas, ainda que o episódio a remeta a algo que foi
difícil para ela.
Quatro dicas práticas
sobre seletividade alimentar
1 – Não incluir o
alimento rejeitado na dieta da criança ao perceber que ela tem uma possível
aversão alimentar a este. Antes disso, procurar ajuda para iniciar o tratamento
para a seletividade apresentada.
2 – Não comparar o
comportamento seletivo em relação aos alimentos manifestado pela criança com
outra criança que apresente um comportamento diferente, sobretudo em ocasiões
públicas, que exponham a dificuldade da criança a outras pessoas.
3 – Incentivar a criança
a criar o diário das emoções alimentares, em que ela possa anotar o que cada
alimento traz a ela no momento de comê-lo. Este diário pode ser colorido e
trabalhar o apelo visual. Por exemplo, de uma lado, podem estar a imagem dos
alimentos e, de outro, o que a criança sente ao se imaginar comendo-os em forma
de "carinhas" demonstrando sentimentos como "nojo",
"tristeza", "raiva" ou "angústia".
4 - Ao invés de perguntar de forma direta se a
criança gostou ou não da comida, peça que ela a descreva usando atributos do
alimento como temperatura – gelado, morno, quente -, sabor – amargo, ácido,
azedo, salgado, picante e textura – crocante, cremoso, macio, gorduroso. Desta
forma, ela estará desenvolvendo a sua percepção sobre os sentidos usados na
hora de comer, o que a ajudará a conhecer melhor a natureza do seu palada.
Ariane Bomgosto - nutricionista com experiência em
nutrição comportamental infantil e obesidade infantil. A sua abordagem tem como
foco a nutrição comportamental, sendo a idealizadora do projeto Nutrição
Comportamental Infantil e Obesidade Infantil eu trato.