A dificuldade de se entender o setor educacional como um setor de negócio, que precisa assegurar sustentabilidade para os prestadores deste serviço, é grande e se complica ainda mais quando é sabido que o resultado de um “serviço de formação” mal desenvolvido afeta a sociedade de maneira muito intensa e por anos.
No caso específico da educação superior, para prever a sua
evolução e fazer considerações sobre seus aspectos atuais é necessária uma
reflexão importante sobre sua história e características inerentes deste setor.
Ter lucro através da educação já foi visto como inaceitável
por atores deste segmento. Desta forma, por anos, os detentores destas
licenças identificaram formas de serem remunerados pelo serviço, alugando seus
prédios para as instituições, gerindo as mesmas com seus familiares, de forma
que, mesmo não gerando lucro, os mantenedores e seus “associados” eram
beneficiados com as mensalidades e as instituições se mostravam não rentáveis
nos balanços pós-custo.
Este mundo de ilusões se baseou, durante boa parte do século
passado, em uma política similar à do café com leite (esta era da alternância
do governo federal), a política do “biscoito e da bolacha”: de um lado o João
Carlos Di Genio, mantenedor da Universidade Paulista – UNIP e do outro o outro
João, o João Uchoa Cavalcanti Netto, mantenedor do Grupo Educacional Estácio de
Sá, uma marca carioca de ensino superior.
Por anos, um acordo tácito entre os dois inovadores e
disruptivos da época, garantiu que nunca as Unidades UNIP chegassem ao Rio de
Janeiro e as unidades Estácio de Sá chegassem aos municípios do estado de São
Paulo. Cabe destacar que, neste tempo, a oferta de ensino superior era para
poucos, para descendentes de castas altas e de algumas famílias que se
mostravam evolutivas da classe média; à medida que diversos setores
evoluíam.
Como em todos os acordos de gaveta, uma hora eles são
esquecidos e rompidos. E foi do lado carioca que surgiu um ímpeto de
crescimento, na época em que unidades da Estácio de Sá, ensino presencial, se proliferavam
como fungos (bastava abrir a geladeira e lá estava uma nova unidade de ensino
superior da Estácio de Sá), enquanto o Centro Universitário Radial foi comprado
pela Estácio e, no quintal das unidades UNIP, surgiu uma concorrência.
Esta história tem a finalidade de caracterizar um setor que
tem como serviço um bem social, uma relação de atores que tem poucos anos que
passou a se enxergar como instituições que devem atender sua finalidade, ser
sustentáveis e valorizar seus mantenedores e acionistas e tem um histórico de
pactos e acordos não triviais em segmentos de negócios com regulação mais
intensa e bem estabelecida, até com órgãos reguladores privados.
Agora, nestes primeiros anos da 3ª década do século XXI, de
2021 em diante, pós-pandemia e com o crescimento intenso da oferta de cursos
EAD, os grandes grupos que se estabeleceram a partir de um ensino presencial,
com instalações físicas hoje consideradas megalomaníacas, vemos os executivos
destes grupos, que por anos acusaram os mantenedores anteriores (incluindo
grupos que foram incorporados) de retrógrados e de gerirem olhando pelo
retrovisor, assumindo esta posição de conservadores contra as mudanças
tecnológicas e a nova realidade de atendimento a um perfil de aluno muito mais
cliente e menos produto. E com necessidades mais atuais e menos tradicionais.
A realidade do negócio educação superior mudou, da mesma
forma que a produção manual passou para a produção em escala de maneira
automatizada. Ainda continuamos consumindo medidores de água e luz, mas hoje
são de plástico, e não de chumbo.
Sendo a educação um bem social, o produto deste setor é
inspiracional, precisa ser motivador, precisa ter vínculo com a continuidade do
estudo, ao mesmo tempo que precisa ser eficiente, econômico, e mais ainda
dinâmico para aceitar mudanças trazidas pelos setores que empregarão os
formados nos cursos de graduação.
Hoje, para ficarmos em apenas um exemplo que já grita uma
grande diferença, ferramentas de Inteligência Artificial capazes de elaborar
provas e corrigi-las, ao invés das horas de docentes mal utilizadas em tarefas
repetitivas.
Rever os custos do setor a partir de uma nova e possível
realidade é, portanto, aceitar que a tecnologia existe, é mais barata e mais
acessível e eficiente.
O setor não aceita mais ilusionistas e a verdade se mostra
mais rapidamente. É notório que a purificação do setor, independente do
regulador, acontecerá. Até lá, quem conseguir romper com as suas amarras e
construir projetos inspiracionais e com diferenciais tecnológicos e
metodológicos realmente perceptíveis pelos leads, que são muitos, dará um
grande passo para a continuidade de seu negócio.
O Setor Educacional é inspiracional e a mais importante inspiração
é a possibilidade de empregabilidade para os jovens, a chance de receita e a
valorização dos currículos.
César Silva - diretor Presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo - FATEC-SP há mais de 30 anos. Foi vice-diretor superintendente do Centro Paula Souza. É formado em Administração de Empresas, com especialização em Gestão de Projetos, Processos Organizacionais e Sistemas de Informação