“É um total desrespeito à mulher, à sua autonomia, ao seu corpo e
aos seus processos reprodutivos”, diz o ginecologista Carlos Moraes
Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), violência obstétrica se refere à “apropriação do corpo da mulher e dos
processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento
desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais,
reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias
decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade; o que tem consequências
negativas em sua qualidade de vida”.
O levantamento “Nascer no Brasil”, da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra que 30% das mulheres atendidas em
hospitais privados sofrem violência obstétrica, enquanto no Sistema Único de
Saúde (SUS) a taxa é de 45%.
“A conduta vexatória pode ocorrer
durante a gestação, o parto e pós-parto, manifestando-se por meio de violência
verbal ou física e pela adoção de intervenções e procedimentos desnecessários
e/ou sem evidências científicas. Ou seja, um total desrespeito à mulher, à sua
autonomia, ao seu corpo e aos seus processos reprodutivos”, reforça Carlos
Moraes, ginecologista e obstetra pela Santa Casa/SP, Membro da FEBRASGO e
Especialista em Perinatologia pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital
Albert Einstein, e em Infertilidade e Ultrassom em Ginecologia e Obstetrícia
pela FEBRASGO.
Segundo o psiquiatra Adiel Rios,
pesquisador no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e do
Programa de Reconhecimento e Intervenção em Estados Mentais de Risco; a
violência obstétrica tem o potencial de ser uma grande deflagradora do
sofrimento materno.
“Da gestação até o parto, a mulher
passa por grandes alterações físicas, hormonais e psíquicas, favorecendo a
vulnerabilidade emocional e possíveis transtornos psiquiátricos. Ao sofrer
violência obstétrica, todo esse quadro é potencializado, aumentando as chances
de depressão pós-parto, disfunções sexuais, transtorno do estresse
pós-traumático e alteração na autoimagem corporal”, alerta Adiel Rios.
Para entender quais situações são
consideradas como violência obstétrica, o ginecologista Carlos Moraes listou
algumas das principais:
Violência emocional
Xingar, humilhar, fazer comentários
constrangedores em razão da cor, da raça, da etnia, da religião, da orientação
sexual, da idade, da classe social ou do número de filhos são exemplos de
violência emocional.
Proibir acompanhante
A lei do direito ao acompanhante, em
vigor desde 2005, diz que a gestante tem o direito de ser acompanhada por
pessoa de sua escolha durante sua permanência no estabelecimento de saúde. (Lei
nº 11.108/2005). “Nenhum médico pode negar a presença de um acompanhante
durante toda a gestação, no parto e pós-parto imediato. Se houver essa
restrição logo no início do pré-natal, já reveja sua escolha”, ressalta Carlos
Moraes.
Exame de toque exagerado
Por ser doloroso e incômodo no trabalho
de parto, além de haver risco de infecção/contaminação, o exame de toque não
deve ser feito o tempo todo e tampouco sem o consentimento da paciente.
Ocitocina sem necessidade
Chamada de “sorinho”, a ocitocina
sintética é injetada na veia para acelerar as contrações uterinas e,
consequentemente, o trabalho de parto. No entanto, quando a substância é
utilizada em um parto que evolui normalmente ou se a dose for maior do que o
necessário, pode provocar contrações uterinas excessivas e até diminuir o fluxo
sanguíneo do bebê, aumentando o risco de fazer uma cesárea.
Amniotomia (rompimento da bolsa)
O rompimento precoce da bolsa, associado
ou não à ocitocina, não deve ser realizado em mulheres que estejam evoluindo
bem no trabalho de parto.
Realização da Manobra de Kristeller
Feito tanto no parto normal como na
cesárea, o procedimento consiste na pressão da parte superior do útero com o
objetivo de facilitar a saída do bebê. Apesar de proibida pelo Ministério da
Saúde e pela OMS, a técnica ainda é realizada em alguns hospitais no Brasil,
principalmente no SUS. Os riscos são: ruptura do fígado ou baço, fratura de
costelas, descolamento da placenta, traumas encefálicos no bebê, entre outros.
Realização de Tricotomia e Enema
Tanto a tricotomia pubiana e perineal
(raspagem dos pelos) como o enema (lavagem intestinal) não devem ser realizados
durante o trabalho de parto sem o consentimento da paciente.
Episiotomia sem necessidade ou sem
informar à mulher
Trata-se do corte feito entre a região
da vagina e do ânus para facilitar a saída do bebê. Mesmo que a OMS tenha
determinado critérios sobre o procedimento, médicos realizam a episiotomia
rotineiramente, sendo que, muitas vezes, ela não é necessária. Estima-se que o
corte seja feito em cerca de 80% das brasileiras, sem notificar ou questionar a
paciente.
Negar escolha da posição do parto
A mulher pode (e deve) escolher sua
posição de parto, não sendo obrigada a ficar em posição de litotomia (deitada
com a barriga para cima e pernas levantadas). “A paciente tem o direito de
decidir se quer ficar de cócoras, agachada ou em qualquer outra posição que
seja mais confortável para ela”, diz o ginecologista Carlos Moraes.
Proibir dieta e líquidos
Não se pode impedir que a mulher se
alimente e beba água durante o trabalho de parto. Muitas pacientes ficam horas
em jejum. Mulheres em trabalho de parto podem ingerir líquidos e dieta leve.
Negar anestesia
Toda gestante tem o direito de receber
anestesia, se for solicitada ou necessária. No entanto, a medicação não pode
impedi-la de se mexer, andar e, principalmente, fazer força em caso de parto
normal.
Cesárea sem necessidade
A mulher não é obrigada a fazer uma
cesariana, a não ser que haja problemas de saúde ou complicações durante o
trabalho de parto. A cesárea é uma cirurgia e pode gerar hemorragia, infecções
e danos a órgãos internos da gestante, sem que fosse necessário assumir o risco
de ter estas complicações.
Dificultar o contato imediato com o
bebê e a amamentação
As mulheres devem ser estimuladas a ter
contato pele a pele imediato com a criança e a amamentar, logo após o
nascimento. “Independentemente do tipo de parto, o bebê deve ser levado à mãe
assim que nascer e ser amamentado logo após ser limpo”, esclarece o
ginecologista.
Como denunciar
É fundamental que vítimas de violência
em qualquer fase da gestação ou do parto, realizados em redes de saúde pública
ou privada, denunciem a ocorrência. As denúncias podem ser realizadas junto à
ouvidoria do hospital, ao Ministério Público, à Defensoria Pública da região, à
Secretaria de Saúde do seu Município ou na ouvidoria da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS), em caso de ser beneficiária de plano de saúde.
Denúncias também podem ser feitas pelo
número 180 ou pelo Disque Saúde 136. “A paciente deve denunciar quem praticou
violência obstétrica nos conselhos de classe e promover na justiça ação para
reparação dos seus danos materiais, estéticos e/ou morais”, complementa o
ginecologista Carlos Moraes.