Uma das características mais marcantes das mulheres, o ciclo menstrual e o poder de dar vida, também pode ser um dos temas mais cercados por tabus, estigmas sociais e significativos desafios econômicos, ambientais, mentais e de saúde. Pode parecer exagero, mas, infelizmente, a dignidade - ou a falta dela - com que os períodos menstruais são gerenciados impacta diretamente a vida de milhões de meninas e mulheres em todo o mundo.
Esse assunto está ganhando atenção global, mas é na África que se encontram algumas das estatísticas e realidades mais alarmantes. Um estudo da UNICEF revelou que, em algumas regiões do continente, 50% das meninas não têm acesso a produtos menstruais, sendo forçadas a recorrer a alternativas inseguras, como panos velhos, jornais, folhas, pedaços de colchões ou até areia. No Zimbábue rural, meninas chegam a utilizar esterco de vaca como proteção menstrual devido ao alto custo dos produtos de higiene feminina. Em outros casos, foi possível testemunhar meninas usando migalhas de pão, uma realidade chocante que evidencia a profundidade desta crise.
As causas da pobreza menstrual são muitas. Os produtos menstruais são frequentemente caros, de baixa qualidade ou feitos com plásticos que causam alergias. Para muitas famílias que vivem na pobreza, esses produtos são considerados um luxo e, em algumas comunidades, simplesmente não estão disponíveis. Assim, todos os meses, milhões de mulheres e meninas enfrentam o desafio silencioso, mas constante, de gerenciar sua saúde menstrual com dignidade.
O que muitas consideram básico – a capacidade de escolher como e com o que gerenciar a menstruação – é um sonho distante para muitas outras. Além da falta de acesso a produtos acessíveis, o estigma cultural e os danos ambientais causados pelos produtos descartáveis agravam ainda mais o problema.
Na África, os desafios são duplos. Os absorventes descartáveis não só contribuem para a degradação ambiental, mas também estão financeiramente fora do alcance de muitas pessoas. Em áreas rurais, um pacote de absorventes pode custar o equivalente a um dia de trabalho, forçando as famílias a escolher entre produtos menstruais e itens essenciais, como comida ou remédios. Como resultado, muitas meninas recorrem a alternativas perigosas, colocando sua saúde em risco. Outras simplesmente ficam em casa durante o período, perdendo dias de escola e ficando para trás nos estudos, enfrentando vergonha e isolamento. Em casos extremos, a pobreza menstrual leva à prostituição, depressão e até ao suicídio.
Em muitas cidades africanas, a falta de saneamento básico e de sistemas de gestão de resíduos agrava o problema dos absorventes descartáveis, que muitas vezes são jogados em terrenos abertos ou queimados, liberando gases tóxicos devido aos plásticos de baixa qualidade. Globalmente, bilhões de absorventes são descartados anualmente, poluindo lixões, rios e mares. Esse impacto ambiental e econômico ressalta a urgência de soluções sustentáveis e acessíveis. Uma possível resposta pode estar em práticas antigas e sustentáveis, que usavam materiais naturais, como panos, musgo ou fibras de bananeira, para gerenciar os ciclos menstruais, oferecendo um modelo mais ecológico e livre de lixo.
Hoje, os produtos menstruais reutilizáveis modernos, como absorventes de pano, copos menstruais e calcinhas absorventes, resgatam esse legado, combinando sabedoria tradicional com tecnologia atual. Essas inovações não só são ecológicas, mas também economicamente viáveis. Um único absorvente reutilizável, por exemplo, pode durar até cinco anos, economizando o custo recorrente dos descartáveis. Já os copos menstruais, feitos de silicone médico, podem durar até 10 anos - um investimento único com benefícios para a vida toda.
Os produtos menstruais reutilizáveis oferecem benefícios que vão além da economia e da sustentabilidade, desafiando o estigma em torno da menstruação. Ao normalizar as conversas sobre o ciclo menstrual e promover alternativas ecológicas, as mulheres estão retomando sua autonomia e transformando narrativas culturais, enfrentando a pobreza menstrual e abrindo caminho para um futuro mais justo. A Economia Circular, que prioriza a reutilização e reciclagem de recursos, alinha-se a esses esforços, resgatando o conhecimento ancestral para criar um mundo onde nenhuma menina precise escolher entre educação, saúde e dignidade.
Juntas, nós podemos fazer isso!
Isabela Bonatto - embaixadora do Movimento Circular e possui doutorado e mestrado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, além de MBA em Gestão Ambiental. É consultora socioambiental com foco em gestão de resíduos, Economia Circular e sustentabilidade corporativa, e tem experiência em diversos setores, incluindo ONGs e instituições internacionais
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