Parte dos pacientes recuperados apresenta nos meses seguintes à alta hospitalar problemas cardíacos, neurológicos, dermatológicos e pulmonares, entre outros. Em evento promovido pela Academia Nacional de Medicina, médicos defendem unidades dedicadas a lidar com as sequelas da doença (foto: Isabela Carrari/Prefeitura de Santos)
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Nem sempre a alta hospitalar é o fim
dos problemas causados pela COVID-19. No mundo todo, profissionais de saúde
observam uma série de complicações decorrentes da doença, que vão de
manifestações dermatológicas a distúrbios cardíacos e podem surgir meses após
resolvido o quadro agudo da infecção pelo SARS-CoV-2. Para que a carga da
pandemia não se torne ainda maior para o sistema de saúde do país,
pesquisadores recomendam a criação de protocolos clínicos e unidades para
tratamento de pacientes com a chamada síndrome pós-COVID.
O assunto
foi debatido em seminário on-line promovido no dia 08 de abril pela Academia
Nacional de Medicina (ANM).
“Temos observado que o doente se cura
da COVID-19, sai da UTI [Unidade de Terapia Intensiva], mas permanece no
hospital, pois não consegue voltar para casa. Ele precisa de reabilitação. Por
isso, temos de pensar num modelo que passei a chamar de unidade pós-COVID, onde
teríamos atendimento ambulatorial, hospital-dia e algumas áreas para internação
daqueles pacientes que não têm condição [de ter alta]”, disse Fábio Jatene, diretor-geral do
Instituto do Coração (InCor) e professor da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FM-USP).
Jatene
falou sobre a ocorrência de problemas cardiovasculares decorrentes da COVID-19,
que não necessariamente ocorrem apenas em pacientes com histórico prévio de
doença cardíaca.
“A literatura tem várias observações
a respeito de pessoas absolutamente sem doença cardiovascular e que acabaram
desenvolvendo no pós-COVID. Inclusive atletas universitários, pessoas sem risco
cardiovascular. Estudos revelaram que 55% dos pacientes no pós-COVID
apresentaram alterações no bombeamento cardíaco. Num estudo realizado na
Alemanha, 78% dos pacientes diagnosticados com COVID-19 mostraram evidência de
alguma lesão cardíaca, causada até semanas depois da recuperação da doença
propriamente dita”, explicou o pesquisador, que é apoiado pela FAPESP.
Para o presidente da ANM, Rubens Belfort Jr.,
a síndrome pós-COVID é uma amostra do papel das doenças infecciosas no
desenvolvimento de outras moléstias. Segundo o médico, a pandemia está trazendo
novos conhecimentos sobre essa relação. Um exemplo anterior é a zika que, embora
não cause problemas graves em adultos, pode levar à microcefalia nos fetos em
desenvolvimento. Outro é a toxoplasmose, recentemente relacionada à ocorrência
de esquizofrenia.
“O
problema vai muito além da COVID-19. Quem poderia imaginar que tantas alterações
aparentemente não relacionadas a doenças infecciosas decorrem delas? Com toda
certeza, muitas outras doenças virais podem causar manifestações tardias, mas a
medicina ainda as desconhece”, disse Belfort, que é professor da Escola
Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).
Segundo
Carlos Alberto Barros Franco, membro da ANM e professor da Escola Médica de
Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
o Brasil ainda está na fase da pandemia em que a preocupação mais urgente é
conter a transmissão do vírus, mas os problemas decorrentes da COVID-19 vão
persistir por muito tempo.
“Essa é
uma preocupação de países europeus e norte-americanos, que vêm se preparando
para essa segunda fase, a da síndrome pós-COVID ou COVID longa. Isso terá
consequências da maior gravidade no Brasil. Haverá pessoas que não vão poder
voltar a trabalhar normalmente. Então é fundamental que o Brasil se prepare”,
disse o acadêmico.
Câncer e COVID-19
Os
palestrantes relataram casos e apresentaram estudos realizados no Brasil e no
exterior das mais variadas manifestações ocorridas após a resolução da fase
aguda da COVID-19. Alterações gastrointestinais, pulmonares, do fígado e das
vias biliares; diferentes manifestações dermatológicas, renais e
otorrinolaringológicas; problemas psicológicos e até da retina já foram
relatados na literatura médica.
Como um
dos efeitos colaterais da pandemia, não necessariamente ligados à doença em si,
pesquisadores apontaram uma redução significativa no número de diagnósticos e
tratamentos de câncer.
Segundo Paulo Hoff,
diretor-geral do Instituto do Câncer (Icesp) e professor da FM-USP apoiado pela FAPESP, a
pandemia trouxe queda significativa nos exames preventivos e, consequentemente,
no diagnóstico precoce de tumores.
Uma vez
que quanto mais cedo ocorre o diagnóstico, maiores são as chances de cura, a
pandemia deverá trazer um número maior de ocorrência de câncer e de mortes
no futuro. Estudo realizado na Inglaterra estimou quase 18 mil mortes a mais
por câncer naquele país por conta da interrupção dos tratamentos ou pela falta
de diagnóstico.
“São dados
que se repetem ao redor do mundo. Tivemos redução na ordem de 70% a 90% nos
exames de rastreamento de tumores importantes como de mama, próstata e
colorretais. [Houve ainda] redução significativa nas cirurgias relacionadas ao
diagnóstico de câncer e, talvez mais importante, dados originados nos
laboratórios de anatomopatologia mostram até 30% de redução nas biópsias de
câncer nesse período. Lembrando que esses casos continuam acontecendo, só não
estão sendo diagnosticados no seu estágio mais precoce, o que seria desejável”,
contou o pesquisador.
O médico
afirmou que a incidência de COVID-19 é similar entre pessoas com e sem câncer,
mas que a mortalidade é maior no primeiro grupo, como deve mostrar um estudo
realizado por sua equipe, ainda não publicado. Os pacientes especialmente
afetados pela COVID-19 são os imunodeprimidos por conta da doença ou do
tratamento, os que têm comprometimento pulmonar prévio ou portadores de
neoplasias hematológicas.
O médico
oncologista afirmou ser essencial que os pacientes diagnosticados mantenham o
tratamento, ainda que seguindo protocolos de segurança contra a COVID-19. Além
disso, pessoas saudáveis não devem deixar de fazer exames de rotina que possam
detectar tumores. Pacientes em tratamento contra o câncer que tenham sido diagnosticados
com COVID-19 devem retomar as terapias para os tumores entre 14 e 21 dias
depois da resolução dos sintomas da infecção pelo SARS-CoV-2, alertou.
A íntegra do evento estará disponível
em www.youtube.com/watch?v=B-UOLY51Iis.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/brasil-precisa-criar-protocolos-para-tratamento-da-sindrome-pos-covid-19/35648/