Filhote de capivara apresenta paralisia das patas traseiras
poucos dias antes de morrer por encefalite causada pelo vírus
da raiva, na Ilha Anchieta, litoral de São Paulo
(foto: Fundação Florestal)
Três capivaras foram
encontradas mortas na Ilha Anchieta, no município de Ubatuba (SP), entre
dezembro de 2019 e janeiro de 2020. Duas delas apresentaram paralisia das patas
traseiras antes de morrerem. Análises dos cérebros, realizadas no Instituto
Pasteur, em São Paulo, determinaram a causa da morte: encefalite causada pelo
vírus da raiva.
Este terceiro relato de casos
de raiva em capivaras no mundo, e o segundo no Brasil, foi publicado na revista Veterinary Research Communications. O
estudo, apoiado pela FAPESP, também
detectou que a variante do vírus encontrada nos três animais é a mesma presente
em morcegos-vampiros (Desmodus rotundus).
“Nos últimos anos, tem-se
observado um aumento no número de casos relatados de raiva em animais silvestres.
Isso possivelmente está relacionado a distúrbios ambientais que desequilibram o
ecossistema onde vivem os morcegos”, explica Enio Mori, pesquisador do Instituto
Pasteur, órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e coordenador do
estudo.
Outro caso recente foi o de um
gambá infectado com o vírus, encontrado morto em Campinas (leia mais
em: agencia.fapesp.br/50785/).
Os casos da Ilha Anchieta, um
parque estadual no município de Ubatuba, ocorreram pouco depois de uma reforma
nas ruínas existentes na ilha, em 2019, quando o telhado de uma construção foi
reformado e os morcegos perderam temporariamente seus abrigos.
“Em momentos como esse, há
grande estresse nas colônias e muitas brigas entre os morcegos. Com isso, podem
passar raiva uns aos outros, aumentando as chances de transmiti-la para os
animais silvestres dos quais eles se alimentam, como as capivaras”, conta Mori,
que também é professor do Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimental e
Comparada da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de
São Paulo (FMVZ-USP).
De modo geral, o desmatamento
também contribui para o aumento dos casos de raiva. A diminuição do número de
animais silvestres, que servem como fonte de alimento original para os morcegos-vampiros,
faz com que estes busquem outros mamíferos, como animais domésticos ou até
mesmo seres humanos, para se alimentarem. Isso aumenta o risco de transmissão
da raiva para novos hospedeiros.
Variantes
As capivaras mortas foram
localizadas por funcionários da Fundação Florestal, responsável pela
administração do Parque Estadual da Ilha Anchieta. Amostras de seus cérebros
foram enviadas ao Instituto Pasteur, que integra uma rede de laboratórios que
realizam diagnósticos para vigilância epidemiológica da raiva, utilizando
material enviado pelos centros de controle de zoonoses dos municípios.
Primeiro, como prova de
triagem, os pesquisadores e técnicos realizaram a detecção de antígenos para o
vírus da raiva no tecido cerebral. Os três casos apresentaram resultado
positivo para a raiva.
Em seguida, o isolamento do
vírus foi realizado como teste confirmatório. Uma das amostras estava muito
deteriorada, o que impediu a realização desse exame, mas o genoma da partícula
viral pôde ser sequenciado. Todas as amostras confirmaram a presença da mesma
variante encontrada em morcegos-vampiros, indicando uma provável transmissão
pela mordedura.
O único outro caso de raiva em
capivaras no Brasil foi publicado em 1985. No mundo, outro caso só foi relatado
no norte da Argentina, em 2009. Apenas no estudo atual foi feita a tipificação
da variante viral encontrada.
Não existem relatos de casos de
raiva humana transmitida por capivaras. No entanto, acidentes em que pessoas foram
mordidas por esses animais geralmente causam grandes lesões. Ainda não se sabe
se a saliva das capivaras contém o vírus, como ocorre com os morcegos, que são
reservatórios do patógeno.
“Por isso, a vigilância
epidemiológica precisa continuar para entender o papel das capivaras no ciclo
do vírus, por exemplo. É bem possível que elas sejam hospedeiros finais, que
morrem sem transmitir o vírus para outros animais. Mas, para confirmar isso,
precisamos de novos estudos”, atesta o pesquisador.
O artigo Rabies in
free-ranging capybaras (Hydrochoerus hydrochaeris) on Anchieta
Island, Ubatuba, Brazil pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11259-024-10558-y.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/primeiros-casos-de-raiva-em-capivaras-no-litoral-paulista-sao-alerta-para-monitoramento-do-virus/53245
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