Entenda
os critérios jurídicos por trás das tomadas de decisão relativas às
adversidades médicas
Nem toda
falha em um tratamento médico é, por si só, motivo para indenização. No Brasil,
a responsabilidade civil de um profissional da saúde, como médicos autônomos,
segue a lógica da responsabilidade subjetiva, ou seja, exige-se a comprovação
de culpa para que haja obrigação de indenizar. Isso significa que um
diagnóstico ineficaz ou um procedimento que não alcançou o resultado esperado
não são suficientes, por si só, para responsabilizar o médico.
De acordo
com o advogado Thayan Fernando Ferreira, especialista
em Direito da Saúde e membro da Comissão de Direito Médico da OAB-MG e diretor
do escritório Ferreira Cruz Advogados, a responsabilização do médico
depende de três elementos fundamentais. São eles o ato ilícito, nexo causal e
culpa que pode se dar por negligência, imprudência ou imperícia. “Nem todo erro
médico gera indenização. Se o profissional seguiu protocolos, solicitou os
exames corretos, acompanhou o paciente de forma diligente e, ainda assim, o
desfecho foi negativo, estamos diante do chamado erro escusável”, explica.
Esse
conceito é reconhecido tanto por estudiosos do setor quanto pela jurisprudência.
O erro escusável ocorre quando, mesmo com atuação técnica e dentro dos
parâmetros da medicina, o resultado final não é satisfatório por limitações da
própria ciência médica. “A medicina não é uma ciência exata, e o Direito
reconhece isso. O artigo 14, 4º, do Código de Defesa do Consumidor estabelece
que a responsabilidade pessoal do profissional liberal depende da comprovação
de culpa”, reforça Thayan.
No mais, a
lógica muda quando o atendimento ocorre dentro de clínicas, hospitais, laboratórios
ou qualquer estrutura empresarial de saúde. Nesses casos, o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que
a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa. Isso ocorre porque
tais instituições atuam dentro de uma estrutura empresarial que visa o lucro e,
portanto, assumem um dever de resultado e um dever ampliado de cuidado e
proteção ao consumidor.
“O hospital
ou a clínica, ao oferecer um corpo clínico, estrutura física e serviços
médicos, se insere numa relação de consumo e deve responder objetivamente por
falhas, ainda que não se comprove culpa direta do profissional”, explica o
advogado.
Nesses
casos, basta demonstrar o nexo causal entre a conduta ou omissão e o dano
sofrido, além da ocorrência de um ato ilícito como, por exemplo, falhas de
atendimento, ausência de estrutura adequada ou omissões de exames essenciais. O
mesmo entendimento é aplicado aos laboratórios, especialmente em casos de erro
em laudos, como falsos positivos, omissões de intercorrências ou diagnósticos
incorretos. Nessas situações, o STJ entende que há dever de resultado imediato,
e a responsabilidade é objetiva: não se discute culpa, mas apenas se houve o
dano, o nexo causal e o ato ilícito.
Já em
procedimentos estéticos, como colocação de silicone, botox, rinomodelações ou
bichectomias, o entendimento consolidado é de que existe obrigação de
resultado. Ou seja, o profissional ou a clínica estética assume o compromisso
de melhorar a aparência do paciente. Quando o resultado é insatisfatório ou
piora a condição anterior, há dever automático de indenizar, com base na
responsabilidade objetiva.
Por fim, é
importante lembrar que tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto o Código
Civil são aplicáveis nas relações entre pacientes e profissionais de saúde,
incluindo autônomos. No caso de hospitais, clínicas, planos de saúde e
laboratórios cuja atividade é empresarial e voltada ao lucro, há também o dever
ampliado de cuidado com o paciente, o que justifica a aplicação da responsabilidade
objetiva.
“O que se
busca não é blindar o médico, mas reconhecer os limites da ciência médica. Por
outro lado, quando a estrutura de atendimento é empresarial, há uma expectativa
legítima de qualidade, segurança e eficácia nos serviços prestados. E quando
isso falha, há, sim, dever de reparar o dano”, finaliza Thayan.
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