Vamos começar essa jornada por uma viagem no tempo até o Banquete de Platão. A única mulher citada na história é Diotima, um codinome para Aspásia, a sacerdotisa de Afrodite, que, segundo Sócrates, teria ensinado a ele tudo sobre o amor. Na ocasião, ela diz que Afrodite impulsionou Eros a buscar o belo e que o desejo seria uma busca por esse belo, seja lá o que ele significa para cada um de nós.
Freud também caiu nos encantos de Afrodite. Na sua
sala em Londres, havia uma abundância de imagens e estátuas da deusa. Ele usava
um anel com a deusa esculpida, inclusive sua paciente, a Princesa Maria
Bonaparte, presenteou-lhe com uma Afrodite de bronze. Apesar de causar fascínio
nele, foi Eros que dominou seu trabalho.
As linhas gerias da psicanálise foram amplamente
usadas pela mídia como gatilhos para o inconsciente. Assim surgiu uma miríade
de produtos usando esse arquétipo - pouco a pouco, a deusa foi sendo reduzida à
beleza e ao desejo no sentido de satisfação pessoal. Os dons simbolizados por
Afrodite em nosso mundo foram evanescendo e não uniam mais comunidades, mas
serviam ao autoprazer.
Na antiguidade era diferente, consideravam-na a
deusa que mistura tudo, para qual o amor não é gratificação, mas simbiose da
troca. O que nos sobrou após anos de patriarcado, propaganda e um amor
romântico reeditado por Hollywood foi a distorção da beleza, do amor, do sexo e
dos relacionamentos amorosos. As relações ficaram líquidas, o ghosting virou o ato heroico
da falta de compromisso. Imperou a falta de trocas reais e em todos os níveis.
Num sentido afrodisíaco, a beleza vinha de um
sentir-se bem na própria pele, de um prazer de estar em si. Porém, já não é
mais assim. O que seria hoje de Helena Fourment, representando uma Vênus roliça
e com leve papada para Rubens? Talvez mais uma na fila da plástica e da
harmonização facial a buscar o mesmo perfil padronizado por uma indústria
universal.
Até o erótico foi banalizado. Onde está a
imaginação tão necessária ao erótico? Proust dizia que as mulheres bonitas, ele
deixava para os homens sem imaginação. Fico pensando que se ele precisasse de
imaginação para o sexo, hoje, ele seria celibatário, pois a massificação das
referências sexuais tira o espaço da criatividade. O erotismo perdeu sua
necessária brisa de mistério.
Afrodite enfrentou uma longa jornada desde o
nascimento do seu mito como deidade no Oriente Médio até se tornar o ícone de
garota glamourosa dos anos 1920, à mulher plastificada dos anos 2000. Mas já é
chegada a hora de um resgate do feminino: precisamos saber respeitar nosso corpo
e vê-lo como um grande manancial de conexão entre a vulva, a mente e o coração,
como também devemos retomar a sedução a partir de um prazer de estar na nossa
própria pele sem importar o que a mídia determinou como belo.
O mito de Afrodite não é apenas lembrança de sua
beleza, mas sim um guia através das dificuldades quixotecas de ter uma vida
mortal num corpo cheio de emoções e desejos.
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