Pesquisador da Univali é um dos autores de artigo publicado na revista Science
Os cetáceos — grupo que inclui baleias e golfinhos — evoluíram de mamíferos terrestres que retornaram aos oceanos há milhões de anos. Hoje, seus descendentes estão ameaçados por um mamífero terrestre diferente que também retornou ao mar: os humanos.
Milhares de baleias são feridas ou mortas a cada ano após serem atingidas por navios, particularmente os grandes navios de carga que transportam pelos oceanos, aproximadamente, 80% dos bens comercializados no mundo. Sabe-se que para algumas espécies de baleias as colisões são a principal causa de morte, como a baleia-franca-do-norte. No entanto, dados sobre colisões de navios com baleias são difíceis de obter, impedindo esforços para proteger espécies. Um novo estudo liderado pela Universidade de Washington (UW) e com a participação do pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), André Silva Barreto, quantificou pela primeira vez o risco de colisões entre baleias e navios em todo o mundo. O trabalho focou em quatro espécies oceânicas com distribuição global e que são ameaçados pelo transporte marítimo: baleias azuis, fin, jubarte e cachalotes.
No artigo, publicado hoje, 21 de novembro, na revista Science, os pesquisadores relatam que o tráfego marítimo global se sobrepõe a cerca de 92% das áreas de distribuição dessas espécies de baleias. Leia neste link: https://www.science.org/doi/10.1126/science.adp1950
“A cada ano, os navios viajam milhares de quilômetros dentro das áreas de distribuição dessas espécies, e esse problema só deve aumentar à medida que o comércio global crescer nas próximas décadas”, informa a autora sênior, Briana Abrahms, professora assistente de Biologia da UW e pesquisadora do Center for Ecosystem Sentinels .
“Colisões entre baleias e navios geralmente só são estudadas em nível local ou regional — como nas costas leste e oeste dos EUA continentais, e os padrões de risco permanecem desconhecidos para grandes áreas”, explica a autora principal Anna Nisi, pesquisadora de pós-doutorado da UW no Center for Ecosystem Sentinels: “Nosso estudo é uma tentativa de preencher essas lacunas de conhecimento e entender o risco de colisões entre navios em nível global. É importante entender onde essas colisões provavelmente ocorrerão porque há algumas intervenções realmente simples que podem reduzir substancialmente o risco de colisão.”
A equipe descobriu que apenas cerca de 7% das áreas com maior risco de colisões entre baleias e navios têm medidas em vigor para proteger as baleias dessa ameaça. Essas medidas incluem reduções de velocidade, tanto obrigatórias quanto voluntárias, para navios cruzando águas que se sobrepõem a áreas de migração ou alimentação de baleias.
“Por mais que tenhamos encontrado motivos para preocupação, também encontramos alguns pontos positivos”, diz Abrahms: “Por exemplo, implementar medidas de gerenciamento em apenas 2,6% adicionais da superfície do oceano protegeria todos os pontos críticos de colisão de maior risco que identificamos.” As áreas de maior risco para as quatro espécies incluídas no estudo ficam em grande parte ao longo das áreas costeiras do Mediterrâneo, partes das Américas, sul da África e partes da Ásia.
A equipe internacional por trás do estudo, que inclui pesquisadores de cinco continentes, analisou as áreas onde essas quatro espécies de baleias vivem, se alimentam e migram. Os dados vieram de fontes distintas, incluindo pesquisas científicas, avistamentos feitos pelo público, estudos de marcação e até mesmo registros de caça às baleias. A equipe coletou cerca de 435.000 avistamentos únicos de baleias. Eles então combinaram esse novo banco de dados com informações sobre os trajetos de 176.000 navios de carga de 2017 a 2022 — rastreados pelo sistema de identificação automática de cada navio — para identificar onde as baleias e os navios têm maior probabilidade de se encontrar.
O estudo revelou regiões já conhecidas como áreas de alto risco para colisões com navios: a costa do Pacífico da América do Norte, Panamá, o Mar Arábico, Sri Lanka, as Ilhas Canárias e o Mar Mediterrâneo. Mas também identificou regiões anteriormente desconhecidas com alto risco para colisões entre navios e baleias, incluindo o sul da África; América do Sul ao longo das costas do Brasil, Chile, Peru e Equador; os Açores; e o Leste Asiático ao longo das costas da China, Japão e Coreia do Sul.
Contribuição brasileira - Os resultados obtidos para a costa do Brasil mostram áreas de alto risco de colisões entre baleias e navios, principalmente em uma área que se estende do sul da Bahia até o Rio Grande do Sul. Em áreas próximas da costa, o maior risco é de colisão com baleias jubarte, em áreas mais externas, com as outras três espécies. André Silva Barreto, professor da Univali e único brasileiro a participar do estudo destaca: “Este trabalho mostra que o risco de colisões é real nas áreas de maior tráfego de embarcações no Brasil”.
Os dados sobre a ocorrência de baleias na costa brasileira vieram do SIMMAM (https://libgeo.univali.br/simmam), um projeto desenvolvido por André Barreto e apoiado pela Univali desde 2005. Este projeto já teve suporte do CNPq e Fapesc, sendo utilizado pelo Ibama e ICMBio. “Os resultados deste artigo reforçam a importância de se ter bancos de dados de longo prazo. Seria impossível obter os resultados que tivemos com resultados de pesquisas individuais” destaca o pesquisador. No artigo foram utilizados os dados públicos existentes no SIMMAM, que têm origem principalmente em trabalhos publicados e avistagens feitas durante o licenciamento ambiental.
A equipe descobriu que medidas obrigatórias para reduzir colisões entre baleias e navios eram muito raras, sobrepondo apenas 0,54% dos hotspots de baleias-azuis e 0,27% dos hotspots de baleias jubarte, e não sobrepondo nenhum hotspot de baleias-fin ou cachalotes. Embora muitos hotspots de colisão caíssem em áreas marinhas protegidas, essas reservas geralmente não têm limites de velocidade para embarcações, pois em sua maioria foram estabelecidas para evitar a pesca e a poluição.
Para todas as quatro espécies, a vasta maioria dos pontos críticos de colisões com navios — mais de 95% — estavam perto das costas, caindo dentro da zona econômica exclusiva de uma nação. Isso significa que cada país poderia implementar suas próprias medidas de proteção em coordenação com a Organização Marítima Internacional da ONU. “Do ponto de vista da conservação, o fato de que a maioria das áreas de alto risco estão dentro de zonas econômicas exclusivas é realmente encorajador”, explica Nisi. “Isso significa que os países individuais têm a capacidade de proteger as áreas mais arriscadas.”
Das medidas limitadas atualmente em vigor, a maioria está ao longo da costa do Pacífico da América do Norte e no Mar Mediterrâneo. Além da redução de velocidade, outras opções para reduzir colisões com navios incluem mudar as rotas dos navios para longe de onde as baleias estão localizadas ou criar sistemas de alerta para notificar autoridades e as tripulações quando as baleias estiverem por perto. “Reduzir a velocidade dos navios em pontos críticos também traz benefícios adicionais, como a redução da poluição sonora na água, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a redução da poluição do ar, o que ajuda as pessoas que vivem em áreas costeiras”, diz Nisi.
Os autores esperam que seu estudo global possa estimular pesquisas locais ou regionais para mapear as zonas de maior risco com mais detalhes. É importante levar em consideração o impacto das mudanças climáticas, pois estas mudarão as distribuições de baleias e em alguns lugares as afetarão as rotas dos navios à medida que o gelo marinho derrete e os ecossistemas mudam.
Os coautores do estudo são Heather Welch, pesquisadora científica da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional e da Universidade da Califórnia, Santa Cruz; Stephanie Brodie, pesquisadora científica da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation na Austrália; as pesquisadoras Callie Leiphardt e Rachel Rhodes e o professor Douglas McCauley, todos da Universidade da Califórnia, Santa Barbara; Jessica Redfern, vice-presidente associada do New England Aquarium; Trevor Branch e Sue Moore, professores da University of Washington; Andre Barreto , professor da Universidade do Vale do Itajaí; o biólogo pesquisador sênior John Calambokidis do Cascadia Research Collective; o cientista de dados Tyler Clavelle, o cientista-chefe David Kroodsma e o gerente sênior Tim White da Global Fishing Watch; as pesquisadoras Lauren Dares e Chloe Robinson da Ocean Wise; Asha de Vos da Oceanswell no Sri Lanka e da University of Western Australia; Shane Gero, da Carleton University; a bióloga Jennifer Jackson, do British Antarctic Survey; Robert Kenney , cientista pesquisador emérito da University of Rhode Island; Russell Leaper, do Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal; Ekaterina Ovsyanikova, da University of Queensland; e Simone Panigada, do Tethys Institute, na Itália.
A pesquisa foi financiada pela The Nature Conservancy, NOAA, National Marine Fisheries Service, Oceankind, Bloomberg Philanthropy, Heritage Expeditions, Ocean Park Hong Kong, National Geographic, New England Aquarium, NEID Global e Schmidt Foundation.
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