As mitocôndrias possuem um DNA próprio (mtDNA),
herdado somente da mãe
(imagem: Darryl Leja/NHGRI/Wikimedia Commons
Alterações foram mapeadas por grupo da Unifesp e colaboradores no genoma das mitocôndrias, as organelas que produzem energia para as células. Do total, 13 aumentam o risco para a doença e 38 são protetivas
Usando
técnicas de sequenciamento, pesquisadores conseguiram associar 51 mutações
identificadas no genoma mitocondrial à esclerose lateral amiotrófica (ELA),
doença incurável que afeta o sistema nervoso provocando degeneração progressiva
e paralisia motora irreversível. Do total das variações, 13 aumentam o risco
para ELA e 38 são protetivas. O estudo sugere ainda que essas variantes podem
ser importantes para futuros testes e pesquisas sobre a doença.
Vale lembrar que as
mitocôndrias – organelas que produzem energia para a célula – possuem um DNA
próprio (mtDNA), herdado somente da mãe. Mutações no mtDNA podem causar
diversos tipos de doenças, quase todas afetando processos neuromusculares.
Publicado na
revista Muscle & Nerve, o trabalho analisou 1.965 genomas de
pacientes do banco do Centro de Genoma de Nova York – o consórcio ALS, uma
parceria de cientistas de 45 instituições mundiais voltada ao sequenciamento e
estudo genômico da ELA – e outros 2.547 do grupo de comparação (os
“controles”).
“Identificamos que a nossa
pesquisa é a primeira a associar as mutações no genoma mitocondrial à esclerose
lateral amiotrófica. Fizemos uma análise interessante, com uma abordagem
quantitativa. É difícil ter um volume grande de amostra para a doença. A nossa
tem um perfil formado por pacientes americanos, de ascendência do Norte global.
A literatura científica aponta que a ELA tem maior incidência em caucasianos e,
no caso de afrodescendentes, apesar de não ser alta, geralmente é a forma mais
grave, a bulbar”, afirma o biólogo Marcelo Briones,
professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(EPM-Unifesp).
Autor correspondente do artigo
juntamente com o pesquisador James Broach, da Faculdade de Medicina do Estado
da Pensilvânia (Penn State College of Medicine, Estados Unidos), Briones
ressalta à Agência FAPESP a importância dos achados. “Não
estamos dizendo que essas mutações causam a doença, mas sim que estão
associadas. Podem agora fazer parte de painéis de diagnóstico e, quem sabe no
futuro, serem usadas para estudos de terapia gênica. Fomos rigorosos nos dados
e trabalhamos com valores de significância altos”, diz o professor,
especialista em genômica e biologia molecular.
O trabalho teve o apoio da
FAPESP por meio de dois projetos (13/07838-0 e 14/25602-6).
Olhar
meticuloso
O grupo analisou o genoma
mitocondrial, que é um “pedaço” de DNA encontrado nas mitocôndrias das células,
as organelas responsáveis pela produção de energia. Também conhecido como DNA
mitocondrial (mtDNA), ele é único por ser herdado exclusivamente da mãe, ao
contrário do DNA nuclear que é uma combinação dos pais. Entre as causas da
esclerose lateral amiotrófica estão fatores genéticos e hereditários – cerca de
10% dos casos são provocados por um defeito genético. Na prática, os neurônios
dos pacientes se desgastam ou morrem, deixando de “mandar mensagens” aos
músculos.
No Brasil, são poucos estudos epidemiológicos
sobre a doença. Estima-se que o número de casos (prevalência) seja de 0,9 a 1,5
por 100 mil habitantes por ano, com o início dos sintomas ocorrendo, em média,
a partir dos 55 anos.
Os pesquisadores usaram uma
abordagem chamada de estudo de associação genômica ampla (GWAS, na sigla em
inglês de genome-wide association study) para identificar pequenas
variações genéticas – os polimorfismos de nucleotídeo único (SNVs ou SNPs). Ao
comparar a frequência dos polimorfismos, se um SNP específico for
significativamente mais comum nos pacientes do que no grupo de controle, ele
pode estar associado à doença.
Com isso, as 13 variações com
aumento de risco para a doença foram localizadas em dez genes – HV1,
HV2, HV3, RNR1, ND1, CO1, CO3, ND5, ND6 e CYB. As 38 mutações protetivas
apareceram nos genes HV1, HV2, HV3, RNR1, RNA2, ND1, ND2, CO2, ATP8,
ATP6, CO3, ND3, ND4, ND5, ND6 e CYB. Todas as variações têm valor-p menor
que 10-7. As que aumentam o risco têm odds ratio (OR
ou razão de risco, medida epidemiológica que estima a chance de um evento
ocorrer) maior que 1, e as que diminuem, menor que 1.
Na grande maioria dos casos, a
ELA se caracteriza por não seguir um padrão “mendeliano” de herança genética. O
principal fator nesse padrão é a herança citoplasmática, ou seja, fora do
núcleo das células, cujo principal exemplo são justamente mutações nos genes do
DNA mitocondrial. Essa é outra razão da relevância do trabalho.
“Como estávamos procurando associações,
o objetivo ao aplicar GWAS foi realmente montar um painel de candidatos, dar um
ponto de partida para quem vai procurar os alvos de terapia. Depois se faz um
estudo de relação causal”, explica o matemático Fernando Antoneli,
também professor da Unifesp e autor do trabalho.
Ao lado do então
doutorando João Henrique Campos e
da bióloga Renata Carmona e Ferreira,
o grupo foi introduzindo a abordagem na pesquisa. “Na época em que o João
entrou no laboratório, começamos a olhar novas técnicas, entre elas GWAS, que
estava sendo muito usada. O João, que é formado em enfermagem, foi dominando
essas ferramentas e introduzimos na pesquisa. Desde o início dos anos 2000
trabalhamos com uma equipe realmente multidisciplinar”, completa Antoneli.
Os pesquisadores brasileiros
querem agora aplicar inteligência artificial para analisar os dados dos quais
dispõem. Além disso, pretendem sequenciar amostras de uma coorte de pacientes
do Brasil e comparar com as 51 mutações detectadas no estudo.
O artigo Mitochondrial
genome variants associated with amyotrophic lateral sclerosis and their
haplogroup distribution pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/mus.28230.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-identifica-51-mutacoes-associadas-a-esclerose-lateral-amiotrofica-podendo-ajudar-no-diagnostico/52727
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