Procedimento tem
alcançado resultados promissores em pacientes com inflamação no intestino
grosso e oferece esperança no tratamento de outras doençasPesquisadores de Curitiba realizam estudo clínico
para desenvolvimento de produto à base de microbiota fecal
Créditos: Envato
O que fazer quando os antibióticos não são
suficientes para combater infecções no trato intestinal? Estudos têm mostrado
que pode haver uma saída ainda não tão conhecida, mas com casos de sucesso: o
transplante de microbiota fecal. Esse procedimento é simples, realizado por
endoscopia ou colonoscopia, e transfere bactérias intestinais de um doador
saudável para uma pessoa doente. O primeiro relato desse procedimento foi feito
em 1958, mas no Brasil, o transplante de fezes foi realizado pela primeira vez
apenas em 2013. De lá para cá, a técnica chegou ao SUS e tem alcançado
resultados promissores, com eficácia que pode ser de 90% entre os pacientes
transplantados.
Para driblar a resistência aos medicamentos ao
mesmo tempo em que oferece tratamento adequado, o Hospital Universitário
Cajuru, em Curitiba (PR), realiza transplantes de fezes em pacientes que sofrem
de inflamação no intestino grosso, ou seja, colite por Clostridioides
Difficile. Com atendimento 100% via SUS, o hospital tem alcançado
bons resultados, com melhora rápida dos pacientes e alta hospitalar. A prática,
que teve início em 2018, ganhou agora uma nova frente de pesquisa para
desenvolvimento de um produto à base de microbiota fecal pelo Laboratório de
Doenças Infecciosas da PUCPR. "Atualmente, no mercado internacional, temos
apenas dois produtos semelhantes ao nosso, um nos Estados Unidos e outro na
Suíça", relata o infectologista responsável, Felipe Tuon.
O tratamento também é um aliado contra as
superbactérias, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), podem matar
10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050. Para comparar o transplante de
microbiota fecal com o tratamento tradicional, o grupo liderado pelo infectologista
e pesquisador Felipe Tuon iniciou um estudo clínico controlado com 48 pacientes
que serão tratados com o produto em hospitais de Curitiba, incluindo o Hospital
Universitário Cajuru. "Nossa expectativa é constatar que o transplante de
microbiota fecal é mais eficaz do que o tratamento com antibióticos",
contextualiza.
E as possibilidades de tratamento só aumentam com o
avanço dos estudos. Uma pesquisa da Escola de Medicina de Harvard, nos Estados
Unidos, mostrou que o transplante de fezes pode ser a chave para o tratamento
de várias outras doenças, como a asma, esclerose múltipla e diabetes. Isso
ocorre porque as fezes humanas agem de forma semelhante a um alimento
probiótico, com a presença de bactérias benéficas para o funcionamento do corpo
humano. "A microbiota é parte importante do nosso corpo, representando até
90% de todas as células que possuímos, e é formada desde o nosso nascimento.
Essa parceria entre o corpo humano e a microbiota é natural, pois ela forma a
primeira linha de defesa do nosso intestino e nos auxilia a digerir melhor
alimentos que poderíamos ser incapazes de aproveitar", explica o
gastroenterologista do Hospital Universitário Cajuru, Jean Tafarel.
A luta por doadores
Um dos grandes desafios do transplante de
microbiota fecal é encontrar um doador, já que a sociedade brasileira ainda não
possui a cultura de doar fezes e enfrenta desconfiança, falta de informação e
dificuldades de compatibilidade. Para facilitar o processo, foi implementado um
banco de fezes na PUCPR, em parceria com o Hospital Universitário Cajuru. No
Brasil, poucos centros contam com iniciativas semelhantes, e as doações são
realizadas conforme a demanda.
Para ser doador, o candidato passa por exames como
hemograma, além de avaliações sobre estilo de vida, hábitos alimentares,
prática de exercício físico, ausência de sintomas gastrointestinais e
infecções, e a não utilização de antibióticos nos quatro meses que antecedem a
coleta. "A triagem é extremamente rigorosa, mais exigente que um
transplante de órgão. É feita uma entrevista e uma série de exames de sangue e
de fezes para garantir que não ocorra nenhuma transmissão de infecções virais,
bacterianas, fúngicas ou parasitárias", detalha o infectologista.
O procedimento
O transplante fecal transfere a microbiota de um
indivíduo que tem bactérias benéficas para o paciente que está com a microbiota
danificada. O procedimento é similar à colonoscopia, um exame que utiliza
técnicas da endoscopia para analisar o intestino grosso. Após tomar um
medicamento contra a diarreia e ser sedado, o paciente recebe uma injeção do
transplante de amostra fecal no cólon por meio de um tubo de colonoscopia. Ao
acordar, o remédio contra a diarreia mantém as bactérias saudáveis no
organismo, aumentando assim as chances de proliferação e auxiliando no
tratamento.
A história do transplante de
fezes no Brasil está apenas começando. É uma técnica simples e de baixo custo
que, quando realizada por profissionais capacitados e com as devidas precauções
biológicas, pode trazer inúmeros benefícios à população. "Ainda é um
desafio sem uma legislação específica, como acontece em outros países.
Portanto, é de extrema importância o estudo que estamos desenvolvendo sobre o
nosso produto, que possibilitará solicitar sua liberação e registro na Anvisa.
A partir disso, nossa intenção é que essa microbiota fecal possa ser amplamente
distribuída no mercado nacional, garantindo o tratamento adequado e segurança
para os pacientes", conclui Felipe Tuon.
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